sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Editorial

por Dom Fernandes III

Certos jornalistas, mais ousados que astutos, têm galardoado que a ida de Rafael Corrêa para os quintos dos infernos dá fim a um ciclo de Populismo que não deixará saudades (exceto por Tiko-Tiko, que deixará saudades).

Desatentos ao fenômeno PT (Putin-Trump) e às comemorações pelo centenário da Bolchevique de 17, assumem a pele do vira-lata para partir do pressuposto que a imbecilidade é um atributo exclusivo (embora não discorde que seja inato) da América Latina.

Alguns anos de experiência com a globalização deixaram apenas um fenômeno sem fronteiras: a imbecilidade.

A América Latina foi muito eficaz em sua política de exportação de ideias esdrúxulas e ridículas e hoje, o PT tem soprado na Europa, América, África, Ásia e Antártida como o verdadeiro antídoto dos menos favorecidos em face dos grandes culpados pela desigualdade, esses liberais famintos e que devastaram o mundo em 2008.

Sem assumir um pingo sequer de culpa ou remorso, o Populismo PuTista (versão científica do eixo de mentiras que sustenta o modus operandi Putin-Trump) se coloca como solução para um problema gerado pelo próprio protecionismo gestado na mesma picardia populista que protegia (como de fato continuou protegendo) os useful idiots do sistema financeiro.

Essa molecada de gel no cabelo, cinto Ferragamo, iPhone 25 Plus, 9 dígitos de milhas em cartões fidelidade e um vocabulário tecno-financeiro-bullshístico (mambo-jambo banqueiro) foram, de fato, o instrumento, digamos, a Trombeta que foi soprada pelos verdadeiros culpados: políticos populistas financiados por essa meia dúzia de moleques metidos a espertos, que por sua vez eram protegidos ferozmente por esses políticos (sobretudo no âmbito fiscal, tributário e regulatório) para que continuassem a gerar os lucros de onde saem o financiamento das campanhas que os alçaram ao posto de protetores de seus financiadores (e se eu não parar por aqui vou escrever uma frase de 6 mil linhas nesse vai e volta entre o Master e os Puppets).

O Populismo vive hoje, como Jason Voorhees: mascarado e fazendo suas vítimas ingênuas oriundas dos gozos estudantis.

Enquanto isso, a nova turma do PT lança o mantra "salva o meu que eu cubro o teu".

Tudo ali, bem ajustadinho, no maior símbolo de Estado do mundo: o Salão Oval.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Doria CP

Caderno de Política
por Cícero Esdraas Neemias

Enquanto reclamam de Dória (e hoje saiu mais uma pesquisa de férias de gente dizendo que os acidentes caíram na capital em Janeiro... it is the vacations, stupid!, parafraseando Clinton) e ficam se coçando em relação a sua mania de limpeza, dão atenção à mosca e deixam o elefante passar.

Em menos de 1 mês Dória tornou-se... presidenciável.

Essa história dele aparecer com uniforme de gari, com uniforme de limpa-muros, pegando ônibus com o povão, acompanhando obras de surpresa, indo tomar vacina e fazendo exames em postos de saúde em plena administração (hello, a campanha acabou...) tem um nome: CULTO À PERSONALIDADE.

Os grandes cultos à personalidade na história do mundo começaram exatamente da mesma forma.

Dória está, a olhos vistos e na frente de todos (sem que um sacripantas perceba) construindo um dos mais fortes e avassaladores cultos a personalidade que ameaça, inclusive, outro culto a personalidade que não alcança nem metade da eficiência do Dória, pois demorou dez anos para surgir como presidenciável: Bolsonaro.

Defende-se Lula na mesma moeda, fazendo um cultinho a sua personalidade, junto das "mitagens" de Ciro, outro que vem praticando o CULTO À PERSONALIDADE para chegar lá.

Mas nenhum deles é tão bem feito e eficaz quanto o de Dória.

É o Estado Espetáculo firme e forte!

Turismo para lugares bonitos

Caderno de Turismo
por Max Sneakers

Há um certo mantra brasileiro (cheio de razão): por mais que os políticos queiram destruir tudo no Brasil, as nossas belezas naturais sempre serão maiores do que a sua força devastadora.

O Brasil é o país mais belo do mundo. Tem as praias mais belas do mundo - não têm pra ninguém!

Temos também as florestas mais densas, gigantescas e... bonitas!!!

Temos Pantanal, Amazônia, Mata Atlântica, Fernando de Noronha, Chapadas, essas coisas todas.

Somos lindos e insuperáveis e, políticos, fiquem a vontade na rapinagem porque ainda que vocês passem a vida toda roubando, nunca terão tempo de botar a mão em tudo e a cada centímetro roubado a Natureza devolve ao Brasil um metro de beleza!!!

Desse jeito falando até parece que fica bom roubar: roubem 1 centímetro que Deus (que é Brasileiro) devolve em dobro! (ainda que o dobro de 1 centímetro não seja um metro, but who cares?).

A dica de turismo de hoje segue essa mesma linha.

É o segundo país mais belo do mundo. As coisas anda meio ruins por lá, mas por mais besteiras que o façam, as belezas naturais sempre se sobressairão às barbaridades - pois a beleza é infinita, já, as barbaridades, essas são finitas pois são praticadas por homens que um dia vão morrer e a natureza e a beleza estarão lá para sempre.

Vejam as fotos das nossas dicas:

















Pois é - esse lugar tem praias para relaxar aos borbotões (pode relacionar o termo "borbotões" tanto com "praias" quanto com "relaxar").

É verdade - não são tão bonitas quanto as do Brasil, mas dá pro gasto, né?

Já sei, já sei. Você ficou cansado só de pensar em ficar dias e dias relaxando nessas praias que ficam bem próximas à linha do Equador e oferecem sol com céu limpo o ano todo (quase nunca chove).

Bem, para isso preparei algumas fotos de água doce desse lugar:




Pronto! Cacheira, laguinho, manguezinho... Água doce!

Mas pera lá: muita água pra você? Então que tal esse outro lugarzinho nesse mesmo país:





Dizem que o lugar é um santuário ecológico com espécies de árvores milenares que torna a flora do lugar algo bem atraente para a turma das ecotrilhas e amantes do verde.

Já sei, já sei. Você gosta mesmo é de saber sobre lugares históricos do lugar. Ok, então recomendo dar uma passadinha nesta ponte:


Os glutões e os enogastroturistas já estão curiosíssimos de saber se a comida lá presta alguma coisa. Pois bem, os pescadores da região dizem que sim, baseados nestas fotos:





Alguns já dizem - ok, ok, de que adianta ter peixes tão grandes se não se sabe cozinhá-los? Pois bem, não é o caso desse país, que costuma dar um resultado final para essas coisas em receitas mais ou menos parecidas com isso:




Não é possível, dirão alguns. Você só pode ter tirados fotos de alguma caldeirada de frutos do mar em Paraty ou de algum PF de "arroz feijão & peixe no papelote" de alguma praia na Bahia.

Mas não.

Essas fotos foram tiradas nesse nosso destino, tão brasileiro, tão nosso que já está dando vontade de invadir esse país!!!!

Ouvi há pouco de um chato que não gosta de peixe: e eu? passo fome?

E a ele eu digo com imagens: jamais!!!


Um imbecil chegou a dizer: ah, você fraudou, fake news, tirou foto de fajitas em algum restaurante mexicano e está dizendo que o seu destino misterioso tem comida para todos os gostos - ou, pior, na verdade, seu destino é o México.

Errou duplamente: não são fajitas - isso é um Kebda e nesse lugar se toma de café da manhã, mas como você é um turista tosco, eles não vão se chatear se você pedir isso no almoço ou no jantar. Mas sim: é como se fossem fajitas mas bem menos apimentadas.

Para beber o que mais se toma por lá é suco de limão, a bebida mais popular do local, que não tem álcool nem refrigerante.

E de sobremesa, não vai nada? Ah, vai sim! Que tal isso?


Não é uma torta da vovó - chama-se Sabayah, ou, em tradução livre, "Concubina". Leva feta e mel, com doses elevadas de manteiga tipo "Ghee", numa combinação que está a alcance de poucos paladares.

