segunda-feira, 10 de abril de 2017

Acerca de Estados e Terroristas

por Dom Fernandes III

Tempos atrás Trotsky teria escrito, ainda quando gozava de alguma herança leninista, o seu bizarro panfletão Comunismo ou Terrorismo.

Diz lá, antes de ter tomado um passa-moleque de Stálin (que o levou a mudar o tom das palavras e notar que havia uma degenerescência burocrática que tornaria os comunistas os novos czares), que se a violência é empregada com o propósito "da causa", então tudo bem usar de terror. Já a violência da burguesia deve ser reprimida com a violência de quem está em uma guerra civil e por isso, liberdade de imprensa impede de espionar e mentir e fazer outras pressões que ele entendia legítimas para a vitória da Revolução. O segredo seria: fuzilar e mentir, sempre que necessário. Diz isso com todas as letras, além de defender trabalho forçado (nome que os comunistas deram para um "regime de trabalho" que os fazendeiros dos séculos XVII, XVIII e XIX chamavam de escravidão).

Mas vejam: tudo isso acontecia ainda na base do Estado formalmente constituído - povo e território eram mais ou menos o mesmo e assim, mudando-se o aparato burocrático, conseguia-se mudar o controle pelo poder das mãos de quem vestia azul para os que vestiam cáqui.

Revolução Russa e outras platitudes marxistas desde a Comuna de Paris nunca mudaram o Estado. Dizem que o modernizaram, mas, na prática, o tomaram de assalto para fazer o mesmo que sempre foi feito: usá-lo em benefício de quem está no poder.

Tudo isso apenas para puxar aqui um especialista em terrorismo moderno, um tal de Robert Pape, que teria escrito há algum tempo atrás o seu Dying to Win, uma espécie de "Bíblia" atual (desculpem pelo trocadilho) das análises dos propósitos terroristas.

Pape analisa vários casos de terrorismo suicida, a partir de 1980, para tentar observar um pattern (padrão de conduta) que explique porque alguém em sã consciência se autodestrói com o escopo de levar consigo mais algumas dezenas, centenas ou milhares de inocentes aleatórios. Casos recentes mostram ataques do ISIS a... mesquitas (de sei lá quem que eles dizem não concordar e, honestamente? isso não vem ao caso - o que importa é que terroristas muçulmanos matam outros muçulmanos dentro de suas lógicas jihadistas especialmente estúpidas e injustificáveis de que até muçulmanos podem ser considerados... infiéis).

O terrorismo é, em princípio, a mais bárbara das violências pois além de não permitir defesa, a prática é randômica e completamente aleatória. Trata-se de um produto de....: bem, é isso que Pape tenta responder.

Ao analisar vários casos, ele conclui que o terrorismo não é produto do islamismo. Até ai tudo bem - é até uma platitude. Como vimos, há terroristas que se dizem muçulmanos e que atacam mesquitas. Suas teorizações começam a falhar quando o terrorismo se dissocia do jihadismo e parte para analisar casos do ETA, do IRA e do Tamil (uma fatia de seu argumento de que o islamismo não é causa do terrorismo lança mão até dos kamikazes).

Sua conclusão, entretanto, que faz enorme esforço em dissociar religião de práticas suicidas com efeitos terroristas, atrela-se a questões políticas - para Pape a causa do terrorismo está associada a um anseio por liberdade, cuja restrição seria causada pela presença militar de um estado opressor.

Pape coloca o terrorismo como uma measure of last resource, qual seja, um último recurso daquele que estaria desesperado pela própria liberdade (embora, muito cá entre nós, não seja capaz de defender nem a liberdade da própria mãe ou esposa, mas isso são outros 500).

Isso é falso.

Por que?

Simplesmente porque ele não apresenta nenhuma prova, evidência, traço ou minimamente um hint de que outros caminhos teriam sido tentados, nem mesmo o mais clássico, eficaz, eficiente e comprovadamente ético e razoável percurso do diálogo. Não há qualquer prova de que nos casos analisados por Pape haveria negociação prévia, mesmo porque, senão na esmagadora maioria (para não dizer totalidade), o ente supostamente invasor (na maioria das vezes estamos falando dos EUA) mantém representações diplomáticas formais abertas para o diálogo e para negociações.

Sei que muitos vão dizer que na maioria das vezes o estado invasor mantém laços de cooperação com o governo local de modo que a abertura de um canal de negociação oficial, via embaixada, por parte de rebeldes, insurgentes ou descontentes é uma ilusão infantil. Mas mesmo assim, tais países fazem questão, item, de ter representação na ONU e, da mesma forma, não se vê por parte de tais grupos descontentes qualquer tentativa que comprove que o ato terrorista foi a última coisa que restou.

Sim, muitos vão dizer que a ONU é o quintal dos EUA e a praia de Lúcifer e ai pergunta-se: Human Rights Watch? Cruz Vermelha? Comunidade Islâmica nos EUA? C.E.? Liga dos Países Árabes? OPEP? FIFA? Vaticano? Nada...? Então como se considera algo como último, se não há sequer um mínimo traço de que teria havido uma primeira outra tentativa?

