Caderno de Política
por Cícero Esdras Neemias
As eliminatórias para 2018 já passaram de sua metade. Mas há outra metade ainda para ser jogada a partir de outubro.
Não leitor, leitora: não me refiro ao ludopédio, mas sim ao ludo-eleitoral. Em outubro termina o prazo para mudar de domicílio eleitoral e o calendário para as eleições 2018 abre-se oficialmente. Coincidentemente quando terminam as eliminatórias do ludopédio (estas, que se lasquem).
De outubro de 2017 a outubro de 2018 teremos o jogo jogado das eleições: em abril a janela partidária se fecha, em julho os candidatos são definidos, em agosto registrados e, ato contínuo, começa o show na TV.
Mas é importante notar que as eliminatórias já começaram.
Aécio Neves já ficou pelo caminho.
Outros tendem a seguir Neves.
Mas o assunto do momento, a saber, o resultado de um Datafolha (órgão de pesquisa tão sério quanto um Santa Klaus chinês), mostra Lula, Bolsonaro, Marina e Dória entre os presidenciáveis. Apesar da não seriedade do instituto, há detalhes que precisam ser melhor entendidos.
Lula há de ser pego no antidoping antes e será tirado da disputa - isso é mais cristalino que Versalhes inteira.
Alckmin item - não resistirá ao primeiro antidoping da Lavajato e sobrará apenas os não citados ou não envolvidos: Marina (até onde se sabe), Ciro, JB, Dória, Bolsonaro (Caiado é apenas uma homeopatia da pesquisa para diluir o efeito Bolsonaro em mais nomes, assim como Luciana Genro e Eduardo Jorge à esquerda). Até aqui, nada diferente do que já afirmou R. Constantino em outro foro, no que assentimos.
A esquerda, portanto, precisará de Ciro, a quem Lula há de transferir os seus 30% de neomalufismo. Os demais não tem estômago nem boca para engolir esse "Petecontalismo" (para quem não entendeu, é um trocadilho sem-gracinha de PT com "pentecostal").
Tudo indica que podemos ter uma polarização Bolsonaro-Ciro, com direito a rounds de dar inveja a qualquer atleta do UFC durante os debates no horário nobre. As chances de termos esses dois candidatos literalmente "saindo na mão" são de elevada consideração.
Voltemos à análise dos números, portanto. Notem que todos os "analistas" estão centrados na "intenção de votos". Deixam de lado um dado notável: Lula tem grau de rejeição de 45% (mais do que Aécio, um eliminado com 44%; o que apenas reforça a tese de que Lula não deverá estar nessa disputa em 2018), enquanto que os demais têm algo entre 20%-25%.
Há uma sobreposição das rejeições na casa aproximadamente de uns 15%, observando os nulos e brancos em alguns cenários: qual seja, há uma grande massa que não vota em Lula de jeito nenhum, há também uma grande massa que não volta em Bolsonaro de jeito nenhum. Dessa massa lulista há quem faça voto útil para impedir Bolsonaro (apesar do número de rejeição ao seu nome e o número de nulos num cenário com Bolsonaro e sem Lula ser o mesmo) assim como há quem, sem Bolsonaro, migra para os nulos.
Contudo há uma massa persistente de nulos na casa dos 10%-15%: qual seja, um número elevadíssimo de gente decidida a não votar em ninguém, simplesmente porque representam um "establishment". Estar em Brasília hoje é uma desvantagem. Por isso, essa rejeição tende a crescer com o avanço das discussões. Por que? Simples - porque nunca tivemos um grau tão baixo de indecisos (em torno de 5%) em momento tão antecipado das eleições e o "Partido NULO" tende a ganhar "eleitores" com o avanço das discussões se as posturas de Bolsonaro oscilarem, como tem ocorrido em seus votos dúbios nas reformas trabalhista e previdenciária, bem como no baixo empenho quando da PEC do Teto.
É fato que as "economicagens" não falam sozinha, mas são sim elemento importante e não apenas a ética, mas também como o candidato vai conduzir a máquina para gerar riquezas será tema fundamental. Aqui há uma soma em que o interesse pela política não anula o outro, pela economia e vice-versa.
E nesse sentido, na intersecção desses dois temas é que vemos pela primeira vez na nossa história um fenômeno típico de democracias modernas (tem ocorrido com cada vez mais frequência nos EUA e chegou a decidir a última eleição levando Trump para Casa Branca): não haverá briga por indecisos e sim briga por rejeições.
Isso é efeito direto do modelo de campanha bolado pelo genial João "Feira" Santana e sua sócia, Moniquinha "Dona Xepa" Moura. Criaram uma campanha de divisão, enterraram o "Lulinha Paz & Amor" do verdadeiro "Galo de Briga" e ex-marqueteiro de Lula e Maluf (Duda Mendonça) e jogaram na arena eleitoral a "Anta de Briga" Dilma, reforçada pelos notáveis conselhos de Marilena Chauí e pronto: a campanha do nós contra eles, a campanha do ódio, gerou no país o quase desparecimento dos famosos indecisos.
Hoje todos estão decididos e escolhem com base na rejeição (alguns até com base no ódio puro e rústico).
Mas esta rejeição se sofisticou e ficou smart; sem que parte dos analistas, ao que parece, ter ainda completamente entendido.
Explico: apesar da esquerda e seu público fiel ter seus "corruptozinhos de estimação" (desde Vargas e Adhemar é assim) e a direita, sem os seus (como Neves e o velho Malufão) passa a depender cada vez mais de Bolsonaro (este, dentre todos, o único que consegue se afastar do rótulo de corrupto mas ainda gera dúvidas na parte verdadeiramente política, ante os dúbios votos em reformas), nem um lado nem outro conseguem capturar completamente as rejeições que em tese os beneficiariam (qual seja, as rejeições aos adversários nem sempre viram votos para si e têm se tornado parcela significativa e crescente de nulos).
Em outras palavras (ou em números), os 45% de "Lula nem a pau" não são automaticamente absorvidos por Bolsonaro e os 25% de "Bolsonaro jamais" não são absorvidos ou aproveitados por Lula (e muito menos pelos seus genéricos: Ciro, Marina, JB e etc).
À esquerda restará o discurso balofo da homofobia, xenofobia, islamofobia e outras invencionices que não capturam o novo padrão de exigência do eleitor: ficha limpa. Bolsonaro vem crescendo mas talvez encontre um teto à direta quando surgirem claramente quais são as suas opiniões sobre reforma da previdência, papel do Estado na economia, privatizações, fim de inúmeras estatais e agências, federalismo, partidarismo, estado laico e etc.
Em primeiro lugar é preciso que se conscientizem que há de ser uma disputa entre fichas-limpas e, num segundo estágio, de plano de ação. No primeiro ponto os únicos que levam vantagem passam a ser Bolsonaro (o mais distante de todos do "establishment") e Dória (este mais próximo por conta da placa que escolheu concorrer). Os demais já foram Ministros de Lula ou Dilma ou já foram citados, filmados ou flagrados em situações que se não sujam a ficha, ao menos uma borra de café deixam.
Quanto ao plano de ação, é ai que entrará a absorção ou não dessa rejeição. Essa rejeição fixa tende a superar a das últimas eleições: em 2014, se contados os que "justificaram o voto", tivemos algo em torno de 25%, pouco mais de 37,2 milhões de eleitores que não compareceram ou votaram nulo ou em branco; a diferença entre Dilma e Aécio foi de pouco mais de 2%, algo em torno de pouco menos do que 3,5 milhões a favor de Dilma, portanto, de menos de 10% do universo de eleitores que literalmente rejeitaram a disputa.
Já falamos aqui que essa história de voto obrigatório no Brasil é uma tolice. Há anos que ele já é facultativo. Mas essa facultatividade, antes uma mera preguiça, hoje vai expressa em frontal rejeição e tem crescido ano a ano. Ganha, nestas eleições de 2018 que começaram hoje, uma característica qualitativa: passa a ser uma rejeição sistêmica e cada vez menos pessoal.
O eleitor sem partido, o eleitor livre, o eleitor que participa e escolhe, que se manifesta nas redes sociais livremente, está sem opções, sem candidatos independentes e isso está criando uma rejeição sistêmica que ano a ano não é capturada em votos a favor do sistema.
Comentários inteligentes como o de R. Constantino, que pede para se levar em conta outros elementos no futuro desse jogo, como o Partido NOVO, além de outros partícipes que possam compor com discursos fortes como o de J. Dória, são dados que podem reverter essa rejeição sistêmica.
O que o político lá de Brasília ou da carceragem de Curitiba (que são fungíveis entre si, diga-se de passagem) estão custando a aprender é que o sistema que operavam acabou e essa rejeição sistêmica (que se reverte em pessoal em segundo estágio ou começa pessoal em estágio anterior, mas não vira efetivamente "voto" sendo deliberada estratégia eleitoral) irá ser o fiel da balança daqui pra frente.
Aos políticos faria um enorme bem se as redes sociais criassem um "thumbs down" no lugar do "like": essa sim será a verdadeira ferramenta com que terão que lidar em 2018, quando um novo sistema entrará - pelo voto, ou pelo veto. Notarão que os "thumbs down" têm características intersectivas tornando a rejeição de pessoal para sistêmica, qualificada.
Se assim continuar, fico feliz - a democracia só não vai funcionar para quem não a entende (e neste caso, dá pra dizer que há muitos com mandato popular nessa situação).
Jornalismo Instigativo Clássico Pós-Moderno...................................... LIVRE COMO UM TÁXI, OCUPADO COMO UM UBER @DiarioBolaPreta
segunda-feira, 26 de junho de 2017
Reencontrando a história
Vera Cruz Times
por José da Silva
A US Supreme Courts marcou o julgamento sobre a discussão envolvendo o Decreto de "Travel Ban" a cidadãos de 7 nações. O julgamento deverá ocorrer em Outubro.
Neste momento C. Thomas, S. Alito Jr. e Gorsuch anteciparam discordâncias parciais, mas a sessão argumentativa ocorrerá até o fim de Outubro, quando os 9 posicionamentos ficarão claros e públicos.
Há séria tendência de que a @SCOTUS ajuste o decreto e os poderes presidenciais, fazendo algo bastante óbvio - retire da ordem a característica "estatal" do decreto, qual seja: independentemente do "estado" de origem, o que importa é a condição do postulante. A análise passa a ser subjetiva e não mais objetivamente relacionada a um "estado".
Em uma série de artigos temos nos posicionado sobre o tema aqui, aqui e aqui. Avançamos no tema, inclusive, quando apontamos o que nos parece ser a solução, cujo problema é antigo e arraigado em questões que se arrastam desde o final do Século XIX.
Agora chegou o momento de nos encontrarmos com a história e ver como a Suprema Corte irá debater a questão. Do que conhecemos a respeito da forma como se gosta de trabalhar por lá, esta será uma oportunidade de nos encontrarmos com esses elos perdidos.
Não saberia dizer se a @SCOTUS ousará falar sobre questões de adaptações culturais e quais culturas são inadaptáveis pois, simplesmente inconstitucionais em seus princípios. Seria interessante ouvir isso também. @POTUS mirou na mosca e acertou o vespeiro: a useful idiot.
Só me questiono as vezes a razão pela qual parte das pessoas ainda não entende porque os EUA (felizmente) conduzem com precisão um parâmetro de vida que em muitos outros lugares ainda se resiste seguir.
Talvez porque a resistência tenha algo relacionado a um incômodo: é aquele desconforto de saber que todos são livres e não apenas o seu grupo de amiguinhos...
por José da Silva
A US Supreme Courts marcou o julgamento sobre a discussão envolvendo o Decreto de "Travel Ban" a cidadãos de 7 nações. O julgamento deverá ocorrer em Outubro.
