quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Fubango

Caderno de Cultura
Por Pinto Cançado

Olá pessoal! Estamos de volta esta semana com mais uma dúvida sobre língua.

Desta vez os leitores querem saber a origem, o significado e os usos dessa palavrinha que vem sendo bastante utilizada nos jornais ultimamente: FUBANGO.

Ora, ora; pois bem – vocês leitores atentos, sempre me pegando de surpresa!

Para começar a estudar, lá foi o Pinto Cançado olhar os dicionários: o Aurélio, o Houaiss, o Caldas Aulete, o Morais... E adivinhem... Nada leitores! Nada de fubango neles.

Pois então fui na origem de tudo – o nosso vocabulário ortográfico da língua portuguesa: fubango(a), fobango(a), fobangu(a), fubangu(a)... nada!

Enfim, a palavra não existe na nossa língua. Tentei pronunciá-la com ceceio e nada achei por aqui...

Ai pensei – só pode ser estrangeira: latim, grego, italiano, francês, espanhol, catalão, alemão, inglês, sueco, japonês, chinês... nada...

Sânscrito, hindu, javanês, basco, sardo, celta, esperanto, malaio... Nada!

Só por desencargo, dicionários de banto moderno, banto rudimentar, kimbundo e neocalanguês – n... a... d... a...

Enfim, essa palvara surgiu do nada!

Veio do nada, ninguém sabe de onde, quando, porquê e..., se instalou na língua e nas coisas e nas pessoas, como um zika vírus.

Do nada, ou, como diriam os estadounidenses, out of the blue.

Alguém inventou e começou a usar e... pronto. Lá estava o fubango.

Não tem origem certa, explicação... Ninguém sequer sabe quem inventou o fubango. Neologismo dos mais categóricos esse caso do fubango, não?

Mas a palavra está ai – não temos a menor ideia de onde ela veio, mas ela existe e é bem usada, por todos e em especial por... bem... deixa pra lá. Alguém por ai há de adorar o uso dessa palavra que ninguém sabe de onde veio nem quem inventou. Simplesmente vai lá e usa a palavra e todos riem.

Tive que, como bom homem de línguas, checar os primeiros usos da palavra e os contextos.

Veio assim aparecendo de mansinho no fim da década de 1970, início da década de 1980.

O contexto mostra que a palavra é usada sempre num sentido adjetivo: tenta dar qualidade a uma coisa ou uma pessoa. Fica ao lado do substantivo mas não acrescenta o menor conteúdo à coisa ou pessoa. Só acompanha para florear ou fazer rir, como diria o Sargento Rocha.

Na década de 1980, usavam fubango para designar pessoas feias, desajeitadas.

Assim: “aquela mina é uma fubanga”, diziam; algo que em latim seria deformis puella, em sua acepção sintética e objetiva.

Alguém passou então a tirar das pessoas e usar nas coisas – camisa fubanga, sapato fubango, jeito fubango.

Foi então o uso se alastrando nas coisas para não frustrar as pessoas (já que estas se entristeciam quando a fubanguice lhe era associada) – carro fubango, avião fubango, barco fubango, casa fubanga, apartamento fubango, sítio fubango, até que... Palácio Fubango!

De repente o fubango, não mais que de repente, como na Guerra da Quirquízia, explodiu.

Todo mundo começou a falar fubango e usar o termo para praticamente tudo e enfiar fubango em tudo que incomodava.

Mas como toda palavra inventada, como já dizia o inventor dos inventores, Guimarães Rosa, o que importa é a impressão causada pelo som. Fubango, convenhamos, tem um som engraçado e a ideia é associar a coisa ao ridículo, como fazíamos, no início, com as meninas feias e os meninos desajeitados: fubangos!

Mas língua também é etiqueta. E adjetivo é o excesso que pode jogar o falante na cafonice, na bajulação ou simplesmente na grosseria. Adjetivos são perigosos, principalmente quando o referente é um alter do falante. Menos tecnicamente: ao nos referirmos aos outros e as coisas dos outros, fubangar-lhes é, no mínimo, ser deselegante.

Não posso chegar para um sócio e dizer: “sua mulher é uma fubanga”. Isso pode gerar conflito. Ainda mais se digo isso em jornais de enorme circulação, como o Diário Bola Preta e seus Jornais Associados (E.T.: nosso editor é celibatário!).

Não posso também ir à casa de um amigo e dizer: “amigo, sua morada é um tanto quanto fubanga”. Por maior que seja a proximidade (e, em alguns casos, há até intimidades), isso irá ofender, íntimos inclusive.

Até quando o alter é parte de nossa metade há risco de ofensa. Imaginem a esposa saindo para uma festa de casamento e perguntando “estou bem, amore?”, e você respondendo, “bem, vejo-a assaz fubanga nesses trajes”. Essa conversa imaginária carimba no passaporte do falante o ingresso eterno e sem retorno ao chamado sofá noturno.

Não podemos nos referir às coisas dos outros como “fubangas”. Se não são nossas, basta dizer “não me apraz” – é mais elegante linguisticamente, correto estilisticamente e estratégico socialmente.

Mas vejam, leitores – por trás de toda expressão fubanga há um falante, que pode também ser fubango. E isso pode fazer toda a diferença, da mesma forma que “menos com menos vira mais”.

Isso porque há gostos e gostos, já dizia gostosamente o chef Gustavo Justo – se há gostos e gostos, como também quis e teve Hegel na Estética, há quem goste daquilo que ninguém gosta e o feio fica belo nos olhos dos locutor: daí surgiram os chamados “barangueiros” e “fubangueiros” (ou “fubangófilos”).

Muita vez (e ai preste mais atenção no interlocutor do que na mensagem), fubango poderá ser elogio e aquilo que lhe parece desairoso a um bem que todos sabem alheio diante de seus olhos, leitor, se torna simpático elogio a um desejo enrustido do locutor, a tal da "invejinha passageira" – já pensou se fosse meu?

Semana que vem haverá mais.

Amplexos amplos aos que aqui chegaram.