sexta-feira, 28 de abril de 2017

Sobre Sapatos e Sítios

Caderno de Injustiça
por Clóvis Hauser (estagiário com OAB!!!)

Um réu por corrupção e lavagem de dinheiro deu antes de ontem bela entrevista para canal de televisão que se notabilizou nos idos dos 80 por atingir grande audiência as custas do Bozo, palhaço viciado em cocaína e avesso a banhos ("Chuveiro, chuveiro, não faça assim comigo...").

A entrevista foi conduzida por guri amigo e militante.

Lá pelas tantas, a qualquer pergunta anódina veio a seguinte resposta:

Você já foi à loja com sua mulher comprar sapatos? Você viu que às vezes ela pede para o cara da loja descer 40 caixas, ela bota os 40 no pé, depois ela fala que não quer nenhum, levanta e vai embora? (…) Ora, se ela não comprou, o sapato não é dela. É o caso do apartamento, é o caso da chácara. Se eu não comprei, não é meu, se eu não paguei, não é meu, se não tem registro, não é meu, se não tem documento, não é meu, se não tem um cheque, não é meu...

Pois é, réu. Entendeu o problema agora? Esse é o problema: o problema é que você não pagou de fato, não registrou de fato, não tem documento de fato, não tem nem um chequezinho de fato, mas vive por lá... Até pediu esfiha de muçarela para entregar lá... a ex-nora falava com o laranja ao telefone, que a ela revelou coisas de anos na geladeira... esse é exatamente o problema.

Não quero apimentar, mas convenhamos, o réu chegou a olhar outros 39 sítios antes? ou no mesmo exemplo o réu quer que acreditemos que essa mesma mulher dos 40 sapatos olha só um par e vai embora sem olhar outros 39?

Ainda que ela olhe só um par: se ela sai da loja com ele nos pés e "não compra, não paga, não registra, não faz documento nem nota fiscal, não deixa nem um chequezinho no caixa", como fica a situação?

Olhar só um par e usá-lo é exatamente o problema quando você "não compra", "não paga" (porque outro pagou), "não registra" (porque outro emprestou o nome para fazer essa burocracia), "não faz documento" (já que tudo sai em nome de outro), enfim, "não tem nem cheque" (seu, porque dos teus amigos empreiteiros tem de monte).

O que o réu acha que vai lhe acontecer quando ficar cara a cara com o Senhor Destino? O réu acha que as perguntas vão ficar nessa lengalenga de sapatos da ex-mulher do Cabral ou a coisa vai ficar exatamente no ponto que o réu chamou atenção (compra, pagamento, registro, documento, cheques)?

Há ainda quem o considere inteligente, esperto. Não é o caso deste estagiário.