segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O Desenvolvimentismo Brasileiro


Caderno de Economia
Por Magnus Blackman

Tenho lido alhures, por ai, em diários menores e menos tradicionais, sobretudo da parte de amigos de Köln Cunha, que ao Brasil falta a coragem para seguir o exemplo de FDR, que teria tirado os EUA da crise “expandindo o crédito”.

Pois bem, vamos aos fatos.

FDR não tirou os EUA de uma crise e sim de uma depressão. Implementou suas medidas, parte (supostamente) com base no pensamento keynesiano, entre 1933 e 1938. Qual seja, FDR trabalhou 5 anos para implementar o chamado New Deal. E o que teria sido esse deal? Basicamente, o deal teve matriz jurídica. Impôs obrigações legais que geraram efeito econômico e não o contrário.

A depressão foi causada por deflação seguida de desemprego. A deflação foi gerada por queda na oferta, o que no quadro geral da economia daquele tempo, naquelas terras, segundo os registros do Bureau of Economic Analysis gerou uma sequência consecutiva de 4 anos de perdas históricas: 1929 (-12.0%), 1930 (-16.1%), 1931 (-23.2%), 1932 (-3.9%).

A combinação de decréscimo na oferta com deflação (queda nos preços) afetou a capacidade de pagamento de alguns créditos a longo prazo, dentre eles, os créditos relacionados a força de trabalho. A causa matriz para essa queda na oferta deu-se principalmente por força de uma retração nos investimentos privados sobre a capacidade produtiva do parque industrial estadounidense.

Portanto, refazendo o caminho das causas: as ações atingiram o seu preço pico em meados da Década de 1920, o governo competiu com essa subida elevando os juros, o preço das ações arrefeceu a níveis ridículos, investimentos diretos diminuiram, a indústria encolheu, a oferta despencou, os preços derreteram em espiral deflacionária, a capacidade de pagamento ruiu, o desempregou disparou e a falta de estrutura jurídica para amparar o alto grau de ociosidade levou o maior PIB do mundo da época à retração histórica que trouxemos acima e que só foi interrompida em 1933 com um aumento de 17.0% no PIB pós implementação do New Deal. Exceto por 1938 (-6.3%), que refletiu a Recessão de 1937, a economia daquele país só foi ver um novo número negativo novamente em 2009 (por força do reflexo da Crise de 2008), quando se deparou com 2.2% de retração.

Antes de entrarmos no “pacote mágico”, há outros números curiosos desse período. A retração da economia levou o governo a fazer corte de gastos com a sua máquina: entre 1930 e 1933 o governo reduziu ao menos 10% de ano a ano em seus gastos gerais com esforços locais e também em nível federal. O desabamento do PIB, entretanto, fez com que a relação entre os gastos e a arrecadação, em termos percentuais, gerasse aumento, que ocorreu, de fato, muito mais em virtude da queda de arrecadação do que por causa de eventual desleixo nos cortes.

Mais: a balança comercial manteve-se estável (praticamente zerada) até 1933 iniciando uma retomada positiva a partir de 1938.

Eis os números desse período, suas causas e os elementos desse quadro depressivo.

Um elemento importante era a relação de FDR com o Congresso: ótima.

Outro elemento era a composição da Suprema Corte, composta por gente como Charles Hughes, Harlan Fisk Stone, Benjamin Cardoso e, last and never least, Louis Brandeis.

Esse assunto eu ouso deixar para o caderno de política e, voltando ao New Deal, podemos traça-lo em duas fases distintas: a primeira, fortemente marcada pela austeridade fiscal, a segunda, pelas reformas estruturais.

Lembre-se que esse período colhia os efeitos do estímulo a concorrência inciados em 1890 (Shearman Act) e 1914 (Clayton Act), cuja receptividade na Suprema Corte por meio dos famosos casos da Standard Oil e da American Tobacco deram resultado no mercado anos depois.

Ainda sobre a primeira fase, FRD agiu em seus primeiros 100 dias de governo: qual seja, agiu rápido, trabalhou, não perdeu tempo com bobagens.

Em seu período de austeridade fiscal, trabalhou para reverter os efeitos da desgraçada medida adotada em 1930 (Smoot-Hawley Tariff), que tentou consertar as coisas por meio de aumento de impostos sobre produtos importados, sacramentando um protecionismo que gerou mais desemprego. Trabalhou também para reverter os efeitos deletéreos do Revenue Act de 1932, que simplesmente aumentou impostos em tabela progressiva que poderia atingir até 63% da renda auferida. O que fez? Cortou salários do aparelho federal, bem como aposentadorias, na casa dos 15% em média.

Jamais houve a aceitação de que o aumento de gastos deveria funcionar como mola propulsora da recuperação econômica.

Na segunda fase, vieram as reformas. A primeira foi a reforma bancária, aprovada pelo congresso no mesmo dia. FDR e Hoover, seu Ministro da Fazenda, notaram que a falta de estabilidade no setor bancário poderia sepultar definitivamente o país, sobretudo no âmbito dos produtos de bancos de investimento. Ao assegurar o funcionamento do setor bancário privado por meio de um colchão de liquidez (um seguro estatal para o funcionamento de um setor público da economia) seguido de forte atividade fiscalizatória, FDR colocou os banqueiros para trabalhar pelo país. Adicionalmente, reformou o sistema monetário e alterou o padrão-ouro inserindo o chamado curso forçado da moeda e impedindo a indexação e sobretudo os pagamento em ouro, criando ainda um monopólio sobre a custódia do metal.