Qual a melhor parte desse lugar?

Lá simplesmente NÃO HÁ TURISTAS AMERICANOS GORDOS NEM AQUELA HORDA DE EUROPEUS E CHINESES TIRANDO FOTO DE TUDO.

Você deve estar curioso(a) para que mande aquela lista com o nome das agências que fazem pacote pra esse lugar.

Pois bem, não há agências no mundo que operem pacotes para esse lugar.

Ai você me pergunta: bem, dane-se, eu pego um avião, monto o meu pacote e pego um AirBnB pra ficar por lá de algum jeito.

Enfim... também não tem voôs pra esse lugar, infelizmente e não há nada disponível nem o AirBnB, nem no Decolar, nem no Expedia, nem no Orbitz, nem no Hotéis.com, nem no Booking.com, nem no Trip Advisor.

Em outras palavras, não tem como ir para esse lugar. Nem por ar, nem por terra, nem por mar.

Há algum risco por lá? é um lugar seguro?

Bem, estão por lá fazendo algumas briguinhas, de vez em quando tem um catiripapo, vez ou outra cae em uma dessas praias alguma coisa de destruição em massa, como neste caso:


Já pensou se a ideia pega por aqui e o pessoal resolve soltar dessas pra espantar farofeiros? Cruz credo!!!!

A uma altura dessas você já deve estar uivando de ódio e se perguntando: mas que caralho de lugar é esse????

Bem leitor, bem leitora, esse é o......

YEMEN!!!


Sim... exatamente.

Essas são fotos tiradas em um dos sete lugares banidos por Trump.

Boa parte das praias fica na costa em frente à Somália em Qishn ou em Al Mukala, mas a maioria das fotos foi tirada na incrível ilha de Soqotra (ou Socotra ou Socotorá). Fica no Golfo de Áden entre a ponta mais a leste da Somália e a região do "Iêmen do Sul" (geograficamente "Iêmen Oriental", na verdade).

As fotos de paisagens de água doce e flora são todas de Soqotra, assim como a das pescas.

A ponte é conhecida como Shahara Bridge, que fica na cidade de Shahara.

O centro histórico na capital de Soqotra (cidade de mesmo nome) tem arquitetura idêntica à de Sana'a no continente:



Os pratos são de blogs de famílias que viviam no Yemen e em Soqotra cuja publicação antecede a versão iemenita da Primavera Árabe. Qual seja, esses pratos era comidos por lá até mais ou menos 2010. Hoje a guerra (tanto a bélica quanto a estratégica, que está gerando o maior espectro de fome no mundo) já não deixa mais isso acontecer.

Mas não se preocupe, leitor brasileiro: Deus é Brasileiro e Alah não existe e só aqui a beleza suplanta de forma infinita as barbaridades finitas do homem. Se lá não funcionou é porque o Iêmen não deve ser tão bonito assim...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A very useful idiot

Vera Cruz Times
Por Cícero Esdraas Neemias e María-Guertas Abellán García

Notem que o assunto aberto ontem não se esgotou e não se esgotará assim tão fácil.

Várias outras linhas e vertentes desse mesmo tema poderiam ter sido abordadas. Uma delas, mais simples pois oferece muitos atalhos, seria analisar o Iraque, governado tanto tempo Sadam Hussein, ou mesmo a Líbia, governada pelo laureado e portador da Ordem Cruzeiro do Sul oferecida e ele por Lula, o ex-ditador Muamar Kaddaffi. Sofrem há anos com ditaduras populistas (Saddam Hussein nunca escondeu sua filiação partidária socialista e seus ideais marxistas, assim como seu amigão, Muamar Kaddaffi) que aniquilaram com louvor maoista a existência de uma classe média e de uma imprensa livre. Os regimes também deram abrigo e espaço para o crescimento de grupos fundamentalistas com intenções abertamente terroristas e anti-americanistas.

* - qualquer semelhança com o Brasil e a nossa turma do PCC, CV, ADA, FDN e que tais é uma mera coincidência (ou não...).

Sim: Líbia e Iraque são outros dois países envolvidos no "rolo do decreto de Trump" e que mereceriam atenção especial. 

Item, outros não citados, mereceriam também atenção especial: mencionamos a Arábia Saudita mas poderíamos ter lembrado da Nigéria e assim por diante.

O foco deu-se, entretanto, naquele eixo do abandono otomano, que tem inúmeras coincidências com outro eixo, o das Primaveras Árabes e escolhemos a ditadura mais isenta de todas: Iêmen. A isenção vem de um fenômeno tipicamente brasileiro (e que nos irmanamos igualmente com essas tais ditaduras): ignorância. Nossa capacidade de julgamento em relação àquilo que ignoramos de forma absoluta e vergonhosa se abre em troca de novas informações. E quando notamos que as informações na verdade são velhas ou são as mesmas de outros cantos que julgávamos conhecer, a forma como julgávamos esses outros cantos se altera diante dessa nova experiência.

This is the reason why we gave you Iêmen.

Veja o mapinha abaixo como é esclarecedor e casa razoavelmente com o "mapa" do "decreto de Trump":


Bem, eis que surge hoje uma notícia referindo-se a um estudo da UNICEF dando conta que aproximadamente 500 mil crianças correm risco de vida no Iêmen.

O motivo central? - Fome.

O estudo traz um número espantoso: 1,4 milhões de crianças sendo que o Iêmen seria responsável por 462 mil.

E os demais? Guess who? Somália (tinquina!) e Sudão (bingo!). A notícia fala em "Sudão do Sul", uma daquelas divisões que ocorreram a partir de 2011 e cujo reconhecimento de independência não é levado a sério nem sequer por quem está a pedi-lo. O problema está no Sudão; ponto.

Quem está gerando isso? Os grupos que dominam as fronteiras e praticamente prendem a totalidade da população em uma zona de guerra onde moleques na faixa dos 20 a 30 anos se digladiam como torcidas organizadas, uns trazendo a bandeira do ISIS, outros do Al-Qaeda, outros dos Houthis, outros de Hadi e assim por diante. Essa "briga de torcidas" aliada à ausência de uma classe média capaz de uma mobilização conjunta e de uma resistência unida (justamente porque a classe média é a classe trabalhadora por excelência, pois sendo a que mais trabalha, acaba sendo a única classe diretamente afetada com altas taxas de desemprego): eis a mistura de temperos que faz com que a guerra no Iêmen seja alimentada por fatores que o tornam praticamente um conflito quase perene. Ignorância e falta de classe média são também outros nomes para essa "apropriação cultural" que nada mais é do que uma verdadeira "briga de torcidas organizadas".

Não vamos dourar a pípula: a guerra no Iêmen nada mais é do que uma briga de torcidas organizadas. Houthis, ISIS, Al-Qaeda, apoiadores de Hadi são hooligans sem um futebol qualquer associado.

Pos seja: imaginemos que as torcidas, no Brasil, sejam autorizadas a ir para os jogos portando tanques e AK-47s. Bem, é mais ou menos isso que está ocorrendo por lá, mas ao invés de gritar "vai curintia" ou "mengo", eles gritam as frases forjadas pela IM e requentadas nos respectivos grupos, com pitadas de jihadismo, marxismo, nazismo e outros "ismos" que permitem que um grupo como o ISIS se autointitule como "Estado organizado" na forma de um regime "neo-antigo", o tal do califado. Imaginemos que o futebol acabe mas as torcidas continuem guerreando. O resultado será idêntico ao do Iêmen.

A notícia, voltando a ela, fala ainda da não citada (até agora) Nigéria, que conta com as mesmas características de países do grupo Arábia/Somália, cuja Primavera sequer tinha condições de existir e a repressão conta com a ajuda de grupos como o Boko Haram, famoso por barbaridades contra crianças.

Porque Trump não incluiu a Nigéria em seu decreto é algo a ser investigado também. Talvez seu critério tenha sido mesmo o de ter escolhido quintais otomanos abandonados (o que retiraria a Nigéria do decreto se o critério usado foi mesmo esse, pensando ab absurdum).

Fato é, entretanto, que o useful idiot tornou-se um very useful idiot.

