domingo, 12 de fevereiro de 2017

Honesto

Caderno de Política
por Cícero Esdras Neemias

Ser honesto, diziam os latinos, equivalia a manter um "estado permanente de honradez". Honestus, a, um, declinou-me o Prof. Pinto Cançado, explicando que a palavra vem de honor/honos + est: honos est, honestus. É honrado, seria esse o significado de honesto.

Agora, tentar entender o que seria honra é exatamente onde mora o nosso problema, Brasil.

Quid honor?

Não sabemos ao certo - algo entre "orgulho" e "ostentação"; um "micro culto à personalidade de alguém menor", uma pessoa "homenageada", alguém que carrega "glórias", enfim... tudo isso. Na origem, não teria a ver com "não roubar", mas lá na época de Cícero (o Marco Tullio), era impossível atingir "glórias" roubando.

Hoje não se sabe.

O Brasil não sabe a titubeia.

A essa palavra vem sendo dado um novo sentido. Esse sentido nasce de um bordão de nossos tempos, repetido à exaustão até pelos seus adversários políticos: "Dilma é uma mulher honrada".

Com isso, a palavra honra ganha nova semântica e gruda na pessoa de Dilma tal qual merda em tamanco: parece ser automático associar "honra" a Dilma (mulher honrada).

Há ainda quem complemente dizendo se tratar de uma "Presidenta Honesta", o que, como vimos, pode dar no mesmo (honra a honestidade são semanticamente a mesma coisa, já nos mostrou Pinto Cançado).

Para pensar no termo e tentarmos identificar se essa é uma característica de nosso país e de nosso povo, precisamos, em primeiro lugar, deixar Dilma de lado e promover o seu impeachment até desta discussão (é impressionante a capacidade, muita vez inconsciente, que tem Dilma Rousseff de atrapalhar em todas as coisas que seu nome está envolvido!).

Para os latinos a glória se atingia por meio de "feitos" (trabalhos, ou, como diria HESÍODO, erga, ergói). Além dos "feitos" em si, seus efeitos - deveriam atingir apenas terceiros; algo altruísta. Para além dos efeitos dos feitos, temos também as características negativas - não "pecar", qual seja, não roubar, não matar (a troco de nada), não fazer maldades, não ser injusto, glutão, luxurioso, vaidoso e não agir de outra forma que não seja reta. Samurais tentaram séculos depois consolidar isso tudo em um Código, bem anterior ao BGB e o Código de Napoleão.

Nessa toada, guardar todos os aspectos negativos e não trabalhar não faz do homem (ou da mulher) alguém honrado, honesto. De outro lado, trabalhar à exaustão mas falhar no resto também não faz do indivíduo (ou da "indivídua") propriamente honesto - temos ai um grande correligionário do PT que não nos deixa mentir: Dr. Paulo Salim Maluf, que sempre foi reconhecidamente um work-a-holic mas, em relação aos outros quesitos, parece ter falhado (embora como ele mesmo diga, são apenas conjecturas não transitadas em julgado). Dona Dilma, nos poucos momentos em que trabalhou, poderia ter se habilitado à medalha da honestidade, mas quando foi injusta, maldosa, trapaceira (ah, na campanha de 2014 ela foi um pouco sim...) e gritou com subordinados a troco de nada, teve sua petição de honestidade indeferida no Olimpo.

Tecnicamente Dilma não é honesta, convenhamos.

Em outras palavras: semanticamente falando, Dilma não é uma mulher honrada. Ponto.

Sim, outros certamente também não o sejam, de Dom Pedro I a FHC: a diferença é que nenhum deles se avocou esse título. O máximo que faziam (ou ainda fazem) é invocar a cláusula do "nada que me desabone", algo que FHC abusou à exaustão enquanto fez a defesa de Lula perante o juiz Moro.

Mas a preocupação na verdade não reside na acepção pura da palavra honesto, segundo os latinos, gregos, troianos, franciscanos ou beneditinos - reside propriamente na sua acepção para os brasileiros.

E bem sabemos, o brasileiro é um troço complexo: dá jeito em tudo; tudo em suas mãos fica relativo, subjetivo, "vai de cada um", "depende do caso a caso" e outras malandragens que permitem violar algum requisito da acepção pura de honestidade (ocasionalmente ou frequentemente) e mesmo assim manter-se (perenemente ou substancialmente) dentro do conceito de honesto.

Na acepção pura, NENHUM BRASILEIRO É HONESTO. Nem eu, nem você, leitor.

Mas ninguém vai lá e assume, entende?