FDR podia ficar feliz e parar de trabalhar, mas, nem o Madri Gras interrompeu o seu hábito por trabalho. Em complemento a reforma bancária e a reforma monetária, FDR implementou o que foi considerado o coração do New Deal: o Securities Act de 1933 e o Securities and Exchange Act de 1934. Make a long story short, FDR reforçou os mercados de capitais dos EUA, criando a SEC, o mais poderoso mecanismo de fiscalização dos mercados no mundo. Tais medidas, bem suportadas pelo Congresso e respaldadas em cases clássicos na Suprema Corte, recuperaram imediatamente o fluxo de investimentos diretos nas companhias, que reestabeleceram o nível de oferta e produção, gerando trabalho e demandando a massa ociosa para o batente. Os índices de desemprego desapareceram e a receita do estado para reinvestir em infraestrutura apareceu.

Além disso, criou mecanismos de fiscalização por meio de agências verdadeiramente independentes, reformando a administração pública, atingindo sobretudo efeitos no campo e na grande lavoura norte-ameriana, impulsionada pelo AAA (Agricultural Adjustment Administration). Também matou os efeitos do Smoot-Hawley Act por meio do Reciprocal Tariff Act em 1934, recolando os EUA na labuta do comércio ultramarino.

Tudo poderia já parecer resolvido, que foi quando em 1935, FDR implementou a reforma previdenciária, resultando na criação do até hoje vivo Social Security System. FDR reformou também, junto do Social Security Act, todo o sistema das relações de trabalho nos EUA, por meio da liberdade sindical, ponto central do Wagner Act de 1935.

Sim, é verdade que, depois de tudo isso, FDR teria “despejado” dinheiro na infraestrutura, a partir de 1935, por meio do Work Progress Administration, que, dentre outros projetos, teria dado a Nova Iorque em 1937, o projeto para a construção do aeroporto de La Guardia, que ficou pronto anos depois e está em uso até hoje. Ao contrário de dar crédito direto, bolsa desemprego ou delegar a infraestrutura para amigos da iniciativa privada, FDR usou a própria agência para empregar provisoriamente milhões de pessoas desempregadas na construção de praças, pontes, tuneis, geradoras de energia, etc, etc, etc. Repita-se: provisoriamente.

Veja: não deu dinheiro, não deu crédito – ofereceu trabalho. Diretamente, sem concurso. Desde cargos para engenheiros, administradores, arquitetos, advogados até os cargos da construção civil mais básicos. Repita-se: provisoriamente. Não fez isso como forma de se manter no poder ou de perpetuar o seu grupo de amigos. Também não fez para beneficiar amigos construtores da iniciativa privada. Tudo organizado por uma agência, sem interferência política e com viés 100% técnico.

Olhando em perspectiva, temos, na ordem em que tudo ocorreu:

Especulação à elevação de juros com medidas fiscais equivocadas à crash da bolsa à queda nos investimentos (setor privado) à encolhimento da indústria à queda na oferta/produção à deflação à default à desemprego à PIB negativo à FDR à austeridade fiscal à reforma bancária à reforma monetária à efeitos da política antitruste à recuperação do setor bancário privado à reestruturação do mercado de capitais à reestruturação da administração pública indireta à altos investimentos em fiscalização à recuperação do setor agrícola à reforma previdenciária à reforma nas relações de trabalho à liberdade sindical absoluta à investimentos diretos em infraestrutura.

Vejam, portanto, que o último passo foi... o gasto público com infraestrutura. Nenhum dos passos tem a ver com crédito público e subsidiado para o setor privado. Mais: nada disso tem a ver com Keynes, que sacramentou suas teorias em 1936, quando o New Deal já estava na fase final de seus ajustes e implementações.

O que vem sendo dito é uma tolice, uma barbaridade.

Aqui no Brasil temos inflacão enquanto em 1929 nos EUA tivemos deflação. Nossas marcas de desemprego são geradas por causas completamente diversas daquelas dos EUA dos anos 1930, pois resolveu-se mexer nos pilares da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995 e da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, sem alterá-las, mas meramente por meio de “contabilidade criativa” e de incentivos que, se foram a causa aqui, não o foram lá. Além disso, a relação com os demais poderes é péssima. Com a sociedade civil é pior. Com seus eleitores também não vai bem.

Não há planos para se resolver o abismo da previdência. Nunca passou pela cabeça de ninguém em reformar as agências para que atuem de forma independente e desgarradas de indicações partidárias. Não há medidas de incentivo a concorrência. Jamais sequer se comentou sofre uma reforma mínima, que seja, nas relações de trabalho (terceirização não vale). Liberdade sindical então, é palavra proibida. O mercado de capitais foi esquartejado (em grande parte pelo minoritarismo ativista dos fundos de pensão) e nunca se falou em ao menos dar-lhe um copo d’água. Nosso sistema monetário tem sido sido mais maltratado do que bola em jogo de futebol em aldeia indígena. O sistema bancário, ah, esse duopólio, é o grande culpado, o grande vilão: mas nada se faz para melhorar o duopólio ou a qualidade do sistema, com medidas de livre-iniciativa para que os médios possam crescer e encontrar seu espaço no mercado. Investimentos em fiscalização: nem pensar!

Pergunta: do que tanto falam, então, os desenvolvimentas?

Köln Cunha: qual é a sua?