Neste momento C. Thomas, S. Alito Jr. e Gorsuch anteciparam discordâncias parciais, mas a sessão argumentativa ocorrerá até o fim de Outubro, quando os 9 posicionamentos ficarão claros e públicos.
Há séria tendência de que a @SCOTUS ajuste o decreto e os poderes presidenciais, fazendo algo bastante óbvio - retire da ordem a característica "estatal" do decreto, qual seja: independentemente do "estado" de origem, o que importa é a condição do postulante. A análise passa a ser subjetiva e não mais objetivamente relacionada a um "estado".
Em uma série de artigos temos nos posicionado sobre o tema aqui, aqui e aqui. Avançamos no tema, inclusive, quando apontamos o que nos parece ser a solução, cujo problema é antigo e arraigado em questões que se arrastam desde o final do Século XIX.
Agora chegou o momento de nos encontrarmos com a história e ver como a Suprema Corte irá debater a questão. Do que conhecemos a respeito da forma como se gosta de trabalhar por lá, esta será uma oportunidade de nos encontrarmos com esses elos perdidos.
Não saberia dizer se a @SCOTUS ousará falar sobre questões de adaptações culturais e quais culturas são inadaptáveis pois, simplesmente inconstitucionais em seus princípios. Seria interessante ouvir isso também. @POTUS mirou na mosca e acertou o vespeiro: a useful idiot.
Só me questiono as vezes a razão pela qual parte das pessoas ainda não entende porque os EUA (felizmente) conduzem com precisão um parâmetro de vida que em muitos outros lugares ainda se resiste seguir.
Talvez porque a resistência tenha algo relacionado a um incômodo: é aquele desconforto de saber que todos são livres e não apenas o seu grupo de amiguinhos...
quarta-feira, 21 de junho de 2017
Editorial
Por Dom Fernandes III
Daí já acham que a colaboração prevista no art. 4º da Lei 12.850/13, quando citar algum energúmeno que tenha assento nos lugares descritos pelo 102, I, b da Constituição faz com que a homologação do ato, em si, vá para as mãos originariamente do STF. Estende-se a prerrogativa de foro por função ao delator, mesmo que ele venha arrolar deputado do baixo clero dizendo idiotices de comprovação lateral.
Min. E. Fachin, nesse caso, age em substituição dos juízes Moro, Bretas ou V. S. Oliveira e em jurisdição ad hoc: qual seja, nesses casos o STF age como tribunal de exceção permitido por lei (justamente porque a “exceção” que justifica a atuação é dada pela constituição e a priori).
Salta aos olhos porém o caminhão de adubo que vem sendo despejado na imprensa oficial, oficiosa e nas redes sociais.
Nossos
leitores sabem que a nossa linha editorial é cautelosa e jamais falamos de
temas no calor das conversas.
Hoje,
entretanto, abriremos uma exceção.
Impossível
não posicionar o hebdo acerca do que deve ocorrer nesta tarde no Supremo Tribunal
Federal, com chances concretas de revisão do acordo de colaboração premiada
assinada pelo Ministério Público Federal com um escroque nacional.
Já dissemos
alhures, não só aqui mas também em colaboração com outros veículos menores
(Estadão, Globo e outros principiantes) de que a hipótese de o trabalho do MPF
estar sendo feito de forma isolada e sem uma atuação conjunta com autoridades
nos EUA nos parece improvável. Item quanto a magnanimidade dos EUA para receber
um escroque nacional brasileiro sem que ele tenha por lá celebrado algum tipo
de acordo ou plea bargaining, uma vez
que todos os M&As que ele celebrou nos EUA foram feitos com dinheiro sujo.
Dito isso,
vamos às circunstâncias.
O Ministro
E. Fachin homologou um acordo de colaboração premiada. O fez por conta de foro
por prerrogativa de função de pessoas relatadas nas falas manhosas do
ex-açougeiro-Mor. É um mecanismo tão bizarro quanto imbecil e não especificamente da nossa
legislação (que é imbecil por si só), mas da forma como a entendem (aqui, imbecil ao quadrado em PG). Vem daquele maroto artigo 102 da
constituição, que diz que ao STF cabe processar e julgar originariamente, “nas
infrações penais comuns, o Presidente da República (...) [e] os membros do
Congresso Nacional” (inciso I alínea “b”).
Daí já acham que a colaboração prevista no art. 4º da Lei 12.850/13, quando citar algum energúmeno que tenha assento nos lugares descritos pelo 102, I, b da Constituição faz com que a homologação do ato, em si, vá para as mãos originariamente do STF. Estende-se a prerrogativa de foro por função ao delator, mesmo que ele venha arrolar deputado do baixo clero dizendo idiotices de comprovação lateral.
Esse erro
foi cometido pelo STF, pelo Min. Barbosa e repetido pelo finado e saudoso Min. T.A.Zavascki e acompanhado
pelo plenário, expandido algo que havia sido feito antes no Mensalão sem muita reflexão (lá tinha-se réu em concurso de agentes, nas colaborações nem sempre isso ocorre, razão pela qual o Min. T. A. Zavascki chegou a voltar atrás e desdobrar alguns processos descendo-os para o Paraná).
Se um dedo-duro relata o crime de doutor com foro por prerrogativa de função, o dedo-duro ganha esse foro "privilegiado" de brinde. Ele em si, dedo-duro, deveria ser julgado lá no Paraná ou em Brasília, mas porque é amigo do Rei, vai parar no Tribunal das Relações. Era assim no tempo de rei e a interpretação não mudou, ainda que se mude a lei. Coisas de nosso Brazyuw.
Isso faz
com que a tarefa constitucional do STF inventada a partir de 1988, seja poluída com uma atividade
jurisdicional inquisitiva e acusatória típica de funções e tarefas que cabem a
um juiz de primeira instância. Em suma, o STF pós-1988 nunca deixou de ser aquele Tribunal da Relação que atendia aos reclamos do Rei.
Voltando: o STF não
atua nesses casos como o STF que vincula tribunais inferiores - impossível nesse
tipo de situação que o STF faça um controle clássico de constitucionalidade ou
baixe normas vinculantes (sumuladas ou não). Atua como uma corte qualquer e as
constitucionalidades ou inconstitucionalidades que declarar serão incidentais e
ad hoc, exatamente como ocorre no
controle difuso de cortes inferiores ou de um juizado de causas de chinelo.
Sei que vão
dizer que estamos loucos e que “se o STF falou, tá falado”, mas no reme-reme do
dia-a-dia da Justiça, a forma como o STF diz e o contexto específico em que lhe
é dado falar faz enorme diferença. Isso é resultado de um falar muito do STF. Como o STF fala muito, não dá saber tudo o que ele fala então os juízes de 1a instância se orientam apenas com as falas que interessam e, neste caso, asseguro, não vai interessar para julgar o dia-a-dia, seja ele do Acre, da Bahia, de São Paulo ou... do Paraná!
Dizer algo no Mensalão foi histórico, mas
como temos visto, não fez jurisprudência relevante - só prestou mesmo para dar essa esticada marota no "foro privilegiado" dos alcaguetes.
O mesmo poderá se dizer hoje e amanhã dos processos dessa Lavajato.
Min. E. Fachin, nesse caso, age em substituição dos juízes Moro, Bretas ou V. S. Oliveira e em jurisdição ad hoc: qual seja, nesses casos o STF age como tribunal de exceção permitido por lei (justamente porque a “exceção” que justifica a atuação é dada pela constituição e a priori).
Salta aos olhos porém o caminhão de adubo que vem sendo despejado na imprensa oficial, oficiosa e nas redes sociais.
Há em
relação ao jogo desta tarde a dicotomia: (1) a anulação da homologação vai
acabar com a Lavajato (por isso “soy contra”) versus (2) a anulação da homologação vai botar o colaborador na
cadeia (por isso “soy a favor”).
Há ainda
quem diga que se o plenário rever a decisão do relator que homologou o acordo,
estaria havendo um “gópi da toga” na Lavajato.
Tudo tão verdadeiro quanto uma nota de 3 rúpias.
Começando
por este último esterco ("gópi da toga"), lembramos apenas que a homologação é uma decisão monocrática e que qualquer decisão
monocrática em cortes superiores podem ser revistas, sim, pelo plenário.
Tecnicamente,
então, o que seria uma homologação? Não seria ela uma chancela imutável de atos
praticados pelas partes e que o juiz apenas consagra vivo, como se fosse uma “certidão
de nascimento”?
Eis então o
cerne da natureza desse ato: homologar, do grego, é deixar no mesmo lugar (homo, de mesmo ou igual e logos, de lugar). O juiz, ao homologar,
diz: ok, fique como está, por mim tudo bem. É um ato que os especialistas em
juridiquês dizem ter efeito meramente declaratório.
O juiz declara algo que já é.
Para
declarar algo e homologar, dar esse “ok”,
o juiz precisa olhar a lei e bater um certo checklist
para ver se os requisitos formais
daquele ato foram cumpridos. Ele se pergunta – foram cumpridos? Se a resposta
for “sim”, adivinhe...: ele homologa. Se a resposta for “não”... ele não
homologa e manda cumprir as exigências que faltam.
Homologação
é algo comum naquilo que os mesmos especialistas chamam de jurisdição voluntária, qual seja, o juiz só está lá interferindo
num ato entre partes porque a lei manda
ele estar lá: na verdade, nem precisaria dele. Em acordos para encerrar lides,
quando o autor de uma cobrança “dá um desconto” para o réu e aceita receber a
vista com 20% de desconto em relação ao que está sendo cobrado, é exatamente
isso que o juiz faz: “estando bom para ambas as partes e cumpridos os
requisitos legais, homologo o acordo”.
Mesmo em coisas mais complicadas uma homo+logos é revista: tem juiz que anula casamento, certidão de nascimento, homologa divórcio. Mas veja - anular uma certidão de nascimento não põe no lugar um atestado de óbito de quem nasceu e declarou coisa falsa na certidão. Conseguem entender o que dizemos pensando no escroque da carne?
A coisa
complica quando essa técnica migra da justiça civel para a penal.
Acordo na
justiça criminal é coisa nova no Brasil. Começou há alguns anos (em 1995 se não
me engano) com pequenas causas e chegou nas grandes em 2013. Não sabemos como
tratar isso sob o ponto de vista processual penal.
Mas uma coisa
é fato: no âmbito material, o que sai da boca do homem não volta mais...
Veja-se que
não há na lei qualquer obstáculo para que uma instância superior reveja uma
decisão baixada por juízo inferior, ainda que essa decisão seja de mera homologação.
Especificamente
em relação à homologação do art. 4º, §§7º e seguintes da Lei 12.850/13, temos ainda o
agravante que acompanha essa lei bem como a lei do acordo de leniência (este,
exclusivo para as empresas, segundo a Lei 12.846/13): a parte processual é nula
e, no caso desta última, a pouca matéria processual é de qualidade imunda.
Sem
parâmetros processuais consistentes de como funciona uma homologação de
colaboração premiada e como os efeitos dessa homologação são gerados e eventualmente
nulificados, ficamos todos, literalmente, na mão de 11 pessoas difíceis de se
confiar.
Irão se
valer de analogias e invencionices, sendo os dois Decanos campeões em inventar
besteiras e tapa-buracos que mais parecem gambiarras
jurídicas do que efetivamente interpretações sérias.
É o que
ocorrerá hoje. Mas a grande questão é, quais os efeitos de uma ou outra
decisão?
Se já
partimos do pressuposto que uma homologação pode ser revista, o plenário poderá
mantê-la ou revogá-la.
Se a
mantiver, nada muda.
E se mudar,
data maxima venia, nada muda também.
Por quê?