E pensar ab absurdum diante das propostas de Trump nada mais é do que usar um critério que lhe veste bem.

Enquanto isso, se você tem curiosidade de conhecer melhor o Iêmen, clique aqui.

E saiba de quem Trump está falando perguntando-se: será que alguma dessas pessoas foi afetada pelo decreto de Trump? Será que tem passaporte? Será que tem visto? Será que sabem onde são os EUA? Será que sabem que o decreto existe?


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A Useful Idiot

Vera Cruz Times
Por Cícero Esdraas Neemias e María-Guertas Abellán García

Escolheu-nos o editor para esta cobertura sobre a questão islâmica e suas consequências políticas, provadas pelo primeiro mês de governo Donald Trump.

Depois de termos o descalabro de ter que lidar com um Donald na presidência e um Mickey na vice, o choque de realidade via Twitter nos deu a certeza (que era apenas desconfiança na campanha), de estarmos diante de um energúmeno em níveis dílmicos.

Trump é uma versão yankee do obscurantismo patriótico bizarro de Rousseff. São produtos idênticos de mesma matriz populista que gerou, anos atrás, figuras como Stálin, Hitler, Mussolini, Franco, Vargas, Perón, Salazar, Che, Mao e outras porcarias consectárias que tentam se diferenciar em um socialismo pró-comunismo e um socialismo anti-comunista (diferença que, “noves fora”, só Marilena Chauí e seu ódio à classe média consegue exergar).

Rafael Correa (que se despede hoje, ao lado de seu fiel escudeiro Tiko-Tiko), Cristina Kirschner, Néstor Kirschner, Maduro, Chávez, Morales, Ortega, Lula, Duterte, Rousseff, Pútin, Bashar El-Assad, Mohammad Morsi e essa gente louca de ISIS e do exército Houthis é farinha de um mesmo saco de onde saiu o produto básico para tirar do forno e servir, no Salão Oval, essa aberração de cabelos alaranjados chamada Donald Trump.

Seu ápice de idiotice (até agora) deu-se naquele fatídico decreto que o Poder Judiciário já freou e, aconselhado, Trump desistiu. Dizem que interlocutores perante a Suprema Corte lhe trouxeram recados para que desistisse, visando evitar um vexame judicial que poderia fazer com que os próximos 3 anos e 11 meses de governo o transformassem um morto-vivo roussíffico perambulando pelos jardins da Casa da Branca (e, desta vez, sem a auto-ajuda de Paulo Coelho em mãos, coisa que só a alta nata da política yankee tem acesso).

Seu próximo ato de Declaração Universal de Energumenismo será no tal do Muro – terá ele mesmo que construí-lo, with his bare hands: ou alguém acha que a massa de pedreiros que atuam nos EUA (peruanos, colombianos, cubanos, brasileiros, nicaraguenses, venezuelanos, dominicanos, haitianos, panamenhos, paraguaios e... mexicanos, sim, eles!!!) irá mover um tijolo sequer para por em pé um muro que eles mesmos tenham parentes a cruzá-lo brevemente? Ou será que o eleitor de Dakota de Norte ou de Montana irá descer até a fronteira, a cavalo, para construir o muro para separar essa turma do Taco Bell, como se estivéssemos em uma película de John Ford refilmada por J.J. Abrahams? – A Saga do Muro (já pensaram??? estrelada por Charlton Heston, o Moisés...).

Deixando essa dúvida do Muro em suspenso (que, apostamos, não será construído por falta de mão de obra, forma simples de culpar o desemprego gerado FDR e herdado por Trump), voltemos ao tema do momento, o decreto anti-imigração.

Uma coisa é fato: todos, sem exceção, reclamaram do decreto, sem tê-lo lido e, pior, sem ter a menor noção dos efeitos, causas remotas que incluiram aqueles sete países e consequências a médio prazo (independentemente do banimento de cidadãos desses países nos EUA) das coisas que vem ocorrendo nesses países especificamente.

Um teste para você, leitor vivo, leitora espertinha: diga de cabeça quais são os sete países objeto do decreto... dizem até que há leitores e leitoras que descobriram agora que os “barrados no baile” são “apenas” sete...

Ah, pegamos você! Todo mundo reclama mas ninguém sabe de cabeça nem ao menos quais são os sete países. Voi-lá: Síria, Líbia, Irã, Iraque, Somália, Sudão e Iêmen. Ei-los.

Mas a questão não é tão simples, pois o decreto de 27 de Janeiro de 2017 simplesmente não os cita. Meramente, em referência cruzada ao INA (Immigration and Nationality Act de 1952) diz que “the immigrant and nonimmigrant entry into the United States of aliens from countries referred to in section 217(a)(12) of the INA, 8 U.S.C. 1187(a)(12), would be detrimental to the interests of the United States, and I hereby suspend entry into the United States, as immigrants and nonimmigrants, of such persons for 90 days from the date of this order (excluding those foreign nationals traveling on diplomatic visas, North Atlantic Treaty Organization visas, C-2 visas for travel to the United Nations, and G-1, G-2, G-3, and G-4 visas)”.*

* - um dado curioso da linguagem adotada pelo decreto é que a norma atinge “immigrants” e “non-immigrants”, mas não trata de “refugees”. A diferença básica entre um imigrante e um não imigrantes está na... intenção de imigrar. Um turista é um non-immigrant, por exemplo. Um refugiado não se enquadra nem em uma da categoria (pois não é imigrante) nem em outra (nem é não-imigrante). Há no refugiado a deliberada “necessidade de remoção”; não há o conceito de “vontade de imigrar”. Pelo contrário: o refugiado ou asilado tem sempre a esperança de voltar e vive sempre uma vida provisória na nação que o acolhe. E, dizem, foi com base nessa imprecisão que Trump recuou. Quando soube que o seu decreto abria brechas para refugiados, além da chacoalhada que tomaria na Suprema Corte, decidiu contentar-se com a conveniente medida do Juiz James Robart, que fez-lhe um favor.

Voltando a norma em si, veja que ao criar exceções, limites temporais da restrição e recorrer a artigos de outras leis, Trump, the useful idiot cria, na largada, uma gigantesca confusão jurídica, sobretudo porque a section 217(a)(12) do INA cita expressamente apenas Síria e Iraque e por meio de uma “linguagem jararaca” abre-se para "any other country or other area of concern" . Desnecessário dizer que ao “armar o cu pra pegar caralho”, como dizem por ai popularmente, Trump teve que emendar esse curioso decreto (que, diga-se de passagem, duvidamos que até ele tenha lido...) por meio da ajuda da DHS (aquele mesmo departamento que emprega várias pessoas nos aeroportos vestidas de uniforme azul operando scanners e cães farejadores), abreviação para Department of Homeland Security, que emitiu um fact sheet esclarecendo esse artigo do decreto trúmpico nestes termos: “For the next 90 days, nearly all travelers, except U.S. citizens, traveling on passports from Iraq, Syria, Sudan, Iran, Somalia, Libya, and Yemen will be temporarily suspended from entry to the United States. The 90 day period will allow for proper review and establishment of standards to prevent terrorist or criminal infiltration by foreign nationals”.

Sem precisar entrar no mérito, podemos convencionar que sob o ponto de vista técnico (jurídico, apenas) o decreto é de uma peça de majestosa barbeiragem.

Ele atesta que, sim, temos um idiota cercado por energúmenos na Casa Branca.

Mas a pior parte não vem do decreto – vem, sim, da incapacidade de muitos trombeteiros de plantão (e, aqui, os trombeteiros não são os aliados de Trump, mas a turma que reclama das coisas sem saber do que está falando) de, propriamente, se informar sobre o que está ocorrendo no entorno desse decreto.

Isso começa quando as pessoas (mais de 95%) não sabe de cabeça nem quais são os países e muito menos a forma com que são “mencionados” no decreto. Mais de 98% não sabe que o decreto tinha validade de 90 dias e, o mais espantoso – pergunte a qualquer brasileiro que se ofende quando um americano diz que a capital do Brasil é Buenos Aires: declare, de memória, o nome da capital de ao menos 3 desses 7 países e verás que nem nessa mini-prova de geografia o trombeteiro passa.

