Caderno de
Política
Por Cícero Esdras Neemias
Hoje o
chefe invadiu a nossa seção editorial do Caderno de Política com a Bíblia
embaixo do braço e se aventurou a redigir uma matéria de apoio a candidatura do
veteraníssimo Mestre Carvalhosa.
Foi-se e
deixou a Bíblia e em enquanto eu traçava as primeiras linhas deste artigo,
resolvi seguir o chefe e abri-la, usando na parte que caísse. Pois bem, caiu
ali, em Mateus 7:5, em que teria dito o Cristo na pregação (diga-se de
passagem, esse foi um homem que não foi do pó ou ao pó, mas da pregação à pregação):
Hipócrita, tira primeiro a trave do teu
olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.
Esse é o
trecho da Bíblia que amontoa a maior quantidade de máximas de táxi e fraseados
de salão de beleza de todas as classes, pois tem as passagens clássicas das
“pérolas aos porcos”, “não julgueis para não ser julgado”, “você será medido
com a mesma medida que mede os outros” (que é mais velho que Cristo e remonta as primeiras aulas de grego quando aprendemos o protagórico panton métron anthropos), “acautelai-vos dos falsos profetas”,
“lobos em peles de ovelhas”, “ninguém colhe uvas de espinheiros”, “árvore boa
produz bons frutos”, “pelos frutos se conhece a árvore” e outras platitudes que
foram incorporadas ao folclore dos ditos populares que animam uma corrida de
táxi ou uma sessão de luzes nos cabelos. Mas de forma geral, o cisco no olho alheio que é retirado por homem vendado é imagem que o populacho não gosta, pois revela muito das nossas práticas tropicais - o cisco no olho alheio sempre cega mais que o meu tapa-olho, nestas terras de piratas e gentios.
Fato é que
a nossa ideia de democracia direta (ou o cisco no nosso olho, se assim preferir o leitor) não é sentida por todos na perspectiva
horizontal que gostaríamos (horizonte temporal, diga-se de fato). Ecoa nas redes a ideia de que quem defende voto
direto o quer fazê-lo apenas e tão somente para dar asilo a um bandido contumaz.
E isso não
é verdade.
Não
defendemos Democracia Direta “ad hoc”
– nossa ideia de democracia direta é plena e não faria o menor sentido abrir
mão dela agora.
Não por
outra razão (e desculpem por começar uma frase com “não” mais uma vez), a nossa leitura intraconstitucional não identifica transferência do direito de voto
(que por regra geral se exerce via soberania popular) para o Congresso.
Transferir a organização do evento do Judiciário (TSE) para o Congresso nos parece a
melhor interpretação da constituição e sob o ponto de vista ideal, ainda que
não fosse isso, um plebiscito (qual seja, a palavra final da plebe) sempre será soberano e terá
validade maior do que as letras, pois essa soberania é a fonte de todas essas
vontades e mi-mi-mi’s atuais. Jamais uma decisão soberana será
inconstitucional, assim como uma assembleia nunca será ilegal ou
antiestatutária. A assembleia é a fonte derradeira de tudo. E nada de PEC ou reforma constitucional, por favor. Chega.
Vale lembrar,
por outro lado, que não é o voto a garantia de que há em um sistema a democracia
plena: nos EUA a eleição é indireta e mesmo com a prática do gerrymandering, ninguém ousa dizer que
lá não há democracia, assim como no caso da Coreia do Norte e do Irã, cujas
eleições são diretas e nem por isso alguém ousa dizer que por esse fato, tais
recônditos são dotados de um regime democrático. Os exemplos podem sobejar, de
um lado ou de outro; mas não é propriamente esse detalhe que nos importa, vis-à-vis o problema que estamos vivendo sobre a falta de um Cristo Salvador e Pregador.
Aqui
defendemos que o conceito de democracia está diretamente ligado ao menor grau
possível de intermediação nas decisões da fonte e respectivo resultado final.
Idealmente,
nenhum Estado será sempre melhor que algum.
Mais do que
Diretas Já, defendemos um Endireitas Já, nem que pra isso, já nos alertou
Carvalhosa, tenhamos que nos reunir novamente para concluir que com essa
(des)ordem constitucional, vamos reproduzir sempre mais do mesmo e em
qualidades cada vez mais decadentes.
Por favor,
vamos desintermediar.