Simples –
em primeiro lugar desconhecemos o inteiro teor do que ainda há de ser dito (o
colaborador nem sequer começou a gravar seus depoimentos no âmbito judicial),
em segundo, ainda que soubéssemos, as declarações públicas já são suficientes
para que investigações sigam, em terceiro, a não homologação ou o seu
cancelamento não invalida o ato, mas
o submete a novas exigências complementares. Se invalidar, volta tudo à estaca zero (invalidar não é rever o mérito homologativo): o colaborador precisará atender ao que estiver contido na sentença que reviu o "mérito homologativo" (que não se confunde com o "mérito da homologação") e contar novamente com nova benevolência do MPF para reciclar afagos.
Principal
argumento – a própria homologação franqueada pelo Min. E. Fachin tinha como
pressuposto a revisão plenária: na largada o Ministro homolgou, sujeitando essa
homolgação a validação e confirmação posterior pelo plenário.
É só ler um
pouquinho os atos processuais que o leitor notará que isso tinha data marcada
para acontecer, por iniciativa do próprio Min. E. Fachin. Não há complô do
plenário contra o relator – isso é fake
news, pós-verdade, name it: isso
não acontece na realidade de uma corte.
Bem, se não
terá efeito algum sobre o conteúdo (justamente porque isso é uma revisão de
forma do ato), as penas poderão ser canceladas? Qual seja, o plenário pode
entrar no mérito da homologação?
Tecnicamente não (ainda que a lei de forma bizarra permita ao juiz adequar a
proposta ao caso concreto, mas essa adequação não pode entrar no mérito da
acusação potencial). O plenário pode submeter a exigências eternas e nunca
homologar (algo comum no Brazyuw), mas jamais pode dizer qual a pena que há de ser aplicada. Isso
também não fragiliza em rigorosamente
nada o mecanismo, pois está na própria lei que o juiz pode não homologar. Pode acontecer então que
o MP ou a PF negociem termos que não são homologados e isso é um risco do
colaborador, que pode adiantar informações que ainda que não venham a ser usadas
posteriormente no processo contra ele, podem sim migrar para outros processos
como prova emprestada. Repetimos: a parte processual é mal ajambrada nas Leis
12.850/13 e não há nada na lei que regule o que deve ser feito com o material
colhido em colaboração não homologada. Nada impede, portanto, que os atos
produzidos em colaboração malsucedida não vinguem como prova emprestada para
outros processos.
Deu pra
entender portanto a razão pela qual essa micareta verspertina no STF não tem o
menor significado para a Lavajato?
1) porque a
Lavajato se circunscreve a atos praticados no âmbito de sociedades de economia
mista (especificamente a Petrobras) e representam um esquema de lavagem de dinheiro
completamente diferente daquele descrito pelo colaborador da JBS;
2) porque
diferente o esquema, ainda não sabemos completamente do que se trata, quem está
envolvido e, principalmente, em quais jurisdições está ocorrendo plea bargaining;
3) a
Lavajato segue um rumo diferente e tem sua persecução penal específica – talvez
essa seja a razão pela qual delatores como Otávio Azevedo e Marcelo Odebrecth
não chiaram com os termos do acordo do ex-açougueiro-Mor;
4) outros
potenciais delatores poderão complementar
e ligar duas pontas (hoje soltas) entre cartel das empreiteiras e as “campeãs
nacionais” e neste pormenor, JBS se aproxima de esquemas investigados no âmbito
do Grupo X, de Instituições Financeiras (que ainda desconhecemos), da Sete Brasil, do BNDES, CEF, BB e
outras frentes que não se confundem com aquelas que tem Petrobras, Correios e
Eletrobras como vagão de carga da propina. Há ainda uma terceira frente
envolvendo fundos de pensão e, tudo isso ligado, tem-se um esquema do qual a
Lavajato é mero elo de uma corrente muito maior.
Não será na
tarde de hoje que a Lavajato vai acabar nem que as investigações vão naufragar
ou que a sangria vai ser estancada: essa hemorragia já botou o cadáver no
cemitério da política. Hoje a tarde irá se discutir o caso específico da língua mole do
ex-açougueiro e quem será julgado não será nem o Min. E. Fachin, nem o juiz
Moro, nem Lula, nem o MPF, nem a operação Lavajato: está claríssimo que será
julgado o colaborador e o seu papel no desenrolar das investigações.
Bem, então,
no caso de anulação total da homologação, o tal colaborador corre o risco de
ser recolhido ao cárcere?
Tecnicamente,
digamos que essa possibilidade também é próxima de zero: não há requisitos para
decreto de prisão cautelar – o suposto acusado está colaborando (e muito,
diga-se de passagem), não tem representado ameaça para o curso do processo, não
está achacando testemunhas nem fraudando investigações (até onde se sabe) e,
por isso, as chances de prisão imeditada seriam remotissíssimas.
É possível
que tenha benefícios cancelados e que venha a ser preso em virtude de
condenação? Isso já nos parece outros 500 e com possibilidades maiores de
ocorrer: o tal colaborador, por força de uma interpretação ao art. 4º §8º da Lei 12.850/13
poderá adequar os termos do acordo ao “caso concreto”, mas, cá entre nós – o que
sabemos do “caso concreto”? O que sabemos de eventuais desdobramentos em outras
jurisdições? O que pode ele estar negociando no âmbito de um plea bargaining centrado no FCPA? Não
sabemos; eu não sei, você leitor, leitora, não sabe.
Não se
perde tempo com o que não se sabe.
Em relação
ao que se sabe e, como quisemos demonstrar, essa tarde não muda em
absolutamente nada a tarde de amanhã e assim por diante.
terça-feira, 13 de junho de 2017
A desonestidade nossa de cada dia
por Dom Fernandes III
Desde que Vargas inventou o tal Estado Novo, a máquina estatal no Brasil só cresceu.
Hoje estamos como Mr. Creosote, no famoso Sentido da Vida seriamente estudado pela quasae-Universidade Monty Python: próximos de uma implosão por "con-gestão".
Esse crescimento levou para a sua estrutura uma horda de hunos, uma fileira imensa do bacharelismo, essa turma do apego bizantino aos livros, para sair de um trabalho perante o Poder e militar dentro, qual seja, no próprio Poder. O Poder no Brasil, a partir do Estado Novo, se bacharelou por completo, ficou bizantino e "desencatou-se com a realidade".
Isso foi obra de Vargas que Sérgio Buarque de Holanda não capturou, por questão de milésimos de décadas. Não julgaria coincidência que Holanda, ao usar Creonte em seus estudos, Monty Python tenha sugerido o mesmo com Creosote.
Mas desde Vargas, o bisavô do peleguismo praticado até hoje na periferia do Poder, coincidência ou não, tornamos a desonestidade uma regra.
Muitos confundem desonestidade com rapina, o simples roubo ou furto. Essa seria, digamos, a forma "romântica" de desonestidade. Teria ela evoluído para a corrupção, tendo na base a mentira aliada à rapina: na raiz, portanto, o falso, o engano ou, como disse Gianetti, o "autoengano" - eis a matriz da nossa desonestidade.
Mas há item a Lei de Gérson, evoluída agora para Lei de Gil (Gil II, Gilmar Mendes, que evoluiu o "vale tudo" de Gil, do Cruzeiro, a um grau impensável).
Sim: há mais na nossa desonestidade do que a mera caixinha para o zelador levar sua correspondência primeiro ao seu apartamento ou voltar a mangueira de esguicho d'água para o parabrisa do seu carro enquanto ele lava a garagem e aproveita a oportunidade para lhe fazer esse "favorzinho". Há mais do que a caixinha para o garçom de festa de casamento que lhe traz aquele "chorinho" de uísque que ao fim da festa se torna um "lamento escocês".
Há em nós uma complexidade na desonestidade que nos torna um case mundial em termos de não-honestidade. E neste ponto, lembremos: honestidade (me informou nosso consultor Pinto Cançado) vem de honor, que faz alusão a honra ou dignidade, algo que o espanhol Sêneca dizia estar em falta na Brasília de então, vulgo Roma.
Perdemos uma certa identidade cultural, pós-construída no Carnaval de Vargas que Narloch curiosamente mostrou, trocando-a por uma burocracia estatal de vantagens e privilégios.
Modernizamos os privilégios reais para vantagens institucionais com algumas facilidade burocráticas.
Vargas praticamente institucionalizou a desonestidade no Brasil; tornou-a regra quando antes era mera piada picaresca dos folhetins de Manuel Antônio de Almeida ou drama de Aluízo de Azevedo.
A desonestidade como meio de vida tornou-se algo sério, mas, desde então, mesmo podendo identifica-la (até em nós mesmos), temos dificuldade em defini-la, qual seja, em dizer onde começa a nossa "criatividade" e o nosso "improviso", em ponto a partir de onde possa ter terminado a nossa dignidade e a nossa honorabilidade, enfim, a nossa honestidade.
Não nos envergonhamos de improvisar e criar, ainda que em sacrifício da nossa dignidade e da nossa respeitabilidade.
Muitos dizem que preferem contratar funcionários "preguiçosos mas honestos", pois se o eficiente trabalha bem mas leva espelhos e moedinhas de Don'Ana, o preguiçoso não leva nada a não ser a minha paciência. Autoengano (enfim, desonestidade de quem contrata) para justificar a desonestidade geral: equivale a dizer, "prefiro ser enganado a prestações do que ser enganado a vista". Esse é o raciocínio "Casas Bahia" da desonestidade: o honesto-preguiçoso "rouba" indiretamente, sendo ineficiente e faltando ao trabalho de forma desnecessária, tomando para si um tempo que foi "vendido" ao patrão. O desonesto-eficiente apenas cumpre o tempo e entrega pelo valor contratado, mas faz um desconto a vista ao carregar as moedinhas de Don'Ana sorrateiramente. (leitor: favor não usar marxismos de toalha de banho para responder a esse argumento - o exemplo da venda de trabalho é proposital).
Isso nos volta os olhos para essa batalha diária de exercício constante da desonestidade em Vera Cruz: a mais grave e cafejeste de todas as práticas de engodo é aquela identificada no que modernamente passamos a chamar de desonestidade intelectual.
A desonestidade intelectual é uma espécie de falsa premissa, de discurso com segundas intenções, é uma falsidade ideológica na declaração de princípios, pois no fundo, no fundo, toda ação obedece a uma "agenda" e não a um compromisso com a dignidade.
Até mesmo a invocação do princípio da dignidade humana tem se tornado, paradoxalmente, indigna.
Exemplo pronto e acabado é o do Professor Evandro, universitário de alto rankeamento burocrático na escala departamental da universidade pública para quem presta serviços, cheio de láureas que, a beira de um colapso financeiro pessoal devido ao inadimplemento do Estado pagador, foi às ruas pedir emprego.
Em menos de 24 horas foi atendido com várias propostas e, todas do exterior, onde exatamente laureou-se com Mestrado, Doutorado, e Pós-Doutorado, viu-se em um checkmat: não pode criticar a globalização, não pode dizer que não troca o Brasil e o violento Rio de Janeiro por nada, não pode culpar o estrangeiro pelas mazelas do Brasil; enfim, teve que rejeitar as propostas com base no "amo o que faço".
A premissa era: estou passando fome, mas diante da proposta de emprego, a fome não era tão grande (se é que existia) e a coisa, na verdade, não era bem assim - disse que havia reservas pessoais para pagar as contas e seguir a vida no conforto do funcionalismo público. Confessou que usou o discurso para pressionar o governo, pois nunca desejou, no fundo, deixar o funcionalismo público.
Enfim, não pedia emprego; estava fazendo política, de fato.
Foi pego, de forma muito semelhante a quem tendo sítio em Atibaia, insiste em dizer que basta o registro de imóveis para provar que o sítio não é seu.
