por Eugênio Villas
Tenho acompanhado a série de artigos do Professor Aoki Torazaemon e noto que ele tem conhecimento superficial de nossa portentosa nação.
Falar sobre o Brasil no Caderno de Política ou no Caderno de Economia revela apenas o nosso lado mimético, o quanto gostamos de imitar os outros ou nos valer de um argumento de autoridade para convencer "não sei mais quem" que finalmente estamos saindo da crise.
Mas a própria crise está mudando as relações de trabalho.
A subida dos brasileiros mais pobres a classes mais elitizadas trouxe, na volta para a miséria e para as classes pobres, os nobres hábitos das classes dominantes para o miserére*.
* - para o leitor menos culto que não sabe o que é miserére, esta é uma parte musicada das missas católicas que normalmente encerra os cultos com o Salmo 51 em que os fieis pedem a Deus que "tenha misericórdia de mim". O miserável, portanto, ou aquele que vive (ou volta) para a miséria é alguém que está pedindo uma "forcinha" para Deus ou, na pior das hipóteses, mandando o clássico recado "por favor, não fode".
Voltando aos hábitos recém chegados, os outrora funcionários que foram parar na fila dos 12 milhões de desempregados enchem novamente as cidades com os seus criativos "bicos". Desemprego não necessariamente significa "não trabalho". No desemprego o brasileiro "se vira". Esse "se virar", que os economistas chamam de "informalidade", mostram muito mais o que é o Brasil do que as teorias onanistas dos colunistas de Economia e Política.
Pois bem: daí vem a glória superior deste Caderno de Assuntos Menores - revelar o Brasil.
Eis que, um dia, tendo marcado uma reunião num certo ponto da capital do trabalho (dizem que é São Paulo), notei que os "flanelinhas" haviam voltado. O famoso "valet service" voltou à clássica "flanelagem". "Valet Service", leitor, leitora, convenhamos, é apenas um aburguesamento da flanelagem. O "serviço" é praticamente prestado pelos MESMOS flanelinhas de outrora, mas como eles passaram a usar uma camisa índigo bordada com algo como "Flannel Valet Service", entregando um pedacinho de papel com a sua placa inscrita, você absolutamente não se incomoda de pagar R$25,00 a hora que, no caso da mesma pessoa mas sem a camisa (pode até usar o papelzinho com a sua placa), cobrando-lhe R$10,00, você irá imediatamente enquadrá-lo em "extorsão".
Deixando de lado a questão das convenções sociais e dos sinais exteriores de segurança jurídica, fato é que eles voltaram.
Mas não voltaram os mesmos. Mudaram seus hábitos e revolucionaram o negócio da flanelagem.
Ter observado, nestes últimos 10 anos, o patrão por trás da mesa contando dinheiro, o uniforme bordado e os "benefícios trabalhistas", levou a essa trupe de neo-flanelinhas a reorganizarem o negócio na imagem do sucesso.
Veja as fotos de nosso repórter fotográfico Sabastian Salé:
Meu escritório é na praça...
...Mas eu não estou sempre na área...
O hábil flanelinha já havia montado um verdadeiro escritório em sua área de atuação.
Trouxe para o bico a imagem do sucesso do patrão - a escrivaninha, as cadeiras, as gavetas (o que seria do Brasil sem as gavetas!!!) e aquele aparato burocrático mínimo para que alguém de fora possa dizer: "esse cara tem um negócio".
Quando perguntei aos passantes pela presença do empresário (vejam as fotos, leitores, leitoras - não estou brincando, e sim fazendo jornalismo verdadeiro e retratando a mais pura informação verdadeira capturada pelo repórter fotográfico e vencedor de múltiplos prêmios, Sebastián Salé), fui informado que ele estava gozando "licença".
Como assim?
Desculpe... Onde?
Sim. Ele não tinha vindo trabalhar hoje. Tinha até atestado médico.
Trouxe os principais hábitos de sucesso do escritório e, como não poderia deixar de enriquecer o negócio com uma das mais valiosas peças do livre iniciativa brasileira e do ambiente laboral patropi, trouxe (para si mesmo) todas as proteções trabalhistas, sobretudo aquele direito magnânimo e sacrossanto de "faltar no trabalho", seja por causa do frio, ou por causa de uma gripezinha, da zika, ou de uma zikizira.
Tudo garantido com atestado....
Basta abrir aquelas gavetas e tudo estará lá, arquivado na melhor forma técnica, por ordem cronológica de eventos e separado por prontuários completos.