Agora, se você, leitor descocupado, leitora madrugadora, souber: 1. de cabeça quais são os países do Decreto de Trump; 2. como eles são “citados” e porque foram escolhidos para figurar nesse decreto (que, como já dissemos, faz tabula rasa com Arábia Saudita, Egito, Afeganistão, Paquistão, Jordânia e outros que poderiam chamar a atenção por motivos semelhantes culturalmente a Irã, Iraque e Iêmen); e 3. por fim, last but not least, quais são as sete capitais oficiais e oficiosas dos regimes “citados” no decreto – bem, então vocês nem devem continuar seguindo nesta matéria. Parem de ler imediatamente pois vocês com certeza já sabem tudo o que vai ser dito aqui e se aborrecerão. Take a pie e use melhor o tempo futuro, pois o pretérito, meus parabéns, já usastes como um Embaixador.

Mas, se você, leitor, leitora, ambos em dúvida, não sabem uma, duas ou alguma das questões acima, é melhor que siga na leitura, pois fatalmente vocês não têm informações suficientes não apenas para opinar nessa questão, mas sobretudo e muito provavelmente, sequer para votar nas eleições de 2018 que ocorrerão aqui no Brasil. Acredite, há semelhanças...

O papel de useful idiot que Trump se prestou pode ser bem estampado pelo país mais obscuro dentre os sete citados: Iêmen, ou “República do Iêmen”, em árabe simplesmente Al-Yaman ou Al-Yamaniah. É um país que tem lá seus 5.000 anos idade que não cabem ser analisados neste artigo. Cobre uma área equivalente ao dobro do Estado de São Paulo, algo do tamanho mais ou menos do Estado da Bahia ou de Minas Gerais. O último PIB é mais ou menos equivalente ao rombo da Petrobras: coisa de US$50 bilhões. Sua economia depende integralmente das reservas de petréleo, exportadas em sua totalidade e responsáveis por aproximadamente 98% do PNB e das receitas geradas no Iêmen. As reservas estão em torno de 4 bilhões de barris de óleo. Sim, essas são as reservas totais. Para se ter uma noção, o pré-sal tem algo em torno de 175 bilhões de barris. Isso, estima-se (pela velocidade de retirada dos últimos 10 anos), tornará o Iêmen no lugar mais improdutivo do mundo sem um único pingo de óleo para pagar uma das mais altas taxas de corrupção do mundo, tornando completamente insolvente já a partir de 2025. Qual seja, esse estoque deve durar não menos do que outros dez anos pela frente.

Não à toa, ostenta a incrível marca de 160º em IDH (o Brasil está em 75º e a Venezuela em 71º, apenas para se ter algum parâmetro), posto que o pior país, Níger, ostenta no 188º com um índice de 0.348 em face do 0.498 do Iêmen (Brasil tem o seu consolidado 0.755 e o primeiro colocado, Noruega, 0.944 dentro de possíveis 1.000). Já o índice de percepção da corrupção deixa o Iêmen em 170º (dentro de um quadro de 176 países analisados) ostentando a marca invejável de 14/100 pontos (a Dinamarca, país menos corrupto do mundo tem a marca de 90/100 e o Brasil da Petrobras está 79º com 40/100 empatado com China e Índia, colocando boa parte dos BRICS como exemplos de corrupção moderna para todo o mundo).

Voi-lá: sua capital é Sana’a, retratada no jogo Uncharted 3 e usada por Pasolini para filmar o seu clássico Decameron, de 1970. O bairro da Cidade Antiga de Sana’a, onde ficam os portais do Iêmen, o Bab-al-Yaman, é considerado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Apesar de tantas coisas, pergunta-se, como o Iêmen foi parar nessa “lista do ódio de Trump”? A dúvida apenas revela que o Iêmem é de fato e com acerto, talvez um dos lugares mais uncharted do planeta e da história.

E neste ponto, é difícil escapar da história e podemos pular ao menos uns 4980 anos para nos concentrarmos nos 20 últimos, que é quando a coisa “degringola” de vez para o estado atual.

Durante muito tempo o Iêmen foi um quintal do Império Otomano. Diga-se, aliás, de passagem, que os sete países do decreto do ódio de Trump fizeram parte desse Império por séculos (incluindo os países africanos do decreto, como Somália, Sudão e Líbia). Em 1908, uma espécie de tataravó da Primavera Árabe, uma tal de Revolução dos Jovens Turcos deu início a tudo. Essa revoluceta desaguou numa certa dissolução do Império, que anos mais tarde alçou ao cargo máximo na Turquia um tal de Atatürk, em 1923, que tinha um discurso secularista, nacionalista e anti-califa que alimentou boa parte da campanha da recente Primavera Árabe, mesmo sem que citassem uma linha dos discursos de Atatürk. Na contramão de Atatürk, a turma fundamentalista e pro-califado, que acabou se escafedendo das imediações de Istambul e foi fincar bandeira na Síria e na Arábia Saudita.

E o Iêmen com isso?

Saindo o Império de cena, cada um ficou ao seu léu e não demorou para que os resultados da I Guerra incidissem não apenas sobre os Balcãs, mas também sobre aquela parcela do mundo que estava, digamos, “sem dono”. Surge nessa época o Iêmen do Norte. O resto do território foi chamado criativamente de Iêmen do Sul, embora no mapa ficassem meio que lado-a-lado. Eram vizinhos, tendo o Iêmen do Norte na porção oeste do atual território (incluindo a capital Sana’a) e o Iêmen do Sul na porção leste, qual seja, no “resto do território”. Essa situação bizarra (que nos lembra bem das aulas de geografia para o vestibular que fomos obrigados a prestar em fins da década de 1980) não tinha muita explicação clara, exceto pelo mais puro e simples ato de abandono por parte dos turcos. A história do Iêmen aquela altura seria como se o governo brasileiro atendesse à recomendação do jornalista Diogo Mainardi e passasse a cobrar o cavalo da Bolívia abandonado o Acre a divisões que o levassem a ser partilhado entre Acre do Sul (capitalista) e Acre do Norte (comunista). Essa mania estava em voga no mundo nesses recônditos de miséria: foi assim na Coreia, foi assim no Vietnam, foi assim no Camboja mas não foi assim na Irlanda!

Coreia, Vietnam, Camboja, Iêmen (e se assim fosse na devolução do cavalo, possivelmente teria ocorrido o mesmo com o Acre): ex-colônias improdutivas que vivem de dois produtos ótimos para recônditos afastados do mundo – ignorância e cargos públicos. Populistas de direta, atraídos pela ignorância, levaram a porção norte enquanto que os populistas de esquerda, atraídos pelos cargos públicos e pela corrupção (esta sim, a única que foi dividida de forma irmanada entre esquerdistas e direitas de oportunidade), ficaram com o Sul.

A “unificação” veio na década de 1990 e o Iêmen virou um país só: juntou de novo ignorância, corrupção, populismo, militarismo e cargos públicos em uma só nação e assim instituiu uma ditadurazinha populista parecidíssima com o que Trump quer fazer nos EUA. Alguns comunistas ficaram tristes com a divisão do butim e deram início a um movimento separatista criando novamente o Iêmen do Sul, país não reconhecido nem por parte de quem os criou. Mas isso apenas traz mais tempero a uma feijoada árabe-muçulmana que ficou pronta em fevereiro de 2011 e tomou o nome de Primavera Árabe (na versão iemenita, foi a Revolta do Iêmen).

No período pós-unificação, guerra civil estourada por movimentos de esquerda, que fizeram coalizões políticas de conveniência com grupos como Al-Qaeda e os xiitas Houthis, traziam separatismos de coalizão apenas para azucrinar e bagunçar o poder central, que estava, há 30 anos, nas mãos da família Saleh, liderada pelo velho Abdullah, que já preparava Ahmed, seu filho, para herdar essa ditadura de coalizões.

