Caderno de Política
Por Cícero Esdras
Neemias
Eu tinha, tal qual meu amado editor chefe e Diretor de
Redação, alguns outros planos para a coluna desta semana.
Estava gostando daquela história de falar sobre
coalizão.
Muito porque o próprio ex-presidente, em depoimento na
Polícia Federal, explicou como funciona o mecanismo:
Delegado
da Polícia Federal:- Como
eram realizadas as nomeações de diretores da Petrobras?Declarante:-
Eu vou repetir o
que eu já falei, não apenas o diretor da Petrobras, qualquer diretor ou
qualquer pessoa que vai trabalhar no Governo Federal, quando você ganha uma
eleição, eu vou explicar, quando você ganha uma eleição, sozinho, são as
pessoas do partido majoritário que escolhem. Escolhem o Delegado Geral da
Polícia Federal, escolhem o Superintendente se quiser escolher o Superintendente,
escolhem o Procurador Geral da República. Tudo isso é o presidente que faz.
Quando você trabalha numregime de coalizão, você sai de uma coalizão e você
coloca ministros de vários partidos pra governar. Cada ministro e cada líder do
partido coalizado, participa da montagem do segundo escalão do governo. Então
quem indica os diretores são as pessoas da área do ministério, são as pessoas
das lideranças dos partidos que compõem o governo que vão indicando, essas
pessoas passam pela Casa Civil, tem uma investigação GSI, pode falar assim?
Defesa:-
Certo.
Declarante:-
GSI, sabe? E se a
pessoa não tiver prontuário, se a pessoa não tiver
capivara, cada pessoa indica. Eu já fui perguntado, já me perguntaram de Paulo Roberto,
já me perguntaram do Duque, já me perguntaram... Essas pessoas são funcionários
de 30 anos da Petrobras. São pessoas de carreira, que nunca a Polícia Federal
levantou a suspeita, nunca o Ministério Público levantou suspeita, nunca a
imprensa levantou suspeita, nunca a oposição sindical levantou suspeita, nunca
nenhum dos 86 mil funcionários levantaram suspeita. Porque lamentavelmente as
pessoas não nascem com carimbo na testa, 'eu sou filho da puta' ou não, 'eu sou
ladrão' ou não, você fica sabendo depois. Quantos caras vão no casamento da
filha, entra com a filhinha toda bonitinha pra entregar virgem a um canalha que
3 meses depois dá uma surra na filha dele? Então, meu filho, essas pessoas são gente
de carreira, gente que estão lá, que já tinha ocupado cargos importantes na
Petrobras. Então, é assim que são indicadas as pessoas. Já vem lá o