Caderno
Empresas
Por Bill Taney
Na Coluna de hoje, comentarei sobre o sadio hábito de dar presentes.
Na China, até os dias atuais, as pessoas se dão presentes
como forma de conviver: é a política do guanxi.
Esses presentes podem ser favores, um envelope com alguma quantia modesta de
dinheiro (nada importante ou volumoso, algo com US$500 a U$1,000 em espécie
está ótimo), jóias de pequeno valor, jantares... pequenos agrados.
No caso dos chineses ou dos sino-associados, alguns presentes
devem ser evitados: objetos alvinegros – o preto e branco é cor de funerais na
China, portanto, roupas, camisas de times com preto e branco, para um chinês,
equivale desejar que ele morra, embora, no Brasil, também assim deve ser
entendido; número quatro – o ideograma e a pronúncia são parecidas com a
palavra morte em chinês; livros – o
ideograma para livro ou livros, em chinês, é semelhante ao ideograma “perder”.
Assim, por exemplo: se você der uma camisa do Corinthians
para um chinês é mau sinal – essa é a razão pela qual eles compraram os
principais jogadores para que você possa presentea-lo corinthianamente sem
desejar-lhe sentimentos funéreos. Do mesmo jeito um livro: dar livros de
presente, além de sinalizar que você acha que seu interlocutor precisa ler
mais, você sinaliza a ele que perder a amizade dele não é mau negócio para
você.
Veja então, leitor, por meio do exemplo dos chineses, como
dar presente é uma prática
importante e vital dentro da vida empresarial.
Comece dando presentes internamente, para pessoas de boa
posição na empresa: seus chefes, seus clientes internos, os chefes de seus
chefes. Veja como o trabalho fluirá melhor a partir da adoção dessa política de
trabalho e identifique isso na sua avaliação.
O presente interno nem precisa ser um objeto. Pode ser um
serviço que você saiba fazer.
Exemplo: quando trabalhei em uma grande empresa, havia um
rapaz modesto que gostava de estar sempre a disposição do chefe. Como ele era
menos capacitado para o trabalho que fazia parte do objeto social da empresa,
ele se dispunha a ajudar o chefe em tarefas mais simples. No começo,
ajustando-se à desculpa do chefe para a falta de atendê-lo, dispôs-se a levar o
chefe até o aeroporto (uma espécie de carona de ida e volta). No trânsito da
metrópole fluminense, aproveitaria para, levando o chefe até o aeroporto,
discutir temas importantes. Mas fato é que, como ele trabalhava menos que todos,
trabalhando as vezes muito pouco ou mesmo nada, coincidentemente nenhuma
instrução tinha a receber e corria o risco, ainda, de ter o chefe a descobrir
que ele nada fazia: das 8hs as 20hs, todos os dias (sábados inclusive). Mas
essa oportunidade foi dourada para o notável jovem aprendiz! Com o segundo mote
de que tinha tanta coisa para fazer (sim, era mentira) e que poderiam
aproveitar melhor aquela viagem até o aeroporto discutindo temas mais amenos
para evitar o estresse antes de viagem tão importante do chefe, acabou por, no
papo descontraído, descobrir muitas coisas pessoais que os outros colegas não
sabiam. E assim foi descobrindo coisas do chefe nessas pequenas viagens em que
o chefe economizava o táxi até o aeroporto e ganhava um amigo inusitado. Pois
assim foi... “Reunião hoje? Eu levo!”, “Já sei – tem aquela palestra do outro
lado da cidade? Eu levo”. Ao longo do tempo as caronas eram só de ida, pois o
jovem aprendiz acumulava tantas informações sobre as aspirações, desejos,
necessidades, reclamações e devaneios do chefe, que passou a trabalhar para
essas aspirações, desejos, necessidades, reclamações e devaneios. E depois eram
só de ida pois bastava ir até a empresa, bater aquele papinho, tomar aquele
cafezinho e se o chefe precisava apenas ir até uma reunião não-sei-onde, ele
levava e depois encerrava o dia de trabalho, indo para casa mais cedo, enquanto
os outros ficavam na empresa fazendo aquele trabalho mais duro, que tanto
haviam se esforçado os demais para ficar exclusivamente com as tarefas com o
fito de excluir o coitado do jovem aprendiz. Para todos os efeitos, ele tinha
conquistado o privilégio do home office,
que na empresa era chamado de sneakers
office. Começaram a falar mal do
jovem aprendiz e dizer que ele era bajulador e não trabalhava. Mas era mentira.
