por Dom Fernandes III
Fomos chamados para auxiliar na pauta de um jornalão (não tão grande e prestigioso quanto o nosso) e demos lá o nosso pitaco a respeito desse tema da colaboração do Sr. Batista.
Pois bem. Estávamos quietinhos até agora; até sermos provocados. E já que dissemos lá, vamos dizer aqui o que dissemos lá.
Sr. Batista colaborou com a Justiça no Brasil e recebeu um ticket-to-ride direto para os EUA: é o lugar-comum que ninguém ousa discordar nesse tema.
Muitos dizem que ele, tal qual num romance picaresco, safou-se da guilhotina para passear na 5a Avenida e dar milho aos pombos no Central Park. Acham que a colaboração do Sr. Batista seria como uma Memórias de um Sargento de Açougue.
Alguns, ciosos de que a PGR combinou uma fuga de sua trupe em troca de inconfidências de paletó, confunde a PGR com Delcídio.
Acham que a PGR teria encerrado a conversa com o colaborador dando-lhe tapete vermelho para que voasse para os braços de Miss Liberty.
Só que os braços de Miss Liberty estão certamente em volta do pescoço do empresário, em posição de mata-leão. Não precisa ser muito smart para reconhecer isso.
Em segundo lugar, quem acha que a PGR encerrou um assunto com essa colaboração, mostra não só desconhecimento, mas a ingenuidade típicas de leitores Brasiliocêntricos - reclamamos que o americano só sabe olhar para o próprio umbigo, mas quando precisamos olhar para o deles, nosso olho não descola da nossa barriga peluda e estufada de "chopps".
Olhando para a nossa barriga, o jogo apenas começou com a colaboração do indivíduo. Colaboração não é um fim em si mesmo. E agora chega de olhar para o nosso umbigo.
Queria olhar para essa situação com os olhos cândidos de um Homer Simpson que comprou ações da Swift anos atrás e foi parar no colo dos novos controladores. E é ai que a cobra fuma (e fuma crack, se quiser saber o que). Reclamamos que o americano diz que a capital do Brasil é Buenos Aires mas não temos vergonha de dizer que a capital de Nova Iorque é Nova Iorque. Somos ignorantes em escala de arrogância elevada (nossa arrogância está algo em torno de 8 pontos na escala Richter).
Ao que consta, o Sr. Batista não é cidadão americano - no máximo é portador do Green Card o que para efeitos criminais e cíveis (responsabilidade e accountability) só piora a situação dele.
A Justiça americana não enxerga territórios e a jurisdição deles é global, pois empenha persecuções segundo os efeitos sofridos localmente: se você praticou um ato fora do território dos EUA mas os efeitos desse ato foram sentidos diretamente pelos investidores ou pelo contribuinte americano, o FBI, a SEC e etc vão te pegar. Não precisa nem esperar, porque provavelmente eles já têm alguém na sua cola. Foi isso ou não foi isso que aconteceu no escândalo da FIFA? Aliás, por onde anda Marín? Por muito menos o idoso de 80 e lá vai pedrada está vendo o sol de seu home care, em prisão domiciliar (não definitiva, para os que gostam de dizer das "alongadas prisões da Lavajato") desde idos de 2015.
Como detentor de Green Card o tal colaborador, que não disse coisas macias sobre o seu modus operandi como empresário e sobretudo como administrador do conglomerado JBS, teria que, em sua imaginária fuga para os EUA, furar uma certa fila de brasileiros com passaporte, mas teria que passar pelo "homem de preto" na imigração do aeroporto. Imaginemos que depois de dizer aquelas coisas e contar tantas histórias no Brasil, esse homem de preto iria economizar uma salinha para o colaborador? Como o FBI iria recepciona-lo no aeroporto? Chá e biscoitos? Muito estranho, meu caro Watson, muito estranho.
Em um universo Trump em que a xenofobia virou regra, um latino que tira emprego dos americanos e coloca em risco a economia americana porque age como moleque perante autoridades, ia ser recebido de maneira alegre e folgaz pelo aparato repressivo estado-unidense?
Pensemos - com quase 80% dos ativos por lá e concentrando boa parte do mercado de jerked beef, depois de ser pego naquelas historietas de carne podre e carne com papelão dias antes, como será que deve se sentir um cliente da Swift nos EUA? O tema da segurança alimentar não é tolice por lá como é por aqui.
Achamos nós, brasileiros, brasiliocêntricos que somos, que os EUA iriam recebe-lo em "missão de paz" abrindo a 5a Avenida para ele fazer comprinhas de ocasião?
Realmente o Brasil não é para amadores, simplesmente porque é uma terra de amadores. Qual seja, "amadores, não há mais vagas".
