Por Cícero Esdraas
Neemias e María-Guertas Abellán
García
Notem que o assunto aberto ontem não se esgotou e não se esgotará assim tão fácil.
Várias outras linhas e vertentes desse mesmo tema poderiam ter sido abordadas. Uma delas, mais simples pois oferece muitos atalhos, seria analisar o Iraque, governado tanto tempo Sadam Hussein, ou mesmo a Líbia, governada pelo laureado e portador da Ordem Cruzeiro do Sul oferecida e ele por Lula, o ex-ditador Muamar Kaddaffi. Sofrem há anos com ditaduras populistas (Saddam Hussein nunca escondeu sua filiação partidária socialista e seus ideais marxistas, assim como seu amigão, Muamar Kaddaffi) que aniquilaram com louvor maoista a existência de uma classe média e de uma imprensa livre. Os regimes também deram abrigo e espaço para o crescimento de grupos fundamentalistas com intenções abertamente terroristas e anti-americanistas.
* - qualquer semelhança com o Brasil e a nossa turma do PCC, CV, ADA, FDN e que tais é uma mera coincidência (ou não...).
Sim: Líbia e Iraque são outros dois países envolvidos no "rolo do decreto de Trump" e que mereceriam atenção especial.
Item, outros não citados, mereceriam também atenção especial: mencionamos a Arábia Saudita mas poderíamos ter lembrado da Nigéria e assim por diante.
O foco deu-se, entretanto, naquele eixo do abandono otomano, que tem inúmeras coincidências com outro eixo, o das Primaveras Árabes e escolhemos a ditadura mais isenta de todas: Iêmen. A isenção vem de um fenômeno tipicamente brasileiro (e que nos irmanamos igualmente com essas tais ditaduras): ignorância. Nossa capacidade de julgamento em relação àquilo que ignoramos de forma absoluta e vergonhosa se abre em troca de novas informações. E quando notamos que as informações na verdade são velhas ou são as mesmas de outros cantos que julgávamos conhecer, a forma como julgávamos esses outros cantos se altera diante dessa nova experiência.
This is the reason why we gave you Iêmen.
Veja o mapinha abaixo como é esclarecedor e casa razoavelmente com o "mapa" do "decreto de Trump":
Bem, eis que surge hoje uma notícia referindo-se a um estudo da UNICEF dando conta que aproximadamente 500 mil crianças correm risco de vida no Iêmen.
O motivo central? - Fome.
O estudo traz um número espantoso: 1,4 milhões de crianças sendo que o Iêmen seria responsável por 462 mil.
E os demais? Guess who? Somália (tinquina!) e Sudão (bingo!). A notícia fala em "Sudão do Sul", uma daquelas divisões que ocorreram a partir de 2011 e cujo reconhecimento de independência não é levado a sério nem sequer por quem está a pedi-lo. O problema está no Sudão; ponto.
Quem está gerando isso? Os grupos que dominam as fronteiras e praticamente prendem a totalidade da população em uma zona de guerra onde moleques na faixa dos 20 a 30 anos se digladiam como torcidas organizadas, uns trazendo a bandeira do ISIS, outros do Al-Qaeda, outros dos Houthis, outros de Hadi e assim por diante. Essa "briga de torcidas" aliada à ausência de uma classe média capaz de uma mobilização conjunta e de uma resistência unida (justamente porque a classe média é a classe trabalhadora por excelência, pois sendo a que mais trabalha, acaba sendo a única classe diretamente afetada com altas taxas de desemprego): eis a mistura de temperos que faz com que a guerra no Iêmen seja alimentada por fatores que o tornam praticamente um conflito quase perene. Ignorância e falta de classe média são também outros nomes para essa "apropriação cultural" que nada mais é do que uma verdadeira "briga de torcidas organizadas".
Não vamos dourar a pípula: a guerra no Iêmen nada mais é do que uma briga de torcidas organizadas. Houthis, ISIS, Al-Qaeda, apoiadores de Hadi são hooligans sem um futebol qualquer associado.
Pos seja: imaginemos que as torcidas, no Brasil, sejam autorizadas a ir para os jogos portando tanques e AK-47s. Bem, é mais ou menos isso que está ocorrendo por lá, mas ao invés de gritar "vai curintia" ou "mengo", eles gritam as frases forjadas pela IM e requentadas nos respectivos grupos, com pitadas de jihadismo, marxismo, nazismo e outros "ismos" que permitem que um grupo como o ISIS se autointitule como "Estado organizado" na forma de um regime "neo-antigo", o tal do califado. Imaginemos que o futebol acabe mas as torcidas continuem guerreando. O resultado será idêntico ao do Iêmen.
A notícia, voltando a ela, fala ainda da não citada (até agora) Nigéria, que conta com as mesmas características de países do grupo Arábia/Somália, cuja Primavera sequer tinha condições de existir e a repressão conta com a ajuda de grupos como o Boko Haram, famoso por barbaridades contra crianças.
Porque Trump não incluiu a Nigéria em seu decreto é algo a ser investigado também. Talvez seu critério tenha sido mesmo o de ter escolhido quintais otomanos abandonados (o que retiraria a Nigéria do decreto se o critério usado foi mesmo esse, pensando ab absurdum).
Fato é, entretanto, que o useful idiot tornou-se um very useful idiot.
E pensar ab absurdum diante das propostas de Trump nada mais é do que usar um critério que lhe veste bem.
Enquanto isso, se você tem curiosidade de conhecer melhor o Iêmen, clique aqui.
E saiba de quem Trump está falando perguntando-se: será que alguma dessas pessoas foi afetada pelo decreto de Trump? Será que tem passaporte? Será que tem visto? Será que sabem onde são os EUA? Será que sabem que o decreto existe?