Abdullah Saleh governou o Iêmen assim, digamos, como fez o PT no Brasil ao longo dos últimos 13 anos – coalizões com pequenos grupos garantindo a eles um pedaço do butim em troca de “estabilidade política”, que era gerada e gerida na base do velho “toma lá, dá cá”. Saleh se marketeava como o artífice dessa estabilidade e pregava que sua ausência poderia levar o país, que já estava no fundo do poço da economia (desemprego, inflação, corrupção), a um caos político e bélico sem controle (mágica que só ele sabia realizar). Tentou fazer-se monarca, uma espécie de Caesar do Iêmen, presidente perpétuo cuja sucessão seria por ele conduzida e o sucessor, por ele indicado e nomeado. Tudo por meio de uma emenda constitucional que o declarasse uma espécie de califa secular.

O passo maior que a perna rumo a perenização pelo poder (e com um discurso em prol do povo) deu a quem já estava de saco cheio dele, o argumento faltante para tirá-lo.

Ao olharem para o não tão vizinho (mas ex-parceiro de Império Otomano) Egito e o menos vizinho ainda Tunísia, resolveram os iemenitas ir para as ruas naquele fevereiro de 2011 e, ao contrário de protestar contra aumentos de centavos nas tarifas de ônibus, focaram as reclamações em Saleh e na sua tentativa bizarra de se tornar o Caesar do Iêmen. A esses protestos agregou-se geral insatisfação pelo modus operandi de Saleh no governo, identificado como a causa da pobreza geral, da corrupção exorbitante, do desemprego altíssimo. Em um dia, reuniram em Sana’a 16 mil manifestantes, sendo 10 mil oriundos dos bancos escolares da Universidade de Sana’a. A parte curiosa deve-se a outro modus operandi, neste caso, dos manifestantes. Sabe-se que a Primavera Árabe foi coisa das redes sociais, mas no caso do Iêmen o word of mouth (convocação boca-a-boca) e as convocações fora de foros eletrônicos públicos (qual seja, o uso do SMS, do email e de outros modos fechados de convocação) fez alguma diferença em relação à Tunísia, onde o Facebook e vários blogs abertos a toda a comunidade foram usados com maior extensão. Explica-se assim: o grau de liberdade dos tunisianos e o menor risco de patrulhamento permitiu-lhes uma divulgação muito parecida com as usadas nos protestos brasileiros de 2013-2016. Já a possibilidade de patrulhamento pela ditadura Saleh fez com que as convocações ocorressem pelo mesmo modus operandi do ISIS e do Al-Qaeda: word of mouth combinado com um certo assédio privado eletrônico (via Inbox, email, SMS, mensagens instantâneas e assim por diante – nada aberto nem público).

Enfim, após dias de protesto em rua, incluindo uma convocação para o “Dia de Fúria”,que ocorreu em 3 de fevereiro de 2011 por intermédio da convocação de ativistas de esquerda e levou 20 mil pessoas a um confronto aberto nas ruas de Sana’a, o “nós contra eles” teve Saleh ao centro. Os partidários de Saleh confrontaram-se com os seus adversários, que dentre eles contavam com excluídos de esquerda, democratas, membros do Al-Qaeda, xiitas Houthis e toda a colcha de retalhos de excluídos do regime Saleh. Bem que ele tentou um “toma lá, dá cá” absoluto, mas inevitavelmente o estado depreciado da economia deixou muita gente de fora, convidando-os ao antagonismo. Ao fim de dois ou três meses os protestos passaram a ser quase diários e contar com uma média de 100 mil pessoas de várias origens e motivações que se uniram contra o “fantasma da corrupção e do desemprego” encarnado em Saleh, o ditador da hora.

O resultado? Sim, Saleh caiu e essa turma de opositores (incluindo do “PMDB”de lá) subiu para partilhar o butim. Mais uma vez, não foram todos que conseguiram meter a mão no pote de mel e muita gente acabou ficando de fora. Mas a parte interessante é quem subiu para assumir a sucessão de Saleh.

Neste pormenor, parte das discussões na Primavera Árabe que ficaram ocultas e subliminares diziam respeito diretamente ao limite a liberdades que eram clamadas nas ruas: direitos das mulheres, liberdade religiosa, secularização do Estado, transparência – enfim, tudo aquilo que para muitos já é assunto de dar sono, lá, ainda, era tema de tirar o sono. O imporante era unir-se contra o “inimigo comum”, Saleh, ainda que isso implicasse em promover passeatas junto de black blocs do ISIS e do Al-Qaeda.

Do outro lado, o ditador Saleh fez igual Dilma Rousseff: culpou Washington por sua queda e vaticinou o “quanto pior, melhor”. Disse, várias vezes e com todas as letras, que os EUA estavam por trás de tudo para poder ficar com as riquezas do Iêmen (sem pensar que um capitalista, antes de estudar se ter riqueza, faz uma conta básica sobre os custos de acesso a essas fortunas que só Saleh enxerga).

A Primavera Árabe trouxe várias consequências, muitas todas ainda mal conhecidas e mal estudadas, dentre elas o chamado Inverno Árabe.

O Inverno Árabe atingiu países como Iêmen, além de Sudão, Iraque e Síria e, em parte, o Egito, mas não a Tunísia, o Marrocos ou a Mauritânia, por uma razão comum.  Somália, os EAU e a Arábia Saudita, por outra, também não tiveram Inverno Árabe. Notem que alguns países com causas comuns constam do decreto do ódio de Trump, outros não, enquanto que as causas da Somália ainda oscilam entre o grupo em que está técnicamente inserida e o grupo de que fazem parte Iêmen e Síria. Mas ao fim e ao cabo, esses grupos partilham a mesma causa de ter tido ou não o Inverno, muito diferente do grupo da Tunísia.

No grupo de Arábia Saudita, temos uma ditadura monárquica das mais violentas já vistas, cujos protestos foram abafados sem ter gerado qualquer efeito político por puro e simples uso da truculência.

Já a truculência não foi suficiente no caso do grupo envolvendo Iêmen (pois gerou a queda do regime) e não foi a solução apresentada no caso de Tunínia, onde tivemos mudança de regime seguida de novo governo democrático e razoavelmente estável, com ausência total de qualquer traço de truculência por parte do Estado contra os protestantes. A diferença principal está pois na ausência, em face das Primaveras promovidas nos países pertencentes ao grupo da Tunísia, de uma certo Inverno Árabe ou de um abafamento por meio do uso da força bruta. Neste e no caso anterior, a Primavera Árabe gerou violência, no caso do grupo Tunísia-Marrocos-Mauritânia, não houve violência: nem prévia, nem posterior nem concomitante. O grupo liderado pela Arábia usou de uma espécie de “violência a priori” e matou qualquer efeito no ninho. No caso iemenita a violência foi posterior, assim como se deu na Síria, uma vez que o estado, mesmo tentando ter lançado mão da violência, não o fez de maneira tão eficaz quanto Arábia Saudita, por exemplo.

Inverno Árabe, especificamente no contexto das Primaveras Árabes (caso do Iêmen), significa que os protestos das Primaveras geraram um estado de caos político com violência generalizada e institucionalização do terror como método de busca da estabilidade e administração dessa transição que dura até hoje. Algo muito parecido com o que fez Mao na China pós Chiang.

E a diferença básica que levou uns ao Inverno e outros ao Verão está justamente na base da sociedade de cada um desses países árabes: uns, do grupo da Tunísia, possuiam a chamada classe média bem solidificada; outros, como o Iêmen, não.

Essa coisa que tanto ódio gera em Marilena Chauí e seus seguidores petistas está no centro de todas as explicações para os Invernos Árabes que se seguiram a certas Primaveras.

A ausência de uma classe média estável no Iêmen abriu oportunidades para que os vários grupos elevassem seus conflitos tribais a um nível nacional, muito facilitados pela estabilidade sedimentada na ignorância. A lei do mais forte imperou e o grupo dos xiitas Houthis ganhou muito espaço na disputa pelo poder no Iêmen. Como rebeldes e defensores de “tradições”, inseriram o país na guerra mais sangrenta travada no mundo atualmente (mais sangrenta, inclusive, do que a guerra na Síria ou nos Morros Cariocas). Por ser uma terra de posição geográfica privilegiada (acessá-la depende integralmente de atravessar a península arábica ou navegar pelos “tranquilos” mares da Somália, onde temos cemitério de navios e piratas nada amistosos ou ainda tentar aportar via mar da arábia), os grupos ISIS e Al-Qaeda se uniram para eleger o leste do Iêmen (antigo Iêmen do Sul) como uma espécie de estância de férias da turma dos turbantes negros. Xiitas Houthis, de outro lado, aliados com ex-aliados de Saleh brigam contra o sucessor de Saleh, os governistas representados pelo presidente confirmado Hadi (era um vice de Saleh que foi confirmado por 99% dos votos em eleição direta confirmatória).