O conteúdo do discurso era falso, desde a premissa até as conclusões: não estava passando fome coisa nenhuma, não queria emprego, não estava precisando de dinheiro - a intenção era chamar atenção, ainda que para isso o discurso fosse falso (embora baseado em uma peroração verdadeira - os títulos e a qualificação, portanto, verdadeiras).
Hobsbaw teria escrito um volume, se fosse vivo, de Era da Pós-Verdade ou, convenhamos, a Era das Desonestidades, para descrever esse mundo de Trump a Kim Jong-un, passando pelo Brasil e pela Venezuela e terminando no Yemen ou no Cazaquistão de Borat.
Mas há exceções, felizmente.
O Diário Bola Preta defende a democracia direta.
Não se acuou quando perguntado sobre a legitimidade de eleições diretas, ainda que se digam que a defesa da democracia direta, neste caso, beneficiasse Lula e o status pos-varguista que este hebdo denuncia diariamente.
Lula e os seus já desistiram da democracia direta e das Diretas Já, pois no fundo, no fundo, as defenderam em frontal assunção de desonestidade intelectual. A premissa de que eleições diretas beneficiariam Lula ou PT se desfizeram junto com a falsa bandeira das Diretas Já ou a PEC das Diretas encampadas pelo próprio PT.
Lançamos a campanha das Endireitas Já e nada nos convenceu de que ela seja fora de propósito.
Seguimos firmes em nossos propósitos e opiniões e se nos oferecerem mais trabalho, estejam certos de que não faremos como o Professor Evandro, pois, sim, amamos o que fazemos, mas amamos tanto, que fazemos questão de fazê-lo sempre e para qualquer chefe honesto e digno que, item, ame o que fazemos, tanto quanto nós.
No day after do 12 de junho declaramos: para amar um trabalho é necessário que primeiro sejas intelectualmente honesto ao fazê-lo; senão não é trabalho, não é amor, não é digno, enfim, não é honesto.
Desde que Vargas inventou o tal Estado Novo, a máquina estatal no Brasil só cresceu.
Hoje estamos como Mr. Creosote, no famoso Sentido da Vida seriamente estudado pela quasae-Universidade Monty Python: próximos de uma implosão por "con-gestão".
Esse crescimento levou para a sua estrutura uma horda de hunos, uma fileira imensa do bacharelismo, essa turma do apego bizantino aos livros, para sair de um trabalho perante o Poder e militar dentro, qual seja, no próprio Poder. O Poder no Brasil, a partir do Estado Novo, se bacharelou por completo, ficou bizantino e "desencatou-se com a realidade".
Isso foi obra de Vargas que Sérgio Buarque de Holanda não capturou, por questão de milésimos de décadas. Não julgaria coincidência que Holanda, ao usar Creonte em seus estudos, Monty Python tenha sugerido o mesmo com Creosote.
Mas desde Vargas, o bisavô do peleguismo praticado até hoje na periferia do Poder, coincidência ou não, tornamos a desonestidade uma regra.
Muitos confundem desonestidade com rapina, o simples roubo ou furto. Essa seria, digamos, a forma "romântica" de desonestidade. Teria ela evoluído para a corrupção, tendo na base a mentira aliada à rapina: na raiz, portanto, o falso, o engano ou, como disse Gianetti, o "autoengano" - eis a matriz da nossa desonestidade.
Mas há item a Lei de Gérson, evoluída agora para Lei de Gil (Gil II, Gilmar Mendes, que evoluiu o "vale tudo" de Gil, do Cruzeiro, a um grau impensável).
Sim: há mais na nossa desonestidade do que a mera caixinha para o zelador levar sua correspondência primeiro ao seu apartamento ou voltar a mangueira de esguicho d'água para o parabrisa do seu carro enquanto ele lava a garagem e aproveita a oportunidade para lhe fazer esse "favorzinho". Há mais do que a caixinha para o garçom de festa de casamento que lhe traz aquele "chorinho" de uísque que ao fim da festa se torna um "lamento escocês".
Há em nós uma complexidade na desonestidade que nos torna um case mundial em termos de não-honestidade. E neste ponto, lembremos: honestidade (me informou nosso consultor Pinto Cançado) vem de honor, que faz alusão a honra ou dignidade, algo que o espanhol Sêneca dizia estar em falta na Brasília de então, vulgo Roma.
Perdemos uma certa identidade cultural, pós-construída no Carnaval de Vargas que Narloch curiosamente mostrou, trocando-a por uma burocracia estatal de vantagens e privilégios.
Modernizamos os privilégios reais para vantagens institucionais com algumas facilidade burocráticas.
Vargas praticamente institucionalizou a desonestidade no Brasil; tornou-a regra quando antes era mera piada picaresca dos folhetins de Manuel Antônio de Almeida ou drama de Aluízo de Azevedo.
A desonestidade como meio de vida tornou-se algo sério, mas, desde então, mesmo podendo identifica-la (até em nós mesmos), temos dificuldade em defini-la, qual seja, em dizer onde começa a nossa "criatividade" e o nosso "improviso", em ponto a partir de onde possa ter terminado a nossa dignidade e a nossa honorabilidade, enfim, a nossa honestidade.
Não nos envergonhamos de improvisar e criar, ainda que em sacrifício da nossa dignidade e da nossa respeitabilidade.
Muitos dizem que preferem contratar funcionários "preguiçosos mas honestos", pois se o eficiente trabalha bem mas leva espelhos e moedinhas de Don'Ana, o preguiçoso não leva nada a não ser a minha paciência. Autoengano (enfim, desonestidade de quem contrata) para justificar a desonestidade geral: equivale a dizer, "prefiro ser enganado a prestações do que ser enganado a vista". Esse é o raciocínio "Casas Bahia" da desonestidade: o honesto-preguiçoso "rouba" indiretamente, sendo ineficiente e faltando ao trabalho de forma desnecessária, tomando para si um tempo que foi "vendido" ao patrão. O desonesto-eficiente apenas cumpre o tempo e entrega pelo valor contratado, mas faz um desconto a vista ao carregar as moedinhas de Don'Ana sorrateiramente. (leitor: favor não usar marxismos de toalha de banho para responder a esse argumento - o exemplo da venda de trabalho é proposital).
Isso nos volta os olhos para essa batalha diária de exercício constante da desonestidade em Vera Cruz: a mais grave e cafejeste de todas as práticas de engodo é aquela identificada no que modernamente passamos a chamar de desonestidade intelectual.
A desonestidade intelectual é uma espécie de falsa premissa, de discurso com segundas intenções, é uma falsidade ideológica na declaração de princípios, pois no fundo, no fundo, toda ação obedece a uma "agenda" e não a um compromisso com a dignidade.
Até mesmo a invocação do princípio da dignidade humana tem se tornado, paradoxalmente, indigna.
Exemplo pronto e acabado é o do Professor Evandro, universitário de alto rankeamento burocrático na escala departamental da universidade pública para quem presta serviços, cheio de láureas que, a beira de um colapso financeiro pessoal devido ao inadimplemento do Estado pagador, foi às ruas pedir emprego.
Em menos de 24 horas foi atendido com várias propostas e, todas do exterior, onde exatamente laureou-se com Mestrado, Doutorado, e Pós-Doutorado, viu-se em um checkmat: não pode criticar a globalização, não pode dizer que não troca o Brasil e o violento Rio de Janeiro por nada, não pode culpar o estrangeiro pelas mazelas do Brasil; enfim, teve que rejeitar as propostas com base no "amo o que faço".
A premissa era: estou passando fome, mas diante da proposta de emprego, a fome não era tão grande (se é que existia) e a coisa, na verdade, não era bem assim - disse que havia reservas pessoais para pagar as contas e seguir a vida no conforto do funcionalismo público. Confessou que usou o discurso para pressionar o governo, pois nunca desejou, no fundo, deixar o funcionalismo público.
Enfim, não pedia emprego; estava fazendo política, de fato.
Foi pego, de forma muito semelhante a quem tendo sítio em Atibaia, insiste em dizer que basta o registro de imóveis para provar que o sítio não é seu.
O conteúdo do discurso era falso, desde a premissa até as conclusões: não estava passando fome coisa nenhuma, não queria emprego, não estava precisando de dinheiro - a intenção era chamar atenção, ainda que para isso o discurso fosse falso (embora baseado em uma peroração verdadeira - os títulos e a qualificação, portanto, verdadeiras).
Hobsbaw teria escrito um volume, se fosse vivo, de Era da Pós-Verdade ou, convenhamos, a Era das Desonestidades, para descrever esse mundo de Trump a Kim Jong-un, passando pelo Brasil e pela Venezuela e terminando no Yemen ou no Cazaquistão de Borat.
Mas há exceções, felizmente.
O Diário Bola Preta defende a democracia direta.
Não se acuou quando perguntado sobre a legitimidade de eleições diretas, ainda que se digam que a defesa da democracia direta, neste caso, beneficiasse Lula e o status pos-varguista que este hebdo denuncia diariamente.
Lula e os seus já desistiram da democracia direta e das Diretas Já, pois no fundo, no fundo, as defenderam em frontal assunção de desonestidade intelectual. A premissa de que eleições diretas beneficiariam Lula ou PT se desfizeram junto com a falsa bandeira das Diretas Já ou a PEC das Diretas encampadas pelo próprio PT.
Lançamos a campanha das Endireitas Já e nada nos convenceu de que ela seja fora de propósito.
Seguimos firmes em nossos propósitos e opiniões e se nos oferecerem mais trabalho, estejam certos de que não faremos como o Professor Evandro, pois, sim, amamos o que fazemos, mas amamos tanto, que fazemos questão de fazê-lo sempre e para qualquer chefe honesto e digno que, item, ame o que fazemos, tanto quanto nós.
No day after do 12 de junho declaramos: para amar um trabalho é necessário que primeiro sejas intelectualmente honesto ao fazê-lo; senão não é trabalho, não é amor, não é digno, enfim, não é honesto.
segunda-feira, 12 de junho de 2017
Demagocracia indireta
por Dom Fernandes III
Pondé, filósofo que adoramos e respeitamos, mais uma vez, aprontou das duas em relação ao ideal da democracia direta.
Apequenando-se nas pequeninices dos pequenos das redes sociais, sugere um lado (que ele trata como vocação) da democracia direta que rumaria ao populismo.
Para ele, a exacerbação da democracia leva ao populismo.
Este é um tema caro de nossa linha editorial e, ao ousar discordar, defendemos o contrário, caro Pondé.
Ao sustentar que a "democracia teria uma vocação irresistível ao populismo", ateia fogo assim:
Pondé desce a barra para tornar o argumento válido. Não chega a ser uma petição de princípio, mas o freio que se pisa diante de uma manada de touros descontrolados nas redes sociais sugere fazer todo o sentido para quem observa o ódio na ágora, temperado com absenteísmo, egoísmo, "agenda"...
Quando pego nessa consistency trap armada por Pondé, concordar passa a ser quase que obrigação. E assim ficamos diante de um non-start: para que buscar algo democrático se a democracia é motivada por uma demagocracia? Em suas palavras:
O argumento é de fato quase irresistível (afinal de contas, estamos lidando com Pondé!).
Desanca inclusive a ideia plebiscitária que não apenas sustenta nossa posição a respeito da opção técnica e constante pelas opções eletivas diretas, mas que, para ele, está na base de todo populismo:
Populismo é típico não das democracias, mas de regimes em que a presença do Estado (curador, patrocinador, aparador, paternal, salvador, acolhedor) fica subliminarmente exposta.