Ele trabalhava muito. Passava o dia na internet e nas redes sociais conseguindo
coisas incríveis para o chefe, enquanto os demais, apesar de conseguir uma ou
outra coisa incrível para o cliente, deixavam o chefe de lado tamanho o número
absurdo de clientes. E essa saga de ajeitar a vida do chefe fo longa para o
jovem aprendiz. Vejam: pois logo o jovem aprendiz havia descoberto que o chefe
precisava trocar de televisão mas não tinha tempo para isso. O que fez o jovem
aprendiz? Passou o dia pesquisando televisões e achou o melhor modelo pelo
valor mais em conta e, usando seu cartão corporativo, comprou a televisão para
o chefe. O chefe gostou muito! E ainda deu um jeito de justificar o pagamento
do cartão corporativo como forma de gratidão junto ao jovem aprendiz. E então,
com a chegada do aparelho em casa, a surpresa. O chefe não sabia instalar. Mas lá
foi o jovem aprendiz na casa do chefe e instalou o aparelho. Mas era um
aparelho tão moderno e tão cheio de truques, que o chefe não sabia mexer no
aparelho. O aprendiz estudou de “fio a pavio” o manual do aparelho e foi
assistir televisão com o chefe por um mês, até que o chefe pudesse aprender a
mexer no aparelho e acompanhar as séries sozinhos. Mas sentiu falta do jovem
aprendiz, pois os comentários dele sobre os episódios eram tão percucientes que
assistir House of Cards sem o jovem
aprendiz era como assistir Star Wars
sem som. Mal sabia o chefe que o jovem aprendiz passava o dia se preparando
para esse momento. Estudava os episódios e lia tudo sobre a série. Sabia até
das melhores interpretações e o que cada cena significada segundo a filosofia
platônica e o budismo Terra Pura. E assim, messes encontros, caronas, e outras
atividades, o aprendiz passou a contar para o chefe quem, na opinião do
aprendiz, eram pessoas legais com ele, aprendiz, naquele ambiente de trabalho.
E o aprendiz, biblicamente, criticou todos. Na verdade, eram todos uns
fofoqueiros e ficavam falando que o aprendiz era um “puxa-saco” e isso deixava
o aprendiz triste e isolado nas festas da firma. Mas já notando esse
isolamento, o aprendiz passou a frequentar a mesa dos chefes, pois ninguém
gostava daquele “pascóvio”. O chefe começou a perceber isso. E as tarefas
aumentaram: reforma do banheiro, troca de carro, reserva de restaurante e, bem,
conselhos matrimoniais. Na reforma de banheiro, trouxe uma latrina do Japão,
com todos os recursos hídricos e musicais. Mas o chefe não sabia usar tudo
aquilo e para despertar o encanto no chefe, fez-lhe gratuitamente umas
demonstrações de uso da nipolatrina. Então a esposa do chefe começou a se
incomodar com o aprendiz vindo tanto na casa do chefe e assistiam televisão
juntos, se trancavam no banheiro juntos, enfim, faziam coisas demais juntos. O
aprendiz não teve dúvida e levou o chefe nos melhores ambientes de amor e
patricinou momentos inesquecíveis para o chefe com todas as mulheres de todas
as casas que o aprendiz passou semanas pesquisando. Até que notou que havia
chegado aa hora do chefe se assentar e arrumou uma amante para o chefe, com
local de encontro, tudo ao gosto do chefe (e da amante também – aprendiz sabia
agradar o chefe...). Logo sempre ia nos mesmos locais de gosto do chefe, passou
a frequentar o mesmo clube, torcer para o mesmo time – essas coisas. Descobriu
os pratos prediletos do chefe, aprendeu a cozinhar e começou a fazê-los para o
chefe, em festas estrategicamente planejadas em que todos os convidados
faltavam e só vinha o chefe. Isso foi lhe franqueando um certo acesso que os
demais, muito ocupados com o trabalho mesquinho e a fofoca corporativa, não
tinham. Ao longo do tempo, os “tagarelas” foram sendo demitidos – um a um. O aprendiz
ajudou o chefe na recontratação e na reformulação da equipe, pois o chefe não
tinha tempo com essas coisas de entrevista e escolher alguém para fazer o
trabalho. Mas o aprendiz, em um jantar do baixo clero da empresa (o chefe não
estava) chegou a declarar que faria “de tudo” para o chefe quando foi advertido
que a palavra “tudo” seria muito ampla e poderia envolver... “tudo e qualquer