Hadi, nesse período, já renunciou e já chegou a renunciar à renúncia; terroristas do ISIS em companhia de turma do Al-Qaeda dizem que os mandatários são eles enquanto os Xiitas Houthis dominam a maior parte do território e, pelo respectivo lado, fazem também suas declarações de “quem manda nessa porra somos nós”. Houthis, por outro lado, se entendem bem com o ISIS, pois bebem da mesma fonte: a Irmandade Muçulmana, uma espécie de TFP Muçulmana que existe por lá e foi fundada no Egito desde que o Império Otomano abandonou essa periferia toda (idos das décadas de 1910 e 1920). Esse abandono levou grupos a uma volta a um passado inexistente de glórias inventadas (coisa bem populista) e com forte viés nacional-socialista com tintas carregas de jihadismo e anti-americanismo. Esse grupo chamado Irmandade Muçulmana já foi considerado grupo terrorista (aliás, muitos ainda o consideram), mas fato é que na Primavera Árabe egípcia a IM teve papel central. Sem muito se importar com as vozes da IM que pregavam coisas bem estranhas e impunham muitos recuos em liberdades parcamente conquistadas, a ideia do inimigo comum Mubarak que precisava ser derrubado no Egito acabou por dar mais voz à IM que o simplesmente imaginável. No fim da Primavera Árabe egípcia, a IM tornou-se um partido que, curiosamente, elegeu o sucessor de Mubarak: Muhammad Morsi, do PLJ (Partido Liberdade e Justiça, a versão partidária da IM).

A IM ainda deu subsídios e doutrinas para outros grupos como os Houthis iemenitas e, bingo, o ISIS, atualmente presente no Sudão, Iêmen, Iraque e Síria. ISIS forma um estado autodeclarado califado e faz um discurso neo-anti-Atatürk com voltas a um passado que nunca existiu consolidando o jihadismo e o terror como ferramenta política.

Morsi caiu em 2013 e a IM e o PLJ voltaram à margem por mãos da Suprema Corte Egípcia, mas o estrago já estava feito, sobretudo longe da jurisdição egípcia: Síria, Iêmen, Iraque e Somália já bebiam do fel amargo espalhado pela doutrina jihadista da Irmandade Muçulmana.

Pois é – de fato, o Iêmen não é um lugar fácil de entender e de sua complexidade podemos intuir que não é uma terra com flores que se cheirem. Isso não dá razão a Trump, de modo algum.

O torna, de fato, um useful idiot.

Faz-nos pensar no mérito dessa decisão, a respeito de um país ser obrigado ou não a receber pessoas que portem documentos emitidos por um governo difícil de compreender e abarrotado de problemas de legitimidade.

É fato que o Iêmen, ao lado da Coreia do Norte, é um dos países mais fechados do mundo. Seus cidadãos não são permitidos a sair do país e, entre nós, nem tem por onde (basta olhar o mapa da região e ver que literalmente, não tem para onde correr).

Se os “cidadãos de bem” estão todos presos nas mãos de gente louca, o que me garante, aqui no Brasil, que a pessoa oriunda de um país como esse, portando um documento emitido pelas “autoridades desse país”, entra por eles “autorizada” e sem alguma “missão de governo” que nós, daqui, não conseguimos controlar?

É muito, muito, muito complicado o todo que envolvem os conflitos nesses países citados no decreto e, como dito, tudo o que os separa da Tunísia e a inexistência de uma classe média que Chauí tanto odeia.

Essa classe média freou a violência como consequencia dos protestos primaveris e onde ela não estava presente, imperou a violência pois na derrubada do inimigo comum, libertários e ditadores se uniram sobrando, sempre para estes, pedaço maior do butim.

Macri fez o mesmo que Trump na Argentina e contra outras nações e ninguém esperneou tanto quanto em relação a Trump.

O decreto de Trump não resolve o problema no Iêmen, mas deveria ao menos torná-lo evidente, o que também não está acontecendo, seja por culpa da imprensa, seja por culpa dos reclamões de plantão.

Seguimos a nossa Primavera Brazuca com características muito parecidas – achamos o inimigo comum, o culpado pelo desemprego, pela corrupção, pelo autoritarismo burocrático de cunho stalinista-maoista e a derrubamos. Mas na derrubada, abrimos espaço para Bolsonaro e Ciro Gomes, que fatalmente disputarão um segundo turno em breve no Brasil. São os nossos Morsis e Hadis de plantão.

Acreditamos que nossa classe média talvez seja tão qualificada quanto a da Tunísia, mas há ainda aquela dormência no corpo político gerada pelo peso da barriga (que gera certo formigamento nas nádegas) do MDB.

Trocamos aqui um bando de amadores na arte do roubo por verdadeiros profissionais, os únicos e derradores criadores do “toma lá, dá cá” e rumamos para o nosso Inverno Brazuca a passos de tartarugas do Projeto TAMAR.

Talvez não nos tornemos um Iêmen por faltar em nós uma Irmandade Muçulmana que alimente o PCC, o CV, o ADA, o FDN, o TC e as demais siglas do terrorismo brazuca que ainda carece de um “motivo político” para o seu respectivo terrorismo.

A esquerda tem se esforçado em dá-lo, vitimizando a turma das rebeliões como se o Carandiru tivesse sido tão ontem quanto a queda de Rousseff. Doutra banda, grande passo andou dando o STF ao criar um mecanismo de financiamento público para essa turma: as condições degradantes do Estado serão ótima fonte de renda (estatal) para esse grupo privado de ações públicas e, agora, definitivamente de cunho político, dado de bandeja pelo STF.

Sim, meus senhores, o Iêmen é quase aqui e o Brasil está quase lá.

A propósito, a capital da Somália é Mogadíscio, da Síria é Damasco, do Iraque é Bagdad, do Irã é Teerã, da Líbia é Trípoli, do Sudão é Karthum e do Iêmen pode ser Sana’a, Aden, Al-Mukala ou Tarim, dependendo de quem você acreditar (se no ISIS, no Al-Qaeda, nos Houthis, na turma de Hadi) – se der muitos ouvidos aos críticos que não leram este texto, pode até ser que você acredite que a capital do Iêmen é... Brasília!



domingo, 19 de fevereiro de 2017

Trash Patrol

Caderno de Assuntos Menores
por Eugênio Villas

Esta semana, a patrulha da imundície mais uma vez ocupou seus horários de escovação dental diária para se incomodar com o lado faxineiro do Prefeito Dória.

Espantaram-se que a varreção, por outro lado, apresentou-se nas estatísticas com uma certa diminuição do lixo recolhido neste primeiro mês de prefeição.

Ora, ora..., estatística séria tem que ser baseada num espaço amostral ligeiramente maior. Dizer que o recolhimento do lixo diminuiu 3% no período de férias escolares dá vários indícios de outras coisas que não querem dizer... ABSOLUTAMENTE NADA.

Em primeiro lugar, recolhe-se menos porque nessa época os porcos de plantão vão jogar lixo no litoral e, sendo jogado menos lixo nestas bandas, recolhe-se menos produto dos hábitos de imundície dos paulistanos, que vão exercitá-los no litoral. Não precisa ser muito esperto para notar porque no mês de janeiro o volume de lixo é menor gerando, portanto, uma quantidade menor do lixo recolhido.