A tese de Pape é pós-verdade: os casos são analisados para se chegar comodamente onde se quer chegar, e não onde realmente precisam chegar.

E é dessa tese que se alimentou Obama em seus oitos anos de "deixar pra lá" o caso Síria.

É dessa exata mesma tese que os críticos da recente reação de Trump à barbárie química de Assad se alimentam: de absolutamente nada adiantará reagir ou invadir, pois essa reação e as consequentes invasões são as causas do terrorismo e não a sua solução, dizem os críticos.

Pois bem, vamos aceitar então a conclusão de Pape, ad argumentandum tantum: nem tanto pela forma com que ele atinge esse resultado, mas porque essa tese não é de todo desarrazoada.

Interessante foi exatamente usá-la para tentar descredenciar a nossa tese. Ora, ora - Pape fala exclusivamente da intervenção militar como causa e não da recolonização, que seria uma intervenção muito mais profunda, pois seria militar (e passageira) na forma, mas civil e duradoura em seu conteúdo. Defendemos uma intervenção civil. A região precisa, sem meias palavras, ser recivilizada. É necessário que o mundo interceda e puxe o padrão civilizatório da região para os níveis da média mundial atual; exatamente como eles fizeram no Norte da África e no Sul da Península Ibérica séculos atrás, redescobrindo Aristóteles por meio de Averrois, que curiosamente retorna para os olhos ocidentais por meio da cultura mourisca invasora.

A tese aqui defendida, na verdade, ajusta-se perfeitamente à proposta de Pape: jamais por tropas se o intuito for meramente militar. Falamos sim de submeter integralmente a cultura da região aos limites que a democracia impõe, mantendo-se a essência espiritual da religião em torno de mensagens positivas e de paz.

Sim, falamos de uma pax americana imediata, urgente e radical. O islã deve urgentemente ser domesticado a padrões que permitam o convívio de culturas e não a sua predominância ao seu modo e do seu jeito, tratando o "ocidente" como se fosse algo inferior ao que resolveu se entender por islã ou cultura do médio oriente. A região precisa aprender a conviver com os outros, tolerá-los para entender que viver é, na verdade, conviver. Ao negarem viver (e também que outros vivam) reafirmam a indisposição de convívio e a predisposição ao arbítrio (a vida só vale se for do meu jeito).

Pape tenta afastar essa verdade inconveniente do radicalismo jihadista, mas aqui a aproximamos de propósito, pois é nitidamente falso que nesses casos exclusivos a autonomia dos povos e a soberania estatal na região vai ser a solução.

Se isso fosse verdade Obama deveria então retirar-se totalmente da região como um todo, saindo inclusive na forma diplomática e extinguindo as representações, justamente para respeitar esse intento de ver-se "livre dos gringos". Mas a verdade é que isso, dessa forma e de maneira tão radical, já não é do interesse de ninguém: nem mesmo do dos próprios terroristas.

No mais: se o estado é a solução, Pape não dá conta de explicar as eventuais causas do ISIS (seja porque este surgiu depois que Dying to Win foi escrito, seja porque misturam ações de homicídio e genocídio com terrorismo suicida - enfim, o ISIS pratica uma espécie de pancovardia): estes, tem em suas fileiras gente do mundo todo (europeus e até norte-americanos), assim como a Al-Qaeda. O nacionalismo islâmico do ISIS é por militância (semelhante ao que se faz nos partidos radicais de esquerda e direita que precisam de uma base estatal para esculachar com quem com eles discorda). Na raiz, sabe-se, o buraco é mais embaixo.

Simples - o estado, nesses casos, não é a solução: é, na verdade, o problema. Se voltarmos nos tempos da derrocada do Império Otomano e do surgimento da Irmandade Muçulmana notaremos traços de Mariguellismo, Guevarismo e proto-Trotskysmo (sobretudo na questão da utilidade do terrorismo) sustentando as ações. Hoje chegamos a níveis de sofisticação política-ideológica-religiosa jamais testados antes na História da Humanidade.

ISIS, inclusive, já declarou a sua própria base territorial com sistema político próprio (califado absolutista terrorista que cobre parte do Iraque e da Síria com presenças coloniais no Paquistão, Irã, Afeganistão, Iêmen e Somália, com a capital do sistema declarada em Mosul, no Iraque). O ISIS não respeita a divisão combinada na ONU e declarou-se estado com terras próprias e um bandeira sua (horrorosa, muito feia, diga-se de passagem).




Então com o ISIS, na tese de Pape, a solução seria deixar pra lá, fingir que está tudo bem?

Parece que não...

Estado e Terrorismo andam juntos. Não é de hoje.

O Oriente Médio apenas trouxe essa mistura a níveis absolutamente inimagináveis.

Não há outra solução para isso: é necessário intervir e declarar o fim desses estados todos que conhecemos para que a cultura sobreviva a essas monstruosidades, nem que para acabar com esses estados decadentes do Oriente Médio, tenha que se extinguir, item, com todos os Estados Unidos (e Desunidos também), da América ou de onde quer que seja, se para isso tivermos que fazer sobreviver o que há de mais rico produzido no território dos EUA: a sua magnífica cultura. 

Entre os Estados e as culturas, ficamos com as culturas.