Essa demagocracia, como distorção da democracia em um Estado Paizão, concretamente populista, tem em razão direta com o Estado uma dívida de gratidão e lógica existencial: Stálin, Mao, Hitler, Vargas, Chávez, Kirschner, Lula, Correa, Perón, Fidel, Trump, FDR, todos populistas de primeira grandeza, alguns sob a forma de ditadura, outros sob a forma de demagocracia (mas nenhum sob a forma de democracia direta pra valer - nem mesmo FDR, ouso dizer), fez de seu ofício Salvador (por meio do culto às respectivas personalidades) o conduíte entre o povo e o Estado realizador e acolhedor (mas, ao mesmo tempo, um ser multitetas em que o povo só enxerga do pescoção pra cima).
O problema não está na essência da democracia (tanto daquela democracia aristotélica que Pondé zomba logo na primeira linha, quanto aquela democracia tocquevilliniana que ele zomba na linha seguinte ao Darth Vader). E, com todo respeito, o convite de Darth Vader nada tem a ver com o lado negativo de algumas demagocracias (pseudodemocracias transmudadas pelo populismo em veículos de adoração pessoal e controle geral), pois nelas não há lado positivo pois, de fato, não são democracias.
Populismo é o oposto de democracia, sobretudo se o termo é acolhido dentro do conceito agorista e anarcocapitalista que demanda participação direta e grau zero de intervenção estatal. Se Aristóteles coloca no oposto da democracia a tirania, podemos dizer que a demagocracia (qual seja, o populismo) é a forma mais perfeita e acabada de tirania, pois a personalidade cultuada faz do Estado a sua bicicleta para pedalar nessa estrada da Tirania, que nada sabe, vê ou conhece de democrático.
É da essência do Estado demagocrático que o cidadão não participe, mas não por vontade do cidadão, e sim por vontade ou mecanismo oculto da personalidade cultuada (seja na forma simples do fuzil de Mao, seja na forma complexa do Pixuleko de Lula e Dilma).
A democracia verdadeira não tem intermediários; não tem sequer Estado. O cidadão participa direto e se não quiser, não o faz por direito (e não precisa "justificar o voto" ou "pagar multa" para legitimar a personalidade cultuada). Se abusa da imbecilidade e do ódio, paga diretamente pelo destempero o que, pelo dilema do prisioneiro, sempre obriga o destemperado (que espera o freio do Estado a lhe dizer, "para, chega") a arrazoar para que não acabe em um conflito em que seu destempero levará dois lados a perda.
Na democracia não gostamos de jogar dentro do perde-perde, algo que na demagocracia é regra pois há um Estado para "redistribuir" perdas.
Populismo, Mestre, tem a ver com Estadão, inchado, interventor - nada tem a ver com democracia: é a sua caricatura, uma espécie de Gremlin que dela se desprende.
Sugeriria que o título, então, fosse: "Estado tem uma vocação irresistível ao populismo"...
Deixemos a democracia não de lado, mas acima de tudo isso.
Obrigado e boa semana!
Pondé, filósofo que adoramos e respeitamos, mais uma vez, aprontou das duas em relação ao ideal da democracia direta.
Apequenando-se nas pequeninices dos pequenos das redes sociais, sugere um lado (que ele trata como vocação) da democracia direta que rumaria ao populismo.
Para ele, a exacerbação da democracia leva ao populismo.
Este é um tema caro de nossa linha editorial e, ao ousar discordar, defendemos o contrário, caro Pondé.
Ao sustentar que a "democracia teria uma vocação irresistível ao populismo", ateia fogo assim:
Conhecer o "lado B" da democracia é essencial se quisermos proteger o seu "lado A". Ao contrário do que pensa a nossa vã filosofia do bem (produção inteligentinha), é o reconhecimento das sombras que garante alguma luz mínima sobre as coisas e nas coisas. Como diria o filósofo Darth Vader: só o olhar direto nos olhos do lado escuro da força nos faz compreendê-lo e saber como ele pode se tornar irresistível.Seu apelo hobbesiano impressiona e ao lançar mão de um "folclore da democracia" (folk theory of democracy), revela o "lado negro" do engajamento político: desinteresse, absenteísmo, egoísmo, "agenda" que geram o generalizado ódio visto nas redes sociais, a ágora moderna por excelência.
Pondé desce a barra para tornar o argumento válido. Não chega a ser uma petição de princípio, mas o freio que se pisa diante de uma manada de touros descontrolados nas redes sociais sugere fazer todo o sentido para quem observa o ódio na ágora, temperado com absenteísmo, egoísmo, "agenda"...
Quando pego nessa consistency trap armada por Pondé, concordar passa a ser quase que obrigação. E assim ficamos diante de um non-start: para que buscar algo democrático se a democracia é motivada por uma demagocracia? Em suas palavras:
E qual a razão da democracia ter vocação irresistível ao populismo? Fácil de responder. A busca de conhecimento não é algo evidente em nós. A vida é muito dura para nos darmos a esse luxo. O que buscamos, na maior parte das vezes, como diz o filósofo Woody Allen em seu maravilhoso "Crimes e Pecados" são racionalizações que justifiquem nossos desejos.O que quer que façamos por ela, democracia, jamais a impedirá de, no terceiro gole de uísque, se transformar em demagocracia. Carregar essa drag queen da política moderna é um fardo de todos nós, preguiçosos por excelência, movidos todos pelo desejo benthamiano que nos torna utilitários e defensores de "agendas" e não de ideias.
O argumento é de fato quase irresistível (afinal de contas, estamos lidando com Pondé!).
Desanca inclusive a ideia plebiscitária que não apenas sustenta nossa posição a respeito da opção técnica e constante pelas opções eletivas diretas, mas que, para ele, está na base de todo populismo:
A vocação primeira da democracia é o populismo. Só com muito esforço resistimos a ele porque a política é confusa, ambivalente, sombria, retórica, suja, enfim, humana, demasiadamente humana. Quem pede plebiscito o tempo todo é um populista disfarçado de ovelha.Contudo, Pondé apenas consegue fazer o argumento planar no ar por conta de um fator que nunca excluímos quando falamos nessa democracia transmudada em demagocracia: O Estado. Num universo sem intermediação, sem Legislativo, sem "representações", enfim, sem Estado, ficamos com a impressão de que o argumento não se sustentaria assim tão fácil.
Populismo é típico não das democracias, mas de regimes em que a presença do Estado (curador, patrocinador, aparador, paternal, salvador, acolhedor) fica subliminarmente exposta.
Essa demagocracia, como distorção da democracia em um Estado Paizão, concretamente populista, tem em razão direta com o Estado uma dívida de gratidão e lógica existencial: Stálin, Mao, Hitler, Vargas, Chávez, Kirschner, Lula, Correa, Perón, Fidel, Trump, FDR, todos populistas de primeira grandeza, alguns sob a forma de ditadura, outros sob a forma de demagocracia (mas nenhum sob a forma de democracia direta pra valer - nem mesmo FDR, ouso dizer), fez de seu ofício Salvador (por meio do culto às respectivas personalidades) o conduíte entre o povo e o Estado realizador e acolhedor (mas, ao mesmo tempo, um ser multitetas em que o povo só enxerga do pescoção pra cima).
O problema não está na essência da democracia (tanto daquela democracia aristotélica que Pondé zomba logo na primeira linha, quanto aquela democracia tocquevilliniana que ele zomba na linha seguinte ao Darth Vader). E, com todo respeito, o convite de Darth Vader nada tem a ver com o lado negativo de algumas demagocracias (pseudodemocracias transmudadas pelo populismo em veículos de adoração pessoal e controle geral), pois nelas não há lado positivo pois, de fato, não são democracias.
Populismo é o oposto de democracia, sobretudo se o termo é acolhido dentro do conceito agorista e anarcocapitalista que demanda participação direta e grau zero de intervenção estatal. Se Aristóteles coloca no oposto da democracia a tirania, podemos dizer que a demagocracia (qual seja, o populismo) é a forma mais perfeita e acabada de tirania, pois a personalidade cultuada faz do Estado a sua bicicleta para pedalar nessa estrada da Tirania, que nada sabe, vê ou conhece de democrático.
É da essência do Estado demagocrático que o cidadão não participe, mas não por vontade do cidadão, e sim por vontade ou mecanismo oculto da personalidade cultuada (seja na forma simples do fuzil de Mao, seja na forma complexa do Pixuleko de Lula e Dilma).
A democracia verdadeira não tem intermediários; não tem sequer Estado. O cidadão participa direto e se não quiser, não o faz por direito (e não precisa "justificar o voto" ou "pagar multa" para legitimar a personalidade cultuada). Se abusa da imbecilidade e do ódio, paga diretamente pelo destempero o que, pelo dilema do prisioneiro, sempre obriga o destemperado (que espera o freio do Estado a lhe dizer, "para, chega") a arrazoar para que não acabe em um conflito em que seu destempero levará dois lados a perda.
Na democracia não gostamos de jogar dentro do perde-perde, algo que na demagocracia é regra pois há um Estado para "redistribuir" perdas.
Populismo, Mestre, tem a ver com Estadão, inchado, interventor - nada tem a ver com democracia: é a sua caricatura, uma espécie de Gremlin que dela se desprende.
Sugeriria que o título, então, fosse: "Estado tem uma vocação irresistível ao populismo"...
Deixemos a democracia não de lado, mas acima de tudo isso.
Obrigado e boa semana!
terça-feira, 6 de junho de 2017
Pessoa no Roda Viva
Caderno de Economia
por Magnus Blackman
Acompanhamos ontem a entrevista do genial Samuel Pessoa no Roda Viva.
Em boa parte do programa a vontade era de aplaudir em pé.
Num determinado ponto, entretanto, houve uma manifestação que, com todo o respeito e manutenção da admiração, discordamos.
SP, ao tratar do embate capitalismo vs. socialismo do Século XX e costurar alguns erros do neossocialismo do Século XXI (sobretudo o neossocialismo kirschnerista e chavista, enfim, populista), chega a cair na esparrela de Piketty de dizer que o neoliberalismo (em certa confusão com "capitalismo") teria sido culpado por um aprofundamento das diferenças e das desigualdades econômicas.
No paralelo, SP admite que ao mesmo tempo esse "capitalismo"/"neoliberalismo", de mãos dadas com a evolução tecnológica, tirou a Ásia da sombra e a colocou na proa da geração de riquezas.
Fica perdido então o argumento, por ele assumido como premissa para conciliar com o "lado negativo" do capitalismo/neoliberalismo, de que realmente esse sistema anti-neossocialista de fato geraria desigualdade na sua essência pois poucos estão hoje com o poder determinar de antemão as regras do jogo (e muita vez os preços de entrada e de saída da mesa desse "carteado").
Isso é falso e esse erro SP não pode propagar, pois sua voz é fundamental, importante, lúcida e inspiradora.
O capitalismo foi o sistema dominante no Século XX e foi guiado por ideologias políticas socialistas (planificadas, com base no planejamento) versus ideologias políticas mais liberais. Mas fato é que no Século XX nunca houve modo de produção 100% comunista ou não-capitalista. A diferença está na maior ou menor presença do Estado na economia, o que torna o capitalismo de estado (planejado, planificado, com controle de preços e produção, controle de demanda, de oferta, tudo) um ato de intervenção total. Do outro lado, o modo de produção igualmente capitalista tinha por característica, até a 1a metade do século XX (portanto, até o fim da II Guerra), um grau baixo de intervenção que foi sendo alterado pela forma como FDR mudou o capitalismo nos EUA. Entretanto, característica importante do modelo de FDR foi a criação da SEC para manter os capitais (e, portanto, os mercados de capitais) sob controle público não estatal, enquanto o Estado exercia mera surveillance da atividade capitalista. Nas planificadas o controle passou totalmente do Estado para o Politburo, para o Partido, ou pior, para o grupo que dominava o Partido. Foi assim com Stálin, foi assim com Mao, os dois maiores exemplos de economia planificada e planejada (que Dilma tentou copiar e deu no que deu).