Todos reconhecem que o brasileiro na média é bastante desonesto, menos eu. Eles, brasileiros, são; mas eu não me identifico e acho que meu problema é causado por todos eles.

Tenho lá minhas faltas, aqui ou acolá, mas, quem nunca?

Somos todos Marias Madalenas da honestidade, Santa que só no Brasil recebe mais preces em casa e figura na praça e na Igreja sempre atrás da Nossa Senhora, essa sim um símbolo de honestidade.

Nem adianta, leitor, vir com esse papo furado de que isso é discurso de "síndrome de vira lata" - você sabe, eu sei, todos sabemos (no auge de nossa desonestidade intelectual e aqui, na Imprensa, fazemos a MECA da desonestidade intelectual) que a nossa desonestidade é muito valorizada; é até uma de nossas virtudes - somos flexíveis, maleáveis, damos jeitinho, ops, digo, temos solução para tudo, o Brasil é o país do "no brain", aqui não tem problema, somos alegres (alguns bobos-alegres), levamos tudo na boa, com leveza, nossa falta de pontualidade é um traço de nossa cultura meiga, alegre, brincalhona...

Mas quando um estrangeiro nos escancara e diz que somos patéticos (no sentido casto do termo, de pathos mesmo), nos enfurecemos (confirmando que somos patéticos). Se dizem que somos desonestos, dizemos que os americanos também são, ao seu turno, e assim por diante.

Nunca dizemos - sim, nós somos honestos; yes, we are honest people.

Porque sabemos que não somos.

No momento em que escrevo isso estou, na verdade e ao estar escancarando a verdade (papel da imprensa), sendo um grandessíssimo filho da puta desonesto.

Lavando roupa suja em casa, até assumimos entre nós que por aqui a honestidade é como neve no verão - dizem que já houve lá no Sul algum dia, talvez em São Joaquim, mas ninguém se lembra como foi nem quanto tempo durou.

Fato é que somos bando de filhos da puta desonestos.

Todos nós.

Até quando dizemos que Dilma é desonesta estamos sendo paradoxalmente desonestos ao usar parâmetros de desonestidade para ela que de fato não nos atinja.

E para colocar a cereja do bolo na nossa desonestidade, culpamos a colonização.

Dizemos que a colonização portuguesa é a origem de tudo, que a desonestidade e a filhadaputice foi algo cuidadosamente exportado pelos degredados e barões portugueses, que ao perderem o passo da história em 1585, se dedicaram a plantar árvores de filhadaputice no lugar do pau-brasil que era arrancado e que os que aqui ficaram, tendo se alimentado dos frutos dessas árvores plantadas pelos portugueses, ficaram assim, todos uns filhos da puta desonestos.

Tirando esse mito de origem deste texto, sobram os portugueses que vinham aqui... trabalhar!

Qualquer um com um olho que funcione e uma orelha que escute pelo menos 30% saberá que os portugueses são um símbolo de trabalho e seriedade. Todos sabem que os portugueses (desde o portuga da padaria ao Abílio Diniz) é gente que se acorda as 5 da manhã para trabalhar vai dizer que está atrasado. Acordam as 3 ou 4 e só vão parar lá pela meia noite.

Não titubeiam, não tergiversam, não dão "bom dia pra cavalo".

Isso fez com que Portugal fosse hoje um dos países com um dos melhores padrões de vida do mundo. Baixíssima incidência de corrupção, quantidade quase nula de escândalos e crises políticas, baixíssimo índice de roubos e furtos, carga judicial e exposição de conflitos quase nula. Ostenta ainda um dos índices mais baixos de homicídios no mundo e tem um "Estado de Bem Estar Social" dos mais equilibrados do planeta, mesmo em situação de crise econômica como a que vem enfrentando desde 2008.

Mesmo mergulhado na crise econômica o português não deixou de trabalhar e nem passou a roubar; não começou a matar, pilhar, saquear ou fazer greve. Ante a crise o português... trabalhou.

Sim senhores - foi esse mesmo povo que nos colonizou e as lições que deixou, parece, não aprendemos nada.

O outro lado da moeda, o negro, já sabemos - esse trabalha mesmo! E na origem (que mantém até hoje boa parte de suas origens), roubar não é um caminho permitido.

Algo aconteceu em nosso mito de origem, talvez essa árvore da filhadaputice que nos alimenta até hoje e faz isso ser o que é.

Dilma é mulher honesta porque achamos que somos honestos, em nossa forma de tratar a honestidade ao nosso modo.

Querem ver?

