Caderno de política
Por Cícero Esdras
Neemias
Coalizões formadas no limite das forças dão azo a
desequilíbrios e instabilidades, ora de dentro do barco, ora de fora.
O que define a vida em política e reestabelece a paz é a
traição (ao lado da mentira). Vamos tratar da mentira outro dia. Hoje é dia de
traição, já em continuidade às colunas anteriores, sobre como funciona uma
coalização ampla relativa a brasileira, onde já tratei aqui e aqui.
No nosso quadro político, a traição é algo vital para o
sucesso de um governante.
Sem traição não há estabilidade.
Um ato de traição bem perpetrado motiva outros micro-movimentos
de atraiçoamento.
Isso recompõe, digamos, as bases.
Uma bela puxada de tapete, com classe, justifica que amigos
se tornem adversários e que adversários se tornem amigos, recompondo o jogo de
forma a surpreender os espectadores. Uma "cama de gato" sem qualquer elegância e no estilo mais varzeano possível também tem seus adeptos (com fã clube e tudo mais).
Uau: parece um passe de mágica – nada nesta mão, nada nesta
e, de repente, um adversário surge do nada e aquela moça presa na jaula se
transforma numa onça pintada, enquanto que a flor se torna pomba e o chimpanzé
se transforma na moça que havia sumido, que come a onça viva, ao vivo. Ilusão, tudo ilusão: seus olhos estão
sendo traídos, mas o espectador aplaude a traição!
E os espectadores querem isso: a sensação de surpresa!
É a pequena traição embalada com os lacinhos de seda da
surpresa que autorizam o traidor a passar de mascate a Barão: João Romão e
Bertoleza que o digam.
E veja-se: foi da traição que fez-se a nova luz no
Cristianismo – sem Judas não haveria o martírio e, graças a coragem de Judas
que Pedro negou o Homem três vezes e estimulou os demais a “darem área”. Sem
isso, será que Ele voltaria? Bem, isso é outro assunto... Voltemos ao Brasil.
Ele (sim, Ele e não ele) voltou porque foi traído: e assim
gostam aqueles que dormem nos braços do Povo e discursam para multidões – foi
assim com Vargas, com Perón, com Napoleão, com Charles II. A par com Vargas, no Brasil, os exemplos recentes são abundantes, pitorescos, picarescos e picantes: envolvem familiares, amantes, sócios, parceiros de voto e comunhão.
Nossa história política é uma história de coalizões amplas; é uma história de traições. Não há coisa mais bem feita neste país do que as traições, já dizia Nelson Rodrigues.
A traição política higieniza defecções e defecações
anteriores como nenhum outro bálsamo.
O lado ruim é que quem dele prova, nele se vicia (para
sempre) e passa confundir essa carta do baralho político com o coringa da
trapaça comum.
Jogo com muitos coringas torna-se, normalmente, muito
perigoso e pode levar a mão e as canastras formadas (lembremos, canastras com
coringas são sempre sujas) a uma pontuação posterior desclassificatória.
Aguardemos o(a, s, as) traidor(a, es, as).