Há também, depois, em segundo lugar, as próprias férias escolares. Aluno, seja da rede pública, seja da rede privada, é um protótipo de Brasil perfeito e em fase de acabamento: literalmente "caga e anda" - enquanto vai andando, joga papel de balinha, espalha farelos, pisa em merda de pomba e esfrega a sola na parede (isso sem falar nas estalactites de muco nasal, vulgo "catota" sob as carteiras e mesas nas salas de aula). Os mais conscientes fazem ainda campanhas de sustentabilidade e de reciclagem, com recolhimento consciente de resíduos e outros palavrórios bonitos para um mesmo resultado: LIXO. Em uma um outra situação, as escolas deixam de contribuir com a sua parcela de lixo a ser recolhido.

Bottom line, entra aqui a cultura popular, que já foi usada para explicar responsabilidade fiscal: medimos a eficiência de uma faxineira em nossas casas não pela quantidade de sacos de lixo que ela coloca no latão central do prédio, mas sim pela quantidade de lixo e sujeira que fica. Pouco me importa se ela ou ele "recolhem o lixo" 6 vezes por dia, sempre sobrando em casa um ou outro casco de refrigerante em meio às migalhas do café da manhã; ao passo que se a casa está sempre limpa e "nos trinques" quando o recolhimento se dá 1 vez ao mês, intrigo-me com a mágica da eficiência: de duas, uma - ou o funcionário joga lixo pela janela e varre sujeira para baixo dos tapetes ou no primeiro caso dos 6 recolhimentos diários ainda gerando resultados negativos de lixo em mesa, temos ai um caso de porquice contumaz de minha parte.

Aproveitando esse último gancho lógico, mais uma vez o paulistano ao reclamar do lixo que diminuiu por causa do volume que se joga bem menos durante o mês de janeiro, dá a prova documental de que um povo porco esquerdo-chauvinista.

Mantenho a dica: tomem banho que essa implicância passa e aproveitem para usar esses momentos de implicância para aumentar a quantidade de exercício de escovação dentária diária.

A saúde de todos agradecerá.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Politicamente correto

Caderno de Assuntos Menores
por Eugênio Villas

Outrora reformulamos o nosso politicamente correto e passamos a excluir aquelas minorias de sempre das charges, programas de humor e músicas de carnaval.

Pronto - assim resolvemos o problema do preconceito no Brasil!!!

Tiramos uma minoria e colocamos outra no lugar, um outro esteriótipo, para dizer que contra esses a "zoeira" está liberada.

Carecas, se cuidem - vocês são todos uns ladrões, pederastas, cornos, tarados, malvados, demoníacos, paus-pequenos, filhosdaputa desonestos!


A calvície é, nestes tempos do politicamente correto em prol daquela fila toda de esteriótipos, um traço gravíssimo de canalhice, um elemento perigosíssimo de desvio de personalidade.

Não há careca bom!

A maldade e a desonestidade são calvas.

E como noticiou Millor, teria dito a ele um careca "que a peruca é algo que nunca teria lhe passado pela cabeça" (cabeça dele, careca... ou seria pela cabeça de Millor, que também era careca e desonesto como o nosso colunista Cícero?).

E salve a Cabeleira do Zezé, seja ele o que é ou não!!!













Honesto

Caderno de Política
por Cícero Esdras Neemias

Ser honesto, diziam os latinos, equivalia a manter um "estado permanente de honradez". Honestus, a, um, declinou-me o Prof. Pinto Cançado, explicando que a palavra vem de honor/honos + est: honos est, honestus. É honrado, seria esse o significado de honesto.

Agora, tentar entender o que seria honra é exatamente onde mora o nosso problema, Brasil.

Quid honor?

Não sabemos ao certo - algo entre "orgulho" e "ostentação"; um "micro culto à personalidade de alguém menor", uma pessoa "homenageada", alguém que carrega "glórias", enfim... tudo isso. Na origem, não teria a ver com "não roubar", mas lá na época de Cícero (o Marco Tullio), era impossível atingir "glórias" roubando.

Hoje não se sabe.

O Brasil não sabe a titubeia.

A essa palavra vem sendo dado um novo sentido. Esse sentido nasce de um bordão de nossos tempos, repetido à exaustão até pelos seus adversários políticos: "Dilma é uma mulher honrada".

Com isso, a palavra honra ganha nova semântica e gruda na pessoa de Dilma tal qual merda em tamanco: parece ser automático associar "honra" a Dilma (mulher honrada).

Há ainda quem complemente dizendo se tratar de uma "Presidenta Honesta", o que, como vimos, pode dar no mesmo (honra a honestidade são semanticamente a mesma coisa, já nos mostrou Pinto Cançado).

Para pensar no termo e tentarmos identificar se essa é uma característica de nosso país e de nosso povo, precisamos, em primeiro lugar, deixar Dilma de lado e promover o seu impeachment até desta discussão (é impressionante a capacidade, muita vez inconsciente, que tem Dilma Rousseff de atrapalhar em todas as coisas que seu nome está envolvido!).

Para os latinos a glória se atingia por meio de "feitos" (trabalhos, ou, como diria HESÍODO, erga, ergói). Além dos "feitos" em si, seus efeitos - deveriam atingir apenas terceiros; algo altruísta. Para além dos efeitos dos feitos, temos também as características negativas - não "pecar", qual seja, não roubar, não matar (a troco de nada), não fazer maldades, não ser injusto, glutão, luxurioso, vaidoso e não agir de outra forma que não seja reta. Samurais tentaram séculos depois consolidar isso tudo em um Código, bem anterior ao BGB e o Código de Napoleão.

Nessa toada, guardar todos os aspectos negativos e não trabalhar não faz do homem (ou da mulher) alguém honrado, honesto. De outro lado, trabalhar à exaustão mas falhar no resto também não faz do indivíduo (ou da "indivídua") propriamente honesto - temos ai um grande correligionário do PT que não nos deixa mentir: Dr. Paulo Salim Maluf, que sempre foi reconhecidamente um work-a-holic mas, em relação aos outros quesitos, parece ter falhado (embora como ele mesmo diga, são apenas conjecturas não transitadas em julgado). Dona Dilma, nos poucos momentos em que trabalhou, poderia ter se habilitado à medalha da honestidade, mas quando foi injusta, maldosa, trapaceira (ah, na campanha de 2014 ela foi um pouco sim...) e gritou com subordinados a troco de nada, teve sua petição de honestidade indeferida no Olimpo.

Tecnicamente Dilma não é honesta, convenhamos.

Em outras palavras: semanticamente falando, Dilma não é uma mulher honrada. Ponto.

Sim, outros certamente também não o sejam, de Dom Pedro I a FHC: a diferença é que nenhum deles se avocou esse título. O máximo que faziam (ou ainda fazem) é invocar a cláusula do "nada que me desabone", algo que FHC abusou à exaustão enquanto fez a defesa de Lula perante o juiz Moro.

Mas a preocupação na verdade não reside na acepção pura da palavra honesto, segundo os latinos, gregos, troianos, franciscanos ou beneditinos - reside propriamente na sua acepção para os brasileiros.

E bem sabemos, o brasileiro é um troço complexo: dá jeito em tudo; tudo em suas mãos fica relativo, subjetivo, "vai de cada um", "depende do caso a caso" e outras malandragens que permitem violar algum requisito da acepção pura de honestidade (ocasionalmente ou frequentemente) e mesmo assim manter-se (perenemente ou substancialmente) dentro do conceito de honesto.

Na acepção pura, NENHUM BRASILEIRO É HONESTO. Nem eu, nem você, leitor.

Mas ninguém vai lá e assume, entende?

Todos reconhecem que o brasileiro na média é bastante desonesto, menos eu. Eles, brasileiros, são; mas eu não me identifico e acho que meu problema é causado por todos eles.

Tenho lá minhas faltas, aqui ou acolá, mas, quem nunca?

Somos todos Marias Madalenas da honestidade, Santa que só no Brasil recebe mais preces em casa e figura na praça e na Igreja sempre atrás da Nossa Senhora, essa sim um símbolo de honestidade.

Nem adianta, leitor, vir com esse papo furado de que isso é discurso de "síndrome de vira lata" - você sabe, eu sei, todos sabemos (no auge de nossa desonestidade intelectual e aqui, na Imprensa, fazemos a MECA da desonestidade intelectual) que a nossa desonestidade é muito valorizada; é até uma de nossas virtudes - somos flexíveis, maleáveis, damos jeitinho, ops, digo, temos solução para tudo, o Brasil é o país do "no brain", aqui não tem problema, somos alegres (alguns bobos-alegres), levamos tudo na boa, com leveza, nossa falta de pontualidade é um traço de nossa cultura meiga, alegre, brincalhona...