Já fizemos a matéria do guarda carros, mas essa semana o nosso repórter fotográfico Sebastian Salé flagrou no trânsito de SP algo mais comum do que homem vestido de mulher em bloco de carnaval - "silver tape" na placa do carro para barrar multas.





O repórter flagrou com a câmera apenas um veículo, mas na ocasião tínhamos nesse entroncamento exatamente 7 veículos usando a técnica.

Basta dar um giro nas Marginais de SP que você verá motos, caminhões, carretas, táxis, veículos corporativos e carros de particulares, todos lançando mão dessa forma de resolver as restrições que o Estado impõe mas que, para esses, não valem pois vão justificar que estão trabalhando e portanto, se é feito em nome do trabalho, o ato passa a ser honesto (algo como o Zé Dirceu dizer que "roubava para a causa", diferentemente do Maluf que "roubava pra si mesmo"). Isso torna esse motorista um trabalhador brasileiro da mesma forma que o Zé Dirceu se tornou Herói do Povo Brasileiro (isso me lembra um dos bordões do Capitão Fábio: "meu ixquema é honexto!!! eu nunca subi morro pra pegar arrego do tráfico!! honexto!! ixquema honexto!!!").

Mas não é só esse trabalhador. Há outros também.

Há uns que gostam de pintar de preto as informações de data de vencimento, peso do conteúdo ou o preço por quilo de produtos perecíveis como peixes...

Vender peixes fora da data de vencimento e omitindo o valor do preço por quilo, nesse caso, torna o indigitado vendedor honesto pois está trabalhando e o que determina se o peixe está bom ou não está bom, não é a data de vencimento inventada pelo governo, mas sim a condição especial desse peixe que demora um pouco mais que os outros para apodrecer. E olha só, jogar comida fora é pecado!!!

 


 

 
 
crédito das fotos: Sebastian Salé

Já sei, já sei... - a culpa é da impressora, que falhou justo na hora de botar o preço nos peixes vermelhinhos (os mais baratinhos, que vão pra barriga do povão). Mas note que essas coisas só acontecem em relação à comida que vai pra barriga do povão, pois na última foto dá pra ver que a impressora não falhou nos peixes mais caros (seja porque são mais caros, seja porque de fato não estão vencidos).

Para esses, que são iguais a nós, a Dilma é uma mulher honesta, honestíssima.

Nesse mesmo supermercado, se esse mesmo dono errar no troco, não vamos dar uma de otário e devolver as moedas a mais, pois, sabemos que se as moedas forem devolvidas, o caixa vai agradecer e colocar essas moeda no bolso dele...

Não denunciamos pois sabemos que não adianta nada - o cara "lá na SUNAB" não vai fazer nada. Ele quer ir embora mais cedo pra casa igual nós, não quer ter mais trabalho do que já tem e ter que autuar o supermercado e causar polêmica, pois logo vai vir um advogado esperto e dizer que um erro não configura dolo e que o lance do peixe foi sem querer e esse mercado é o responsável por alimentar um bairro inteiro e que fechar esse supermercado por uma bobagem como essa afeta o emprego de centenas de pessoas que dependem dele e mais outras milhares que dependem dele aberto para comer..... Enfim, vão tirar as cafajestagens de prateleira para demonizar o fiscal que desceu o cacete no supermercado que fez isso ou no fiscal que prendeu o motorista daquele caminhão ali em cima por "falsificação de documento público"...

Porque ao fim e ao cabo nós gostamos desses cafajestes, pois eles são nossos "amigos", jogam bem futebol, tem bom papo no bar, são engraçados, ajudam um mendigo de vez em quando - enfim, no grosso, no atacadão, são honestos, embora (quem nunca?) dêem essas pisadas de bola absolutamente justificáveis pois "estavam trabalhando".

Sei que estou sendo desonesto e filho da puta ao não dar direito de defesa para os flagrados, sei que sou um desonrado ao insinuar "sem provas" ou trazer provas de duas filhasdaputices para comprovar que a desonestidade é característica unânime de todos nós; sei que dizer que este é um país de gente desonesta é uma frase desonesta: mas ao concordar comigo leitor, ao concluir que eu sou o cara mais desonesto e filho da puta da Imprensa e do mundo, você só confirmará a minha tese:

SOMOS UM PAÍS HONESTO NA MESMA MEDIDA EM DILMA É UMA MULHER HONESTA, NO MAIS, SOMOS MESMO É UM BANDO DE FILHOS DA PUTA DESONESTOS - TODOS, A COMEÇAR POR MIM E TERMINAR POR VOCÊ, LEITOR DESONESTO!