Com o fim da Guerra os EUA passam a organizar a economia sobretudo do Japão e adotando conceitos de planejamento, passam a intervir, igualmente e de forma pesada, exceto nos mercados financeiros e de capitais, que ficam sob vigilância mas não sob controle direto do Estado. A máquina montada por trás do Plano Marshall foi gigantesca. O Estado americano cresceu a níveis nunca dantes vistos para poder intervir de maneira plena na Alemanha e no Japão e reconstruí-los por um modelo de intervenção nunca dantes visto ou tentado. Deu certo por lá, mas o gigante não emagreceu e continuou enorme.
O resultado disso foi um crescimento também dos Estados ditos liberais. Não houve Estado, diante de um movimento de Guerra Fria e corrida armamentista, que ousasse ficar mínimo, enxuto e essencialmente liberal. O liberalismo desapareceu nesse período e deu lugar a um capitalismo de Estado cuja diferença mínima foi a baixa intervenção nos mercados de capitais - todo o resto passou para baixo do Big Brother.
O Século XX destrói o liberalismo smithiano, que tem alguma sobrevida em UTI (respirando com aparelhos) nos hospitais Reagan e Thatcher.
Mas no momento em que Reagan assume o Estado, não há diminuição de fato da máquina, mas sim uma menor surveillance - Reagan diminuiu a vigilância, mas a máquina continua essencialmente a mesma, do mesmo tamanho, inchada e não volta mais a ser a mesma máquina do início do Século XX. Esse erro do neoliberalismo custou caro para o mundo anos depois.
O mesmo se vê no Reino Unido e isso se agrava com a Comunidade Europeia, onde cada estado membro cresce absurdamente para fazer parte desse projeto de integração. Os Estados, ao invés de fazerem os movimentos contrários rumo ao desaparecimento, para surgimento de uma Europa Unificada, incham, crescem, se emasculam a ponto de obnubilar a própria atuação, ou mais, a própria ideia de Europa. Mantém seus reis, rainhas, cortes, aumentam ministérios para cuidar de "assuntos europeus", multiplicam os quadros em Ministérios do Trabalho, explodem os planos locais de previdência, criam um aparato de funcionalismo público nunca dantes visto. Para isso, passam a demandar uma arrecadação tributária nunca dantes vista, que fez até Gerard Depardieu sair da França para virar Russo...
Não foi a concentração dos capitais, as grandes fusões e aquisições e o movimento de verticalização de certos mercados que gerou as desigualdades regionais e econômicas - foi, um passo antes, o agigantamento inútil do Estado que puxou as empresas para que tivessem tamanho compatível com as necessidades arrecadatórias desses mesmos Estados.
Em uma coisa eu concordo com os keynesianos locais (antes do passeio na quermesse): o mundo do pós-Guerra se dividiu em praças e a China e Leste Asiático assumiram o papel de parque industrial do mundo. Os EUA se tornaram o parque financeiro do mundo; América Latina se tornou o pasto, o pomar, a granja e a horta global. Parte da AL (leia-se, Brasil) ainda passou a assumir o papel de sítio de minérios; quando o Oriente Médio assumiu a função de posto de gasolina do mundo; enquanto a Índia e parte da Eurásia ficou com a tarefa de ser o parque de serviços do mundo, especialmente a central mundial de telemarketing. Essa visão dos "progressistas locais" é uma grande sacada - e para por ai. Dessa sacada, entretanto, podemos ver como os Estados se agigantaram com mãos enlaçadas com as grandes empresas que o sustentam até hoje. Sabemos todos que sem essas grandes empresas os Estados acabam. Não há socialista no mundo que queira acabar com empresários corruptos, com Odebrechts, com Petros, com estruturas, pois, de fato, eles sustentam os Estados que sustentam sua máquina burocrática. Aprenderam a lição de que administrar uma empresa é um saco, é um pain in the ass e por isso, até Mao delegou essa função (mediante MUITA paga e retorno, grandes rebates) para alguns "empresários", "multinacionais", "campeões nacionais" (escolhidos a dedo).
Nem um lado nem outro olha para o Século XX sob o ponto de vista dos Estados, da explosão da dívida pública, do apodrecimento da poupança interna e, tudo isso, para beneficiar o gigantismo Estatal que nem os EUA foram capazes de escapar.
Falar do capitalismo nórdico hoje e do capitalismo do leste asiático como se esses modelos fossem a solução é querer olhar a pizza pela borda - mais hora, menos hora, a conta chega e, diga-se, chegará para eles também! É questão matemática - basta ver a explosão da dívida pública nesses lugares e a curva de retorno dos investimentos gerados pela poupança interna. E não adiante estatizar mais ou voltar aos tempos da lavoura arcaica que os iPhones não deixarão mais isso acontecer. É fato.
Essa bobagem de que 5 bancos dominam Wall Street se repete em todos os cantos do mundo: aqui no Brasil estamos em 4, no Japão são 3, na Inglaterra são 2 e meio e assim por diante. Ah, para não ficar nessas mesmices, lembremos que na nordicíssima Dinamarca são 3 bancos que dão as cartas... Ufa, faltou a China né? Lá são 4 também - todos do partidão...
Simplesmente todos os mercados do mundo apresentam essa característica e aquela infinidade de tabelinhas e números que apresenta Piketty são troças para boi dormir se não há, no paralelo, uma análise do crescimento da dívida pública para sustentar ações de Estado, que puxam as empresas escolhidas para sustentar esse mesmo Estado com tributos (que elas, seus clientes, consumidores, fornecedores e funcionários também pagam). E para isso, esse capitalismo planejado, esse New Industrial State (para lembrarmos Galbraith) precisa de empresas que acompanhem a necessidade do Estado, que puxa esse sistema para o seu benefício e, por consequência, do partido que está no poder, e, por consequência, do grupo partidário que conseguiu colocar o partido no poder e, por consequência, das pessoas desse grupo partidário que articularam esse esquema todo com os empresários que sustentam isso tudo (quando o empresário e o político não recaem sobre a mesma pessoa, como naquela Itália berluscômica). E isso não tem a ver com esquerda nem direita, não tem a ver com capitalismo nem com liberalismo nem com socialismo, nem com neoliberalismo nem com neossocialismo - tem a ver com o tamanho do Estado, este sim, o verdadeiro too big to fail de quem perdemos totalmente o controle e não sabemos mais como fazer esse obeso mórbido voltar ao peso ideal ou, ainda, desparecer.
Seu desaparecimento tende a ser do pior jeito - por morte traumática ou por explosão, exatamente da mesma forma como ocorreu com Mr. Creosote no Sentido da Vida de Monty Python.
Esta é uma agenda de nosso hebdo que estamos discutindo com leitores há anos.
Segue abaixo uma das respostas enviadas para um leitor que veio com a tese de Piketty e recebeu esta resposta:
Too big to fail é o Yemen, a Arábia Saudita, o Estado de Israel, o Estado Palestino, a Alemanha, a França, o Reino Unido, os EUA e... o Brasil!!!
Sim, o Brasil - com tantas coisas estúpidas que são feitas aqui, é absolutamente incompreensível como sobrevivemos diante de tantos bilhões de cretinices praticadas. Bem, eu só consigo explicar se assumir que o Brasil é que é o verdadeiro too big to fail e, por assim dizer, ao lado de seus cento e noventa e poucos amiguinhos na ONU, os verdadeiros culpados pela desigualdade mundial.
por Magnus Blackman
Acompanhamos ontem a entrevista do genial Samuel Pessoa no Roda Viva.
Em boa parte do programa a vontade era de aplaudir em pé.
Num determinado ponto, entretanto, houve uma manifestação que, com todo o respeito e manutenção da admiração, discordamos.
SP, ao tratar do embate capitalismo vs. socialismo do Século XX e costurar alguns erros do neossocialismo do Século XXI (sobretudo o neossocialismo kirschnerista e chavista, enfim, populista), chega a cair na esparrela de Piketty de dizer que o neoliberalismo (em certa confusão com "capitalismo") teria sido culpado por um aprofundamento das diferenças e das desigualdades econômicas.
No paralelo, SP admite que ao mesmo tempo esse "capitalismo"/"neoliberalismo", de mãos dadas com a evolução tecnológica, tirou a Ásia da sombra e a colocou na proa da geração de riquezas.
Fica perdido então o argumento, por ele assumido como premissa para conciliar com o "lado negativo" do capitalismo/neoliberalismo, de que realmente esse sistema anti-neossocialista de fato geraria desigualdade na sua essência pois poucos estão hoje com o poder determinar de antemão as regras do jogo (e muita vez os preços de entrada e de saída da mesa desse "carteado").
Isso é falso e esse erro SP não pode propagar, pois sua voz é fundamental, importante, lúcida e inspiradora.
O capitalismo foi o sistema dominante no Século XX e foi guiado por ideologias políticas socialistas (planificadas, com base no planejamento) versus ideologias políticas mais liberais. Mas fato é que no Século XX nunca houve modo de produção 100% comunista ou não-capitalista. A diferença está na maior ou menor presença do Estado na economia, o que torna o capitalismo de estado (planejado, planificado, com controle de preços e produção, controle de demanda, de oferta, tudo) um ato de intervenção total. Do outro lado, o modo de produção igualmente capitalista tinha por característica, até a 1a metade do século XX (portanto, até o fim da II Guerra), um grau baixo de intervenção que foi sendo alterado pela forma como FDR mudou o capitalismo nos EUA. Entretanto, característica importante do modelo de FDR foi a criação da SEC para manter os capitais (e, portanto, os mercados de capitais) sob controle público não estatal, enquanto o Estado exercia mera surveillance da atividade capitalista. Nas planificadas o controle passou totalmente do Estado para o Politburo, para o Partido, ou pior, para o grupo que dominava o Partido. Foi assim com Stálin, foi assim com Mao, os dois maiores exemplos de economia planificada e planejada (que Dilma tentou copiar e deu no que deu).
Com o fim da Guerra os EUA passam a organizar a economia sobretudo do Japão e adotando conceitos de planejamento, passam a intervir, igualmente e de forma pesada, exceto nos mercados financeiros e de capitais, que ficam sob vigilância mas não sob controle direto do Estado. A máquina montada por trás do Plano Marshall foi gigantesca. O Estado americano cresceu a níveis nunca dantes vistos para poder intervir de maneira plena na Alemanha e no Japão e reconstruí-los por um modelo de intervenção nunca dantes visto ou tentado. Deu certo por lá, mas o gigante não emagreceu e continuou enorme.
O resultado disso foi um crescimento também dos Estados ditos liberais. Não houve Estado, diante de um movimento de Guerra Fria e corrida armamentista, que ousasse ficar mínimo, enxuto e essencialmente liberal. O liberalismo desapareceu nesse período e deu lugar a um capitalismo de Estado cuja diferença mínima foi a baixa intervenção nos mercados de capitais - todo o resto passou para baixo do Big Brother.
O Século XX destrói o liberalismo smithiano, que tem alguma sobrevida em UTI (respirando com aparelhos) nos hospitais Reagan e Thatcher.
Mas no momento em que Reagan assume o Estado, não há diminuição de fato da máquina, mas sim uma menor surveillance - Reagan diminuiu a vigilância, mas a máquina continua essencialmente a mesma, do mesmo tamanho, inchada e não volta mais a ser a mesma máquina do início do Século XX. Esse erro do neoliberalismo custou caro para o mundo anos depois.