Mas quando um estrangeiro nos escancara e diz que somos patéticos (no sentido casto do termo, de pathos mesmo), nos enfurecemos (confirmando que somos patéticos). Se dizem que somos desonestos, dizemos que os americanos também são, ao seu turno, e assim por diante.

Nunca dizemos - sim, nós somos honestos; yes, we are honest people.

Porque sabemos que não somos.

No momento em que escrevo isso estou, na verdade e ao estar escancarando a verdade (papel da imprensa), sendo um grandessíssimo filho da puta desonesto.

Lavando roupa suja em casa, até assumimos entre nós que por aqui a honestidade é como neve no verão - dizem que já houve lá no Sul algum dia, talvez em São Joaquim, mas ninguém se lembra como foi nem quanto tempo durou.

Fato é que somos bando de filhos da puta desonestos.

Todos nós.

Até quando dizemos que Dilma é desonesta estamos sendo paradoxalmente desonestos ao usar parâmetros de desonestidade para ela que de fato não nos atinja.

E para colocar a cereja do bolo na nossa desonestidade, culpamos a colonização.

Dizemos que a colonização portuguesa é a origem de tudo, que a desonestidade e a filhadaputice foi algo cuidadosamente exportado pelos degredados e barões portugueses, que ao perderem o passo da história em 1585, se dedicaram a plantar árvores de filhadaputice no lugar do pau-brasil que era arrancado e que os que aqui ficaram, tendo se alimentado dos frutos dessas árvores plantadas pelos portugueses, ficaram assim, todos uns filhos da puta desonestos.

Tirando esse mito de origem deste texto, sobram os portugueses que vinham aqui... trabalhar!

Qualquer um com um olho que funcione e uma orelha que escute pelo menos 30% saberá que os portugueses são um símbolo de trabalho e seriedade. Todos sabem que os portugueses (desde o portuga da padaria ao Abílio Diniz) é gente que se acorda as 5 da manhã para trabalhar vai dizer que está atrasado. Acordam as 3 ou 4 e só vão parar lá pela meia noite.

Não titubeiam, não tergiversam, não dão "bom dia pra cavalo".

Isso fez com que Portugal fosse hoje um dos países com um dos melhores padrões de vida do mundo. Baixíssima incidência de corrupção, quantidade quase nula de escândalos e crises políticas, baixíssimo índice de roubos e furtos, carga judicial e exposição de conflitos quase nula. Ostenta ainda um dos índices mais baixos de homicídios no mundo e tem um "Estado de Bem Estar Social" dos mais equilibrados do planeta, mesmo em situação de crise econômica como a que vem enfrentando desde 2008.

Mesmo mergulhado na crise econômica o português não deixou de trabalhar e nem passou a roubar; não começou a matar, pilhar, saquear ou fazer greve. Ante a crise o português... trabalhou.

Sim senhores - foi esse mesmo povo que nos colonizou e as lições que deixou, parece, não aprendemos nada.

O outro lado da moeda, o negro, já sabemos - esse trabalha mesmo! E na origem (que mantém até hoje boa parte de suas origens), roubar não é um caminho permitido.

Algo aconteceu em nosso mito de origem, talvez essa árvore da filhadaputice que nos alimenta até hoje e faz isso ser o que é.

Dilma é mulher honesta porque achamos que somos honestos, em nossa forma de tratar a honestidade ao nosso modo.

Querem ver?

Já fizemos a matéria do guarda carros, mas essa semana o nosso repórter fotográfico Sebastian Salé flagrou no trânsito de SP algo mais comum do que homem vestido de mulher em bloco de carnaval - "silver tape" na placa do carro para barrar multas.





O repórter flagrou com a câmera apenas um veículo, mas na ocasião tínhamos nesse entroncamento exatamente 7 veículos usando a técnica.

Basta dar um giro nas Marginais de SP que você verá motos, caminhões, carretas, táxis, veículos corporativos e carros de particulares, todos lançando mão dessa forma de resolver as restrições que o Estado impõe mas que, para esses, não valem pois vão justificar que estão trabalhando e portanto, se é feito em nome do trabalho, o ato passa a ser honesto (algo como o Zé Dirceu dizer que "roubava para a causa", diferentemente do Maluf que "roubava pra si mesmo"). Isso torna esse motorista um trabalhador brasileiro da mesma forma que o Zé Dirceu se tornou Herói do Povo Brasileiro (isso me lembra um dos bordões do Capitão Fábio: "meu ixquema é honexto!!! eu nunca subi morro pra pegar arrego do tráfico!! honexto!! ixquema honexto!!!").

Mas não é só esse trabalhador. Há outros também.

Há uns que gostam de pintar de preto as informações de data de vencimento, peso do conteúdo ou o preço por quilo de produtos perecíveis como peixes...

Vender peixes fora da data de vencimento e omitindo o valor do preço por quilo, nesse caso, torna o indigitado vendedor honesto pois está trabalhando e o que determina se o peixe está bom ou não está bom, não é a data de vencimento inventada pelo governo, mas sim a condição especial desse peixe que demora um pouco mais que os outros para apodrecer. E olha só, jogar comida fora é pecado!!!

 


 

 
 
crédito das fotos: Sebastian Salé

Já sei, já sei... - a culpa é da impressora, que falhou justo na hora de botar o preço nos peixes vermelhinhos (os mais baratinhos, que vão pra barriga do povão). Mas note que essas coisas só acontecem em relação à comida que vai pra barriga do povão, pois na última foto dá pra ver que a impressora não falhou nos peixes mais caros (seja porque são mais caros, seja porque de fato não estão vencidos).

Para esses, que são iguais a nós, a Dilma é uma mulher honesta, honestíssima.

Nesse mesmo supermercado, se esse mesmo dono errar no troco, não vamos dar uma de otário e devolver as moedas a mais, pois, sabemos que se as moedas forem devolvidas, o caixa vai agradecer e colocar essas moeda no bolso dele...

Não denunciamos pois sabemos que não adianta nada - o cara "lá na SUNAB" não vai fazer nada. Ele quer ir embora mais cedo pra casa igual nós, não quer ter mais trabalho do que já tem e ter que autuar o supermercado e causar polêmica, pois logo vai vir um advogado esperto e dizer que um erro não configura dolo e que o lance do peixe foi sem querer e esse mercado é o responsável por alimentar um bairro inteiro e que fechar esse supermercado por uma bobagem como essa afeta o emprego de centenas de pessoas que dependem dele e mais outras milhares que dependem dele aberto para comer..... Enfim, vão tirar as cafajestagens de prateleira para demonizar o fiscal que desceu o cacete no supermercado que fez isso ou no fiscal que prendeu o motorista daquele caminhão ali em cima por "falsificação de documento público"...

Porque ao fim e ao cabo nós gostamos desses cafajestes, pois eles são nossos "amigos", jogam bem futebol, tem bom papo no bar, são engraçados, ajudam um mendigo de vez em quando - enfim, no grosso, no atacadão, são honestos, embora (quem nunca?) dêem essas pisadas de bola absolutamente justificáveis pois "estavam trabalhando".

Sei que estou sendo desonesto e filho da puta ao não dar direito de defesa para os flagrados, sei que sou um desonrado ao insinuar "sem provas" ou trazer provas de duas filhasdaputices para comprovar que a desonestidade é característica unânime de todos nós; sei que dizer que este é um país de gente desonesta é uma frase desonesta: mas ao concordar comigo leitor, ao concluir que eu sou o cara mais desonesto e filho da puta da Imprensa e do mundo, você só confirmará a minha tese:

SOMOS UM PAÍS HONESTO NA MESMA MEDIDA EM DILMA É UMA MULHER HONESTA, NO MAIS, SOMOS MESMO É UM BANDO DE FILHOS DA PUTA DESONESTOS - TODOS, A COMEÇAR POR MIM E TERMINAR POR VOCÊ, LEITOR DESONESTO!