Copiamos imagens do iate do Sr. Batista sendo despachado para os EUA e logo pensamos que ele vai pra lá levar vida de rei na Flórida e em NY, entre o Natal da Times Square, a Disney da Califórnia e as corridas de cachorro em Fort Lauderdale.
Mario Sabino teria dito que precisamos de um bobo da corte - talvez não, haja vista que somos uma Corte de Bobos.
Apenas e tão somente as coisas que ele disse por aqui podem ser consideradas crimes de diversas cores e matizes. Sem entrar na questão da carne com papel, só de assumir que se pagou algo para político em troca do que quer que seja, além de caixa 2 (em campanha política ou não), manutenção de contas em território dos EUA para receber ou custodiar propinas e outras coisas que aqui não assustam mas lá são piores que filme do Vincent Price invocam fraudes contábeis (parte das receitas decorrem de fontes ilícitas), falsidades múltiplas (no Brasil seria falsidade ideológica e o seu equivalente por lá pune quem mente em documento público, caso das demonstrações financeiras de uma companhia aberta), insider trading (não apenas detectável quando se vende com lucro, mas também quando se compra com base em informação falsa ou com base em fraudes que não foram reveladas imediatamente ao público) há ainda o FCPA, pois a propina paga aqui gera efeitos lá e o acordo de leniência aqui ou respectiva colaboração premiada não afastam as penas que podem ser aplicadas em outras jurisdições (aqui e lá). Por muito menos Jeff Skilling está preso até hoje por causa de bobagenzinhas que fez na Enron entre 1999 e 2000. Enquanto as bobagenzinhas somam algumas dezenas de milhões de dólares, o Sr. Batista fala de bilhões. Vocês juram que estão achando que as autoridades americanas vão olhar para um pé-de-chinelo bilionário latino com cara de Peppa Pig e mostrar os dentes para ele com Sorriso Colgate?
Pense bem, leitor, leitora.
Acordo de colaboração não é vacina. As vezes funciona como analgésico, as vezes como anabolizante, mas não cura doente e muita vez some com efeitos que tendem a piorar com o tempo.
Um bando de precipitados acha que a PGR (cheia de experts em direto americano por Harvard e por outras instituições no mínimo interessantes) deu salvo conduto e abriu um precedente pela impunidade, sem saber nem 10% do que deve estar constando dos autos. Muitos acham que Fachin liberou tudo, sem saber o que foi liberado.
Quem conhece os EUA sabe que o FBI e a SEC jamais receberiam alguém que tenha feito aquele tipo de colaboração para trata-lo de forma impune para patinar no Rockefeller Center.
Então se o Sr. Batista fugiu da picada de cobra para cair na boca do jacaré, por que cargas d´água teria saído de certa zona de conforto aqui (já que a PGR desistiu de qualquer pena e Fachin homologou) para arrumar sarna para se coçar naquela jurisdição, que fará a PGR parecer uma creche? Não sabemos o que ele foi fazer lá. Essa é a mais pura verdade.
Ninguém sabe. Talvez a PGR saiba algo, mas provavelmente nem tudo.
Ele certamente não levou o iate para passear nos Hamptons ou em Fort Lauderdale. Seus bens e a empresa não estão "produzindo a todo vapor" e, localmente, aquelas partes de negócio que não abrangem o âmbito da leniência (instituições financeiras e o banco do Usain Bolt, por exemplo) terão contas a acertar com outras jurisdições... localmente (Banco Central).
Ele não foi lá a passeio.
Ele não foi lá se aposentar.
Ele não foi lá para viver os míseros últimos anos de sua vidinha mendaz, rude, grosseira, caricata e corrupta.
As autoridades dos EUA não o receberam lá para desejar-lhe sucesso na nova empreitada.
O capítulo PGR não foi o último; é o primeiro de uma série que ainda está na primeira temporada e só vai acabar na décima.
Agimos como adolescentes diante dos fatos e circunstâncias. Não temos mais paciência para esperar, apurar, investigar. O jornalismo de hoje é fruto de ejaculações informativas precoces.
Como diria Rickson e Royce Grace, dois dos mais lendários campeões do MMA, "tire o peso e dê-me o tempo que eu te volto com a vitória".
Se metade dos jornalistas soubesse o que é o jiujitsu, fariam matérias com melhores posições, esteja por baixo, esteja por cima.
Tudo indica que o Sr. Batista foi lá entregar mais coisas para aquela justiça.
Ou então, aquela democracia também resolveu abrir mão de um valor importante, a justiça.
Miss Liberty não carrega Batista no colo - Miss Liberty chegou as costas do ex-campeão e está próxima de finalizá-lo.