O mesmo se vê no Reino Unido e isso se agrava com a Comunidade Europeia, onde cada estado membro cresce absurdamente para fazer parte desse projeto de integração. Os Estados, ao invés de fazerem os movimentos contrários rumo ao desaparecimento, para surgimento de uma Europa Unificada, incham, crescem, se emasculam a ponto de obnubilar a própria atuação, ou mais, a própria ideia de Europa. Mantém seus reis, rainhas, cortes, aumentam ministérios para cuidar de "assuntos europeus", multiplicam os quadros em Ministérios do Trabalho, explodem os planos locais de previdência, criam um aparato de funcionalismo público nunca dantes visto. Para isso, passam a demandar uma arrecadação tributária nunca dantes vista, que fez até Gerard Depardieu sair da França para virar Russo...
Não foi a concentração dos capitais, as grandes fusões e aquisições e o movimento de verticalização de certos mercados que gerou as desigualdades regionais e econômicas - foi, um passo antes, o agigantamento inútil do Estado que puxou as empresas para que tivessem tamanho compatível com as necessidades arrecadatórias desses mesmos Estados.
Em uma coisa eu concordo com os keynesianos locais (antes do passeio na quermesse): o mundo do pós-Guerra se dividiu em praças e a China e Leste Asiático assumiram o papel de parque industrial do mundo. Os EUA se tornaram o parque financeiro do mundo; América Latina se tornou o pasto, o pomar, a granja e a horta global. Parte da AL (leia-se, Brasil) ainda passou a assumir o papel de sítio de minérios; quando o Oriente Médio assumiu a função de posto de gasolina do mundo; enquanto a Índia e parte da Eurásia ficou com a tarefa de ser o parque de serviços do mundo, especialmente a central mundial de telemarketing. Essa visão dos "progressistas locais" é uma grande sacada - e para por ai. Dessa sacada, entretanto, podemos ver como os Estados se agigantaram com mãos enlaçadas com as grandes empresas que o sustentam até hoje. Sabemos todos que sem essas grandes empresas os Estados acabam. Não há socialista no mundo que queira acabar com empresários corruptos, com Odebrechts, com Petros, com estruturas, pois, de fato, eles sustentam os Estados que sustentam sua máquina burocrática. Aprenderam a lição de que administrar uma empresa é um saco, é um pain in the ass e por isso, até Mao delegou essa função (mediante MUITA paga e retorno, grandes rebates) para alguns "empresários", "multinacionais", "campeões nacionais" (escolhidos a dedo).
Nem um lado nem outro olha para o Século XX sob o ponto de vista dos Estados, da explosão da dívida pública, do apodrecimento da poupança interna e, tudo isso, para beneficiar o gigantismo Estatal que nem os EUA foram capazes de escapar.
Falar do capitalismo nórdico hoje e do capitalismo do leste asiático como se esses modelos fossem a solução é querer olhar a pizza pela borda - mais hora, menos hora, a conta chega e, diga-se, chegará para eles também! É questão matemática - basta ver a explosão da dívida pública nesses lugares e a curva de retorno dos investimentos gerados pela poupança interna. E não adiante estatizar mais ou voltar aos tempos da lavoura arcaica que os iPhones não deixarão mais isso acontecer. É fato.
Essa bobagem de que 5 bancos dominam Wall Street se repete em todos os cantos do mundo: aqui no Brasil estamos em 4, no Japão são 3, na Inglaterra são 2 e meio e assim por diante. Ah, para não ficar nessas mesmices, lembremos que na nordicíssima Dinamarca são 3 bancos que dão as cartas... Ufa, faltou a China né? Lá são 4 também - todos do partidão...
Simplesmente todos os mercados do mundo apresentam essa característica e aquela infinidade de tabelinhas e números que apresenta Piketty são troças para boi dormir se não há, no paralelo, uma análise do crescimento da dívida pública para sustentar ações de Estado, que puxam as empresas escolhidas para sustentar esse mesmo Estado com tributos (que elas, seus clientes, consumidores, fornecedores e funcionários também pagam). E para isso, esse capitalismo planejado, esse New Industrial State (para lembrarmos Galbraith) precisa de empresas que acompanhem a necessidade do Estado, que puxa esse sistema para o seu benefício e, por consequência, do partido que está no poder, e, por consequência, do grupo partidário que conseguiu colocar o partido no poder e, por consequência, das pessoas desse grupo partidário que articularam esse esquema todo com os empresários que sustentam isso tudo (quando o empresário e o político não recaem sobre a mesma pessoa, como naquela Itália berluscômica). E isso não tem a ver com esquerda nem direita, não tem a ver com capitalismo nem com liberalismo nem com socialismo, nem com neoliberalismo nem com neossocialismo - tem a ver com o tamanho do Estado, este sim, o verdadeiro too big to fail de quem perdemos totalmente o controle e não sabemos mais como fazer esse obeso mórbido voltar ao peso ideal ou, ainda, desparecer.
Seu desaparecimento tende a ser do pior jeito - por morte traumática ou por explosão, exatamente da mesma forma como ocorreu com Mr. Creosote no Sentido da Vida de Monty Python.
Esta é uma agenda de nosso hebdo que estamos discutindo com leitores há anos.
Segue abaixo uma das respostas enviadas para um leitor que veio com a tese de Piketty e recebeu esta resposta:
Vejo a concentração como resultado de uma emasculação estatal baseada em anabolizantes econômicos. Não foi apenas a produção de óleo e gás que se concentrou; foi a própria noção de estado que puxou isso para graus insuportáveis. E trouxe para si os motores do dinheiro como puxadinho de estados falidos que, esses sim, são os verdadeiros "too big to fail". Os estados estão insuportavelmente gigantes, paternalistas e ate meio bobalhões. Nunca o estado federal estado-unidense foi tão gritantemente gigantesco. A briga da federalizacao/estatizacao do espaço social desde o SOx Act e o Patriot Act tem tornado o Big Brother insustentável (por si mesmo). A máquina é cara, gigantesca e extremamente ineficiente, levando Trumps ao poder. Por aqui a corrupção passa a ser motor de tudo isso, assim como um atleta que cresceu as custas de anabolizantes para depois passar a viver de omeprazol, visando resolver um problema que ele mesmo criou no próprio fígado e estômago, por conta do crescimento falso e antinatural que ele mesmo gerou pra si. Nossos juros são o nosso omeprazol.Sim meus caros - defendemos que o too big to fail não deve estar estampado na recepção dos grandes bancos; do Citi, do BofA, do JPM-Chase, do DB, do Itau; ou das grandes empresas, da Petrobras, da BP, da Microsoft, da Apple: nenhuma dessas é too big to fail. Barclays, que assumiu a Lehman e failed. Enron era a maior de todas e failed. Todas estão sim sujeitas a morte súbita (fale com Joesley B. e ele te explica sob o ângulo da JBS isso que estou querendo mostrar).
Veja a UE - os estados estão tomando conta de um espaço social que está arrochando a população e o povo reage com neonazismo (a forma por excelência do "estado inchado eficiente", do estado que "cuida de mim"). Oriente Médio não dá nem pra conversar por aqui - depois que caiu o Império Otomano a ideia de Estado (segundo o que melhor atendia às demandas do pós-Guerra) teve que acomodar ate Alah e Maomé e olha onde estamos chegando.... Esses estados todos misturados estão levando o mundo a graus de desigualdade cultural (não apenas econômico, social ou financeiro) que força as pessoas ao confronto direto nas ruas. Não apenas na Europa, que enfrenta o terrorismo de "Estados Islâmicos", mas no Brasil também, que enfrenta o terrorismo de "Estados de Comandos Vermelhos ou da Capital" e que saem de dentro de Estados supostamente legítimos como o Brasil, a Síria, o Iraque. Não se sabe nem ao certo quem combater, contra quem declarar guerra pois os Estados cresceram a níveis too big to fail e ainda permitiram que microestados crescessem no paralelo gerando uma baderna causada pelo próprio gigantismo dos Estados.
Estamos no limite de uma terceira guerra mundial caso não estampemos nos estados o seu real valor de face: uma instituição que deveria fazer o mínimo necessário para que o máximo possível saia legitimamente do nosso trabalho (exclusivamente).
Too big to fail é o Yemen, a Arábia Saudita, o Estado de Israel, o Estado Palestino, a Alemanha, a França, o Reino Unido, os EUA e... o Brasil!!!
Sim, o Brasil - com tantas coisas estúpidas que são feitas aqui, é absolutamente incompreensível como sobrevivemos diante de tantos bilhões de cretinices praticadas. Bem, eu só consigo explicar se assumir que o Brasil é que é o verdadeiro too big to fail e, por assim dizer, ao lado de seus cento e noventa e poucos amiguinhos na ONU, os verdadeiros culpados pela desigualdade mundial.
segunda-feira, 5 de junho de 2017
A Banalização da Indecência
Caderno de Política
por Cícero Esdras Neemias
Tempos atrás, in a galaxy far far away, o conceito de indecência tinha um espectro bem definido.
Nos tempos de Paulo Francis, se alguém vinha a público dizer "eu paguei propina para este político" isso seria causa para um escândalo brutal.
Imaginem, leitores, se alguém com muito, muito, muito dinheiro e muito, muito, muito poder por ser dono de uma empresa muito, muito, muito poderosa e muito, muito, muito lucrativa dissesse, "eu não apenas pagava regularmente, como administrava uma conta, em meu nome e para benefício desse político, um salariozinho mensal e o pagamento apenas de sua conta de luz, telefone, telefone móvel, netflix, internet e cartão de crédito (nem precisa ser platinum)".
Nos tempos de Vargas, Adhemar de Barros, Lacerda ou até de Jango ou Jânio Quadros, uma declaração como essa seria um precedente histórico absolutamente devastador e incomum - geraria na hora uma revolução, uma tomada de poder, um corre-corre de fuzis e tanques, enfim, coisas que o Brasil já fez por muito menos.
Hoje em dia não apenas temos essas declarações como também extratos de contas no exterior, movimentação do dinheiro para pagar reformas, jatinhos, passeios, aulas de tênis, joias, sapatos (sim, eles, os sapatos... sim, os 40 sapatos da loja!!!!!... sim, todos os 40 pares!!!). Não apenas contas de netflix ou um cartãozinho corporativo - é muito mais do que isso e em níveis que beiram (não gosto dessa palavra, mas voi là), o ódio em quem trabalha e pensa - "mas que filho da p..., e eu aqui ralando, tendo que fazer um ajuste de IR esse ano que daria para comprar legalmente aquela joia que o prefeito comprou para a esposinha dele como forma de lavar o dinheiro que ele roubou de mim!!!".
Mais: não temos apenas um único empresário a dizer essas, digamos, "transações" - temos um empresário por semana vindo a público para dizê-lo, quase que em uma gincana de valores em que o seguinte precisa bater a cifra do anterior da mesma forma em que os mesmos fazem rallies de apresentação anual de resultados: "hahaha, bati o EBITDA do meu concorrente", "yes!!! nosso ROE superou o de fulano", "wow, nosso networth (PL) subiu e o dele caiu", "fulano lucra x% acima de cicrano"; hoje passamos a ver empresários dizendo, "ele pagou 500MM em propinas??? peenuts - paguei 2 bi"; "ah, ele usava o laranja X? haha, eu já tinha um laranjal inteiro dentro de uma diretoria que dei o nome de Diretoria de Obras Públicas de Benemerência"...
A Lavajato tirou-nos a capacidade de nos horrorizarmos. Deixamos de nos estupidificar diante das confissões. Esse foi um aspecto negativo da Lavajato (um dos poucos) e que precisa a todos instante receber injeções de ânimo alimentadas por doses crescentes de dignidade. Cada pilhagem revelada, parte da nossa dignidade acaba indo junto disso tudo. Parece que ao ler um acordo de colaboração premiada o réu/colaborador não entrega à Justiça apenas as trapaças que fez - entrega também parte da nossa dignidade, tirando parte de nossa força para reagir com indignação.
