Caderno de Cultura
Por Doutor Pinto
Cançado
Olá,
amiguinhos!
Na coluna da semana do Prof. Pinto Cançado, vamos atender às
dúvidas dos jornalistas e leitores sobre o jeito certo de escrever essa
palavra.
Como gramático, não entendo a sanha de querer escrever tanto
essa palavra, mas, já que minha função aqui não é entender, mas esclarecer,
vamos aos fatos.
Essas palavras terminadas em x (com som de cs) podem ter o seu acentinho tônico (com
ou sem grafia indicada) na sílaba onde está o x ou na anterior (e, nesse caso, é obrigatório indicar a tonicidade
com o sinalzinho gráfico, pessoal).
Lembrem-se amiguinhos – a tonicidade (aquele acentinho as
vezes invisível, as vezes visível) sempre cai em vogal. Por isso é que o x da questão está na vogal anterior, ou
na anterior da anterior.
Mas a beleza da dúvida é anterior à escrita, ainda: na
verdade, não sabemos como falar essa palavra – tríplex ou triplex?
Lá em Portugal, onde falam diferente daqui, um acento aqui
ou acolá pode atrapalhar na boca: tentar falar de certos jeitos pode engasgar,
tropeçar a língua ou fabricar cuspinhos ou perdigotos em excesso. Lá isso é
desgradável, embora não incomum.
Aqui, neste lado do Atlântico, não temos essa preocupação:
seja pelo jeito que falamos, seja por nossas poucas cautelas em babar em
público ao falar. Temos visto bastantes pessoas babando em público ao falar. Ao
término do discurso, parecem felizes e satisfeitas. Aqui não é isso desgradável
e por isso, tem se tornado comum. Ergo,
a elas tanto faz falar tríplex sem
babar ou triplex babando, ou
vice-versa.
Isso faz com que a palavrinha seja encontrada nas gramáticas
como de dupla prosódia (ou dúplice
prosódia ou prosódia duplex...): fale como quiser, desde que evite cuspir ao
falar. É o caso do tríplex e do triplex e, pasmem, meus amigos, dúplex e duplex, da prosódia ou de outras coisas edificantes da língua: o
falante escolhe.
Os mais antigos, como eu, tinham dúvidas com o herói – como
falar o nome dele, do grande Ajax? Ájax ou Ajax? Estudávamos o grego e o latim para dizer que o certo poderia
ser Ájax ou Ajax, dúplex ou duplex, tríplex ou triplex. E
respeitávamos as regras: dura lex, sed
lex – até que veio “no cabelo só gomex”
(e não gômex) e o limpa-banheiros Ajax, que o pessoal da limpeza já se acostumou
a chamar de Ajax e não de Ájax. Azar do Telamônio, sorte nossa – o
amigo de Aquiles ficou igual ao limpa-vasos e não precisamos mais estudar
grego, que é chato demais.
E assim essas palavrinhas com x com o sonzinho de cs foram
sendo resolvidas: o pessoal da limpeza também faz ajustes com Durex® e não com Dúrex (essa não foi registrada, leitor,
ainda dá tempo!).
Verdade seja dita, se na boca do português incomoda dizer triplex e na boca dos cultos é feio
dizer duplex (sem sinalzinho gráfico
no e, hein!), o pessoal da limpeza se
acostumou a colocar o acento na vogal que antecede o x: latex, táxi.
Os que sujam os banheiros e não limpam, ainda não sabem como
gostam do x com cs na boca (vai depender sempre do interlocutor): látex, táxi, as vezes, mas gostam também de anexo, convexo (e não fazem como o pessoal de Miami e dos Hamptons
que gosta de annex). E, no fim do dia, todos gostam de SEXO (inclusive os que gostam de SEX). Pronto.
A prosódia, esse grande xarope das línguas, tem essa função:
facilitar a falação, para que todas as palavras, desde as mais fáceis às mais
complicadas, possam ser faladas por todos de um mesmo jeito. A ideia é falar do
mesmo jeito para ser entendido de um jeito só.
Essa mania de unificar a falação para que todos possam falar
mais ou menos igual serve justamente para que todos se entendam, não é verdade?
– até quando as palavras e os fatos são difíceis.
A prosódia faz assim para que até as pessoas com pequenos
defeitos na boca possam ser compreendidas. Imaginem que mixórdia não seria um
gago tentando dizer dúplex ou um
portador de anquiloglossia ou ceceio pronunciando tríplex!
Desta forma, o idioma falado tem essa função democrática de
tornar todos iguais, desde os mais fidalgos até aqueles coitados que tem o
ceceio ou, como falam maldosamente lá na copa coletiva, a “fimose na língua”.
Mas o homem é danado! Ele quer usar o idioma falado (e nestes casos, até o
escrito), para dizer que ele é diferente porque sabe mais do que aquele que
fala errado. Bem, mas isso é assunto do Caderno de Política, não é verdade?
Voltemos à prosódia do triplex.
Assim, foi para resolver essa briga prosódica que as
gramáticas já solucionaram o caso com um empate técnico sentenciado na dupla prosódia. Mas os jornalistas, por
cacoete ou vício, ainda não se decidiram (tanto faz, amiguinhos!).
Para eles o Professor Pinto Cançado propõe uma saída
semântica (deixemos a prosódia de lado): digam casa de fulano ou apartamento
de cicrano, a depender de quem mora, usa ou paga as contas. Não precisa ser
rigoroso e se referir ao titular do bem no cartório, promitente vendedor,
garantido em hipoteca (e não hipóteca, hein!) e essas coisas – isso pode dar
mais briga ainda: quem entra e sai da casa é sempre óbvio.
Por exemplo: eu, Pinto Cançado, moro num triplex ou tríplex, mas para evitar que a conversa já comece com essa dúvida,
eu me refiro ao apartamento em que moro como Casa do Pinto. Quem entra e sai, está óbvio.
Que tal?