domingo, 16 de abril de 2017

Democracia Direta for Dummies

Caderno de Política
por Cícero Esdras Neemias

Nosso hebdo tem trabalhado em uma série de reportagens e artigos sobre democracia direta.

Há anos o nosso editor chefe se interessa pelo tema e resolveu inserir nas pautas de nossa linha editorial essa abordagem.

Recentemente jornais de bairro foram agitados por essas revolucionárias ideias de um novo estado que Dom Fernandes III tem aqui descrito.

Em um desses jornais de bairro (certamente o mais fuleiro de todos) o tema pegou fogo: Vladimir Safatle escreveu há alguns dias textículo defendendo a democracia direta, mais ou menos em termos semelhantes ao da nossa linha editorial anarco-capitalista, embora ele seja esquerdão. Suavemente propõe o que aqui, radicalmente, pregamos: fim da tripartição dos poderes com a extinção daquilo que hoje se chama de "Poder Legislativo".

Nossa linha editorial, dentre outras coisas, propõe o fim do Poder Legislativo (todos eles: congressos nacionais, todas as suas câmaras e tribunais de contas, assembleias legislativas, câmaras municipais e todos os órgãos que contem com intermediários mandatos cuja profissão é representar). Nas outras coisas incluímos o federalismo (fim dos estados), os partidos políticos (defendemos candidaturas abertas e registro direto no TSE de candidaturas via CPF ou Título de Eleitor), da vitaliciedade em cargos concursados (com eleições diretas para compor Tribunais Recursais e de Apelação), dos Tribunais Superiores (exceto o TSE, mas eliminação dessas excrescências todas a começar pelo STF, STJ, passando pelo TSM e TST) e o uso do aparato de agências da CEF e do BB como postos avançados do TSE para capturar os votos dos cidadãos nos inúmeros temas de interesse do país. Por fim, a Constituição, esse texto de polichinelo que se presta a ser núcleo de problemas sem jamais ter sido fonte de qualquer solução.

Feita a nossa nota, voltemos a Safatle, que, dias depois, foi criticado de maneira infantil por Hélio Schwartsman no mesmo jornaleco de bairro. HS acha que se democracia direta funcionasse, as reuniões de condomínio seriam um sucesso.

O exemplo de Hélio para desconstruir o argumento de Safatle é ridículo. Ademais, não se sustenta em uma certeza ou comprovação, mas em um exercício birrento de "ceticismo" (expressão usada pelo próprio HS). O ceticismo de HS decorre do inato vagabundismo que ronda o Brasil - para tratar de uma questão importante, seriam necessárias horas de estudo para que o voto fosse feito com os debates todos tomados e resultantes de um entendimento de forças da sociedade.

Pois bem: os argumentos de HS são toscos e redundantes - essas horas de estudos, tão necessárias, não são aproveitadas pelos mais de 3.000 parlamentares existentes no Brasil, a começar pela Câmara.  Ou será que HS tem alguma comprovação de que o atual sistema assegura que Tiririca ou Jair Bolsonaro ou Jean Wyllys estudam o suficiente cada questão antes de votar ou, ao contrário, olham apenas para o que lhes tira, lhes mantém ou lhes dá voto para as próximas eleições? O dia que Tiririca estudar antes de votar uma questão que seja a ponto de estar preparado para explicar aos seus eleitores porque, tecnicamente, votou de um jeito e não de outro, a Folha da Madrugada dará um condomínio inteiro para Hélio votar sozinho e decidir se esvazia a piscina no inverno ou coloca portaria eletrônica no lugar do dorminhoco de plantão.

O exemplo do condomínio é realmente preocupante: HS sempre se mostrou um homem inteligente, mas olhar para a questão da representação com base nas experiências de condomínio típicas da classe média baixa seria transformar subliminarmente uma ironia em um argumento ou contraponto. E assim o faz, mas infelizmente a seu desfavor.