Mais grave ainda é a turma da defesa. Usam de chicanas antigas, de técnicas cafonas e mendazes de multiplicação de atos, pedidos de vista, extensão e alongamentos desnecessários de procedimento, mas, no mérito, não dizem um "A" sequer. Não apresentam imposto de renda, de onde veio o dinheiro para viajar tanto de jatinho, a origem dos recursos, a qualidade do serviço prestado (que os power points de Wikipédia demonstram o contrário) - nada. Nada que aproxime como essa turma vive de como vive a maioria de nós todos, onde temos que dar satisfação até para os vizinhos quando trocamos de carro.
A cada declaração oficial "negando veementemente" as falas dos "delatores" (que, insistimos, a justiça trata como colaboradores), há a velha e surrada técnica da malhação ad hominem: "canalha", "não vale nada", "mentiroso" ou simplesmente "vai acreditar em palavra de corrupto e delator?". Alguns ainda afirmam a amizade pretérita e tacham os colaboradores com a pecha de "traidores", reafirmando subliminarmente a existência de uma Omertà, para logo dizer que essa seria uma espécie de traição misturada com factoide - argumento de defesa esse que não sobrevive a um extrato bancário sequer.
Pessoas inteligentes, com títulos, pompas, doutorados, teses, láureas, discursos, colunas, cargos, caindo na esparrela de dizer que colaboração "é tortura", ou que "voltamos aos tempos dos militares"; ou os isentões, que criticam as circunstâncias fazendo discursos sobre a história do "devido processo legal" e "amplitude da ampla defesa" ou a "garantização garantida das garantias garantidoras". Mas nada a dizer sobre o mérito, sobre o direito material, sobre a atipicidade da conduta, os indícios (esses sim veementes) de absoluta anormalidade nas ações.
De outro lado uma série de detratores do establishment (com ilustres e honrosas exceções) que se dizem espantados com Neves, perdidos com FHC (que dorme com Lula e acorda com Lulja) e "desiludidos com a política".
Banalizamos a indecência. Acabamos nos acostumando tanto a ela que a sua vulgarização virou argumento de defesa para todos os lados.
Sofrem MPF, Justiça Federal, o "Partido da Justiça" (nome estúpido inventado pelos detratores em qu e a semântica da palavra política, neste caso, se volta contra os próprios detratores), a Imprensa Livre Mundial (Sabino escreveu um texto hoje exatamente sobre isso).
Tudo isso porque perdemos essa capacidade de se indignar com essas coisas hediondas, asquerosas e repugnantes.
Será que o futuro nos verá da mesma forma que o presente lê os abolicionistas do início do Século XIX e fins do Século XVIII? Será que verão os "isentões" da mesma forma que a história passou a julgar senhores moderados como uma espécie de "abolicionista que tinha escravos mas os tratava bem"? Será que vamos ver casos como o do Barão de Mauá, que alforriava e depois contratava o alforriado mediante pagamento de salário e assim fez o seu próprio abolicionismo, em situações como a de empresas que "não corrompem, não se metem e não denunciam quem corrompe"?
Que história vamos contar para os nossos netos? O que dirão eles para os respectivos netos deles a respeito do papel que os seus avós (e, portanto, tetravôs dos ouvintes) tiveram nesse período da história?
Sei que os progressistas não valorizam propriamente temas relacionados a família e exemplos que serão legados para gerações futuras e recebidos pelas gerações passadas - por mim tudo bem, quem não terá filho por opção ideológica será julgado pelos filhos de quem teve (respondendo à pergunta de alguns corruptos a respeito de como a história haverá de julgá-los).
Nesse contexto vai se preparando um caminho de flexibilização, de dieta de pão e água para a Lavajato, de consenso de que isso tudo "já encheu"... E não é assim, não pode ser assim, não deve ser assim que se conserta um problema grave como esse e que tem atrelado a ele não apenas os insuportáveis resultados na macroeconomia, mas também uma altíssima taxa de impunidade em todos os crimes em geral, com o aumento desmesurado de nossas taxas de homicídio que nos transformaram em uma zona de guerra de fato.
Precisamos manter o nosso status de indignação alerta. Não podemos nos dignar a tratar isso tudo com normalidade.
Não há como viver sem dignidade.
O oposto da dignidade é a banalidade.
Que tipo de história vamos querer que nossos netos contem? De que fomos banais ou dignos?
por Cícero Esdras Neemias
Tempos atrás, in a galaxy far far away, o conceito de indecência tinha um espectro bem definido.
Nos tempos de Paulo Francis, se alguém vinha a público dizer "eu paguei propina para este político" isso seria causa para um escândalo brutal.
Imaginem, leitores, se alguém com muito, muito, muito dinheiro e muito, muito, muito poder por ser dono de uma empresa muito, muito, muito poderosa e muito, muito, muito lucrativa dissesse, "eu não apenas pagava regularmente, como administrava uma conta, em meu nome e para benefício desse político, um salariozinho mensal e o pagamento apenas de sua conta de luz, telefone, telefone móvel, netflix, internet e cartão de crédito (nem precisa ser platinum)".
Nos tempos de Vargas, Adhemar de Barros, Lacerda ou até de Jango ou Jânio Quadros, uma declaração como essa seria um precedente histórico absolutamente devastador e incomum - geraria na hora uma revolução, uma tomada de poder, um corre-corre de fuzis e tanques, enfim, coisas que o Brasil já fez por muito menos.
Hoje em dia não apenas temos essas declarações como também extratos de contas no exterior, movimentação do dinheiro para pagar reformas, jatinhos, passeios, aulas de tênis, joias, sapatos (sim, eles, os sapatos... sim, os 40 sapatos da loja!!!!!... sim, todos os 40 pares!!!). Não apenas contas de netflix ou um cartãozinho corporativo - é muito mais do que isso e em níveis que beiram (não gosto dessa palavra, mas voi là), o ódio em quem trabalha e pensa - "mas que filho da p..., e eu aqui ralando, tendo que fazer um ajuste de IR esse ano que daria para comprar legalmente aquela joia que o prefeito comprou para a esposinha dele como forma de lavar o dinheiro que ele roubou de mim!!!".
Mais: não temos apenas um único empresário a dizer essas, digamos, "transações" - temos um empresário por semana vindo a público para dizê-lo, quase que em uma gincana de valores em que o seguinte precisa bater a cifra do anterior da mesma forma em que os mesmos fazem rallies de apresentação anual de resultados: "hahaha, bati o EBITDA do meu concorrente", "yes!!! nosso ROE superou o de fulano", "wow, nosso networth (PL) subiu e o dele caiu", "fulano lucra x% acima de cicrano"; hoje passamos a ver empresários dizendo, "ele pagou 500MM em propinas??? peenuts - paguei 2 bi"; "ah, ele usava o laranja X? haha, eu já tinha um laranjal inteiro dentro de uma diretoria que dei o nome de Diretoria de Obras Públicas de Benemerência"...
A Lavajato tirou-nos a capacidade de nos horrorizarmos. Deixamos de nos estupidificar diante das confissões. Esse foi um aspecto negativo da Lavajato (um dos poucos) e que precisa a todos instante receber injeções de ânimo alimentadas por doses crescentes de dignidade. Cada pilhagem revelada, parte da nossa dignidade acaba indo junto disso tudo. Parece que ao ler um acordo de colaboração premiada o réu/colaborador não entrega à Justiça apenas as trapaças que fez - entrega também parte da nossa dignidade, tirando parte de nossa força para reagir com indignação.
Mais grave ainda é a turma da defesa. Usam de chicanas antigas, de técnicas cafonas e mendazes de multiplicação de atos, pedidos de vista, extensão e alongamentos desnecessários de procedimento, mas, no mérito, não dizem um "A" sequer. Não apresentam imposto de renda, de onde veio o dinheiro para viajar tanto de jatinho, a origem dos recursos, a qualidade do serviço prestado (que os power points de Wikipédia demonstram o contrário) - nada. Nada que aproxime como essa turma vive de como vive a maioria de nós todos, onde temos que dar satisfação até para os vizinhos quando trocamos de carro.
A cada declaração oficial "negando veementemente" as falas dos "delatores" (que, insistimos, a justiça trata como colaboradores), há a velha e surrada técnica da malhação ad hominem: "canalha", "não vale nada", "mentiroso" ou simplesmente "vai acreditar em palavra de corrupto e delator?". Alguns ainda afirmam a amizade pretérita e tacham os colaboradores com a pecha de "traidores", reafirmando subliminarmente a existência de uma Omertà, para logo dizer que essa seria uma espécie de traição misturada com factoide - argumento de defesa esse que não sobrevive a um extrato bancário sequer.
Pessoas inteligentes, com títulos, pompas, doutorados, teses, láureas, discursos, colunas, cargos, caindo na esparrela de dizer que colaboração "é tortura", ou que "voltamos aos tempos dos militares"; ou os isentões, que criticam as circunstâncias fazendo discursos sobre a história do "devido processo legal" e "amplitude da ampla defesa" ou a "garantização garantida das garantias garantidoras". Mas nada a dizer sobre o mérito, sobre o direito material, sobre a atipicidade da conduta, os indícios (esses sim veementes) de absoluta anormalidade nas ações.
De outro lado uma série de detratores do establishment (com ilustres e honrosas exceções) que se dizem espantados com Neves, perdidos com FHC (que dorme com Lula e acorda com Lulja) e "desiludidos com a política".
Banalizamos a indecência. Acabamos nos acostumando tanto a ela que a sua vulgarização virou argumento de defesa para todos os lados.
Sofrem MPF, Justiça Federal, o "Partido da Justiça" (nome estúpido inventado pelos detratores em qu e a semântica da palavra política, neste caso, se volta contra os próprios detratores), a Imprensa Livre Mundial (Sabino escreveu um texto hoje exatamente sobre isso).
Tudo isso porque perdemos essa capacidade de se indignar com essas coisas hediondas, asquerosas e repugnantes.
Será que o futuro nos verá da mesma forma que o presente lê os abolicionistas do início do Século XIX e fins do Século XVIII? Será que verão os "isentões" da mesma forma que a história passou a julgar senhores moderados como uma espécie de "abolicionista que tinha escravos mas os tratava bem"? Será que vamos ver casos como o do Barão de Mauá, que alforriava e depois contratava o alforriado mediante pagamento de salário e assim fez o seu próprio abolicionismo, em situações como a de empresas que "não corrompem, não se metem e não denunciam quem corrompe"?
Que história vamos contar para os nossos netos? O que dirão eles para os respectivos netos deles a respeito do papel que os seus avós (e, portanto, tetravôs dos ouvintes) tiveram nesse período da história?
Sei que os progressistas não valorizam propriamente temas relacionados a família e exemplos que serão legados para gerações futuras e recebidos pelas gerações passadas - por mim tudo bem, quem não terá filho por opção ideológica será julgado pelos filhos de quem teve (respondendo à pergunta de alguns corruptos a respeito de como a história haverá de julgá-los).
Nesse contexto vai se preparando um caminho de flexibilização, de dieta de pão e água para a Lavajato, de consenso de que isso tudo "já encheu"... E não é assim, não pode ser assim, não deve ser assim que se conserta um problema grave como esse e que tem atrelado a ele não apenas os insuportáveis resultados na macroeconomia, mas também uma altíssima taxa de impunidade em todos os crimes em geral, com o aumento desmesurado de nossas taxas de homicídio que nos transformaram em uma zona de guerra de fato.
Precisamos manter o nosso status de indignação alerta. Não podemos nos dignar a tratar isso tudo com normalidade.
Não há como viver sem dignidade.
O oposto da dignidade é a banalidade.
Que tipo de história vamos querer que nossos netos contem? De que fomos banais ou dignos?
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