coisa”. Sua resposta foi “tudo é tudo”. Todos se riram, até ele, o notável e
dedicado aprendiz. E assim foi sendo construída a carreira desse dedicado
aprendiz, que após o segundo casamento do chefe, se tornou o principal Auxiliar
e vice-algo na área. Mesmo porque, ele havia contratado todos que então
passaram a trabalhar para ele, pois ele é que tinha os detalhes das instruções
do chefe e como o chefe gostava das forma como as coisas fossem feitas. Mais:
recontratou todos pela metade do salário de cada um dos anteriores,
equilibrando o budget da área a seu
favor e, lógico, a favor do chefe, que passava a pagar uma pensão pesada. Com o
tempo, sua técnica de presentear foi alastrada para o relacionamento com os
clientes e esse aprendiz se transformou em campeão de vendas e um dos mais
sensacionais executivos com uma carteira de clientes de fazer inveja até para
Steve Jobs. Esse gênio corporativo, então, passou a presentear também
fornecedores, clientes e tudo – mas veja, sem tirar um centavo do próprio
bolso. E as vezes fazendo com que outros fizessem pelo cliente algo gratuito,
ficando em débito com ele, que jogava esse débito de guanxi numa espécie de clearing
de favores que ele criou dentro da empresa. Como um intermediador de presentes,
o jovem aprendiz passou a ter tanto sucesso que começou a sair na Caras, na
Forbes, na Exame, na Veja e nesses outros veículos menores que o nosso notável
Diário Bola Preta. Bem... Num belo dia, o chefe recebeu a visita do Japonês da
Federal sem saber porque aquilo estava acontecendo. Era verdade, o chefe não
sabia de nada, não tinha a menor noção do que estava ocorrendo e o que aquele
nipopolicial lhe atribuía. Foi um desastre, mas, enfim, foi o que foi e até
hoje ele diz que não sabe de nada e todos se riem. O aprendiz, já um vice-algo
naquele tempo, se tornou o principal executivo da empresa e hoje ele vive feliz
para sempre. Os outros colegas viraram vendedores de sapato, de Barsa, alguns
têm blog sobre algum assunto desimportante, outros resolveram virar professores
de qualquer coisa e as respectivas carreiras sucumbiram, ao contrário do jovem
aprendiz, hoje CEO do Século!
Veja leitor como dar presente é importante no mundo
corporativo.
Isso era coisa de família antes, mas hoje é verdadeira
técnica de gestão empresarial.
Moverá não apenas a sua carreira, mas, sobretudo, move a economia do país.
O país cresce com os presentes e como todos sabemos, isso
não é ilegal.
Algumas empresas equivocadamente inventaram políticas de
“dar e receber presentes”. Isso é um atraso ingnominável. Se você trabalha em
uma empresa com esse tipo de política nefasta, terá que ter criatividade para
exercer o seu guanxi e minha
recomendação é que mande seu curriculum e tente ingressar em uma companhia mais
condizente com a realidade e com o progresso nas técnicas de administração de
empresas modernas.
Se a sua empresa é uma companhia moderna e vencedora e
dispensa esse tipo de política retrógrada e equivocada, parabéns!!!, você é uma
pessoa de sorte e deverá empregar todos os seus esforços em sua carreira no ato
dadivoso de dar presentes, começando, logo em seu estágio, com os pequenos
chefes e na medida de sua exposição, você será demandado a sofisticar a sua
técnica, quanto mais sofisticadas forem as pessoas que você for se deparando
nessa subida de degraus.
Mais adiantado em sua carreira (é a última fase do jogo Call of Duty: Corporation), você será
demandado para montar cozinhas na casa do seu chefe, reformar o sítio dele,
cuidar da cobertura dele em alguma instância praiana (de preferência aqui em
nosso Estado, para gerar impostos aqui, por favor!) ou até mesmo dar de
presente o próprio sítio ou apartamento, de preferências com peladinhos
divertidos boiando no lago.
Esteja preparado, portanto, em sua carreira, para esses
desafios e faça como o nosso grande JOVEM APRENDIZ, que hoje é um homem de
sucesso: saiba dar presentes e não se
preocupe em receber, pois a vida é um presente de Deus!!!
Na próxima semana voltaremos ainda no tema do presente no mundo corporativo com mais
histórias edificantes!
Até lá!