Desta vez o ataque foi sério, pois partiu de um homem de respeito: Pondé.
Pondé é um tipo de intelectual em extinção no mundo de hoje - respeita lados sem deixar o seu próprio de lado.
Ao criticar os intelectuais e perguntar, "seriam os intelectuais idiotas?" Pondé pondera que a marca do intelectual é a sua falta de procedimento. Fato: ele tem total razão.
Dizem platitudes e esperam que os outros resolvam o micromanagement para implementar suas "ideias brilhantes". Dias atrás deparei-me com um desses, que defendeu que o verdadeiro caminho para resolver o problema da corrupção das empreiteiras seria.... estatizá-las: qual seja, retirar o controle das famílias e dos agentes privados para transferir para o estado. Pois bem: Rainha Bernardes, sempre muito elegante, estava na mesa e perguntou ao intelectual - "mas professor, não seria uma injustiça (não exatamente com o controlador corrupto) transferir a conta da corrupção de volta para o Estado e depois, via impostos, ter que cobrir os rombos deixados pelos agentes criminosos?". Qual foi a resposta? Algo assim: "bem, dai pra frente é problema de vocês, advogados, pragmáticos, operadores... enfim...".
Fechados os parênteses de experiência recente com intelectual e que me tranquiliza nesta cadeira macia dos "não intelectuais" que só pensam em coisas práticas e procedimentos (o como fazer), comprovamos por outras vias que Pondé tem razão.
Mas ao falar de democracia direta Pondé cai na esparrela turca, nestes termos:
Outro exemplo? "O povo deveria decidir diretamente tudo na democracia." Brilhante! O povo já provou que escolhe qualquer coisa a qualquer momento. Agora, na Turquia, acabou de dar poder a um islamita autoritário que quer ser sultão.Eis o problema. Pondé não voltou às mesmas premissas de procedimento, pois procedimento há: caminho para se chegar na democracia direta há. O argumento turco de Pondé, dissemos aqui, é falso.
É falso pois Pondé não consegue articular um universo que caminhe para uma sociedade completamente capitalista e desprovida de Estado. Sim, com o fim total e absoluto do Estado - isso o próprio autor ao criticar o progressismo intervencionista e olhar de lado para o liberalismo, parte de um pressuposto.... estatal.
O caso turco não serve para espancar a democracia direta pois os eleitores abriram mão de um grupo de representantes para concentrá-lo em apenas um. Democracia direta não é isso. Isso é... democracia indireta, calcidis.... Pois dá a um representante poderes que não podem ser transferidos a uma única pessoa. Pior - ao entrega-lo a Erdogan sem possibilidade de recall direto e sem um sistema de acompanhamento permanente da execução, isso se chama ditadura, Pondé!
Democracia direta é outra coisa.
Mais: ao afirmar que "O povo escolhe de acordo com a melhor propaganda ou a melhor retórica que atenda aos seus 'pequenos' interesses cotidianos", temos que admitir a existência de uma propaganda oficial, de uma retórica centralizada, em sistema estatal ou partidário. Em uma discussão aberta, com códigos abertos com quóruns altos de transferência de poder e diversos agrupamentos (partidários, sociais ou societários) envolvidos na discussão para que cada voto seja devidamente capturado e, mais importante, mantido no tempo e confirmado, a tal "propaganda" a que Pondé se refere e que olha para o marketing político atual termina por não fazer o menor sentido.
É necessária experiência histórica, disse Pondé. Verdade.
A experiência histórica da democracia direta está dentro das empresas e das sociedades, no direito societário (infelizmente não no brasileiro - neste caso temos que olhar para o direito societário americano) onde as consequências da decisão de cada acionista ou grupo de acionistas são sentidas diretamente pelos próprios acionistas. Aos administradores cabe decidir questões sobre o uso do bem comum e se mentirem, vão presos. Nesse sistema a democracia vai muito bem, obrigado. E tem evoluído com altas discussões sobre voto a distância e uso da tecnologia para auxiliar o executivo em suas decisões, obrigando-o a níveis bem mais elevados de mescla entre transparência e discrição.
Transpor essa experiência para a gestão do Estado não seria uma novidade, nem uma aberração nem um intelectualismo idiota: nos parece uma necessidade.
Essa necessidade muda o marketing, a propaganda, a relação entre esse mandatário de um Estado provisório e seus eleitores, o modo como ele acessa e exerce o poder - muda, portanto, a forma com que se conhecem os institutos que serviram de premissa para Pondé espancar a democracia direta e manter os olhos para uma suposta dependência que temos por pressupormos que todos nós haveremos de perpetuar a ergofobia que, na verdade, o Estado nos causa...
Em breve voltaremos com mais procedimentos e prometemos falar sobre o voto na democracia direta, um voto da modernidade líquida, um voto líquido, que mata de uma vez só essa bobagem de eleições a cada 4 (ou 2) anos articulada com pesquisas eleitorais sem prazo, sem critério, sem comprovação, com amostragem duvidosa e que tenda a induzir votos ao invés de ser induzidas pelos potencial desses votos.
Stay tunned for more rock n' roll and direct democracy.