No mito das assembleias há o lugar-comum de que são momentos de muito blá-blá-blá e pouca solução. Se o filósofo (geralmente um especialista em blá-blá-blá ineficaz) prestar bem atenção nas práticas assembleares (sobretudo aquelas que já adotaram modelos de ágora eletrônica) achará na sua ironia exatamente o argumento que lhe é desfavorável e protege a posição de Safatle.

Assembleias, que são órgãos soberanos por lei, seja nos condomínios, nos fundos de investimento, nas companhias abertas, fechadas, nas empresas, nos clubes, nas instituições e em qualquer conglomerado que dependa de decisões coletivas, é o único mecanismo que ao fim do dia funciona bem para fazer o setor privado (dos condomínios da classe média à B3) resolver questões com assunção de responsabilidades e sem perda de tempo.

A questão não está em se estudar a questão mais ou menos, mas sim na assunção direta de responsabilidade pelo exercício de um poder. Somos todos responsáveis por conduzir uma doente mental como Dilma Rousseff ao Planalto - pagamos caro por isso e espero que tenhamos todos aprendido a lição: tenhamos estudado ou não antes de exercer esse voto na nossa única assembleia geral nacional que ocorre a cada quatro anos no país.

De maneira infantil outros argumentam que o eleitor comum tenderia a pautar questões de seu interesse e desatinaria a votar aumentos de salário mínimo em seu próprio favor: ok, se assim for, que sofra então as consequências de sua decisão cretina e aprenda pelos próprios erros ao invés de ter um representante de plantão a quem culpar. Ninguém disse que liberdade se exercita livre de responsabilidades. Outros ainda chamam a democracia direta de neopopulismo, mas chamam por chamar, sem saber o que é populismo e muito menos sem saber o que é democracia direta. A democracia direta é o exato oposto do populismo. Ela é antipopulista por natureza pois elimina a figura central do populismo - o intermediário.

Hélio não acredita na democracia direta porque acha que no longo prazo a preguiça sempre vence (a começar pela sua própria, que o fez parar no meio do raciocínio com o argumento falso de que reuniões de condomínio são sempre um fracasso). Esse argumento, sim, alimenta e sustenta o populismo, pois, como bem lembrou o próprio, isso levaria o país criar uma classe de "novos políticos" que se encarregariam de estudar e orientar o voto da tigrada toda do país. Litteris, disse HS: "Em tese, eles deveriam agir como contadores ou advogados, mergulhando nos temas para encontrar decisões tecnicamente viáveis que sirvam aos melhores interesses de seus constituintes, definidos por uma espécie de contrato político-ideológico firmado com o eleitor durante a campanha".

Sem problema nenhum que tenham esses contratos, esses prestadores de serviço ou coisa que o valha, desde que o voto do contratante não seja substituído pelo voto do contratado e este é o ponto que HS não enxergou. Deixou de enxerga-lo, com certeza, por conta da preguiça que ele admite ser reinante no país e aproximam o populismo de Lula ao de HS (este, o populismo da preguiça).

Esses especialistas são obviamente uma consequência sadia da democracia direta. Não serão contratados a longo prazo pelas pessoas físicas, mas farão parte da imprensa, dos jornais e darão palestras em núcleos coletivos onde os eleitores se reúnem: empresas, clubes, instituições, entidades... condomínios...

Serão lobistas sem Congresso, um trabalho que, convenhamos, é muito mais difícil pois convencer 150 milhões de eleitores do BBB é bem diferente do que comprar 300 deputados.

No mais, se o lobbismo numa sociedade sem congresso morrer, esses especialistas ficariam circunscritos aos formadores de opinião. Político já é outra coisa. O político vota por nós e, não, eles não organizam ideias como "advogados e contadores" - eles desorganizam ideias como... políticos que são.

Formadores de opinião "mergulham nas decisões para encontrar soluções tecnicamente viáveis" e as sugerem em meio a propostas tortas nascidas no Congresso. Alguns formadores de opinião verdadeiramente mergulham, como fazemos nós aqui na Folha da Madrugada; outros, "por preguiça", fazem um "nado costas" na ida e um "nado borboleta" na vota, o que nos pareceu ser o seu caso, HS, bem como da maioria dos colunistas de seu jornal de bairro.

Lobbistas são pagos para te convencer de algo e muitos outros dirão que os lobbistas serão substituídos pelos marketeiros políticos. É possível, convenhamos - mas para sustentar essa classe é preciso de dinheiro e outros dirão que a indústria dominará essa máquina a seu favor. Se as redes sociais estiverem preparadas para esse agorismo amplo, não há marketing que mude uma Primavera Árabe ou a vontade da maioria de eliminar a CLT ou manter o imposto sindical. Nem tudo é suscetível ao marketing, mas apenas e tão somente as platitudes em que navegam seu jornalzinho de embrulhar peixe, sobretudo aquelas que se pagam para ser mantidas na base do "gogó marketeiro" e do patrocínio de propaganda que turva a formação de opinião isenta.

Se reuniões de condomínio fossem o fracasso que Hélio prega, a preguiça já teria dado um jeito de substituí-las por profissionais da administração condominial e lobbistas condominiais o que, ops, já existe e isso sim tem demonstrado estar em declínio absoluto por causa de problemas de... corrupção, sobretudo os oriundos de prestação de serviço de empreitada (qualquer semelhança com o sistema brasiliense não é mera coincidência).

Voltamos, nas empreiteiras que fazem reformas para os condomínios, ao problema cabralino, ao pecado original da política brasileira: os amigos ou meramente "o Amigo".

O sinônimo de sucesso de Hélio, creiamos, estaria ligado um evento assemblear bovino o que, sabemos, não existe nas reuniões de condomínio e em todos os outros modelos assembleares previstos em lei onde não há um controlador ou ditador definido. Assembleias (como toda e qualquer reunião agorística) é momento de tensão, debate, desentendimento, discórdia e "barraco". Isso sim, HS, é resultado da democracia e não os eventos bovinos que pacificam a sua alma, jornalista preguiçoso. Do contrário você precisará admitir que a Coreia do Norte é uma democracia, meu caro...

Na evolução dos sistemas, o brasileiro das assembleias (vamos chama-lo de brasileiro de verdade) tem sentido enorme necessidade de ler William Ury, de aprender a negociar, de aprender a como chegar ao sim, tem sentido necessidade quase fisiológica de ser estratégico nesses eventos públicos, em ágora, sobretudo quando é chamado a votar, aprovar algo ou concordar ou discordar de alguma decisão com impacto político para ele, eleitor.

Esse gap técnico está desaparecendo por pura necessidade de sobrevivência e a preguiça, que sempre existirá, está sendo alocada para outras searas da vida, na medida em que técnicas e tecnologia tem tornado as decisões coletivas mais fáceis, mais ágeis, mais simples, mais objetivas e com maiores resultados positivos - das assembleias de condomínio às AGOs da Petrobrás (informe-se lá, Hélio, como isso funciona antes de falar tolice).

"Fracasso" está associado a resultados e não meios, que vão bem, obrigado. Hoje, convenhamos, qualquer condomínio tem melhores resultados que o Congresso, pois todos são movidos por uma responsabilidade fiscal que lhes afeta diretamente o bolso por meio dos valores de quotas (você que levou os assuntos para o condomínio... só estamos dando corda no tema). Todos querem o maior benefício pelo menor preço de quota, mas nesse meio termo a conta tem que fechar. Hélio não acha isso um sucesso? Pois nós do Folha da Madrugada achamos (apesar das inimizades que são geradas nos eventos condominais, mas, convenhamos, "amigo" em assembleia e na política, pra mim, é coisa de corrupto).

No âmbito empresarial, as assembleias são o assunto mais candente do momento, ao lado do que se alocar de responsabilidade para os sócios e o quanto fica no colo da administração profissional e da não-profissional.

Hélio (the Dummy Philosopher) está atrasado, Safatle está a 10 quarteirões de distância a frente de Hélio. Deixemos combinado assim, então: a leitura das paupérrimas ideias de HS mostram com clareza e de maneira cristalina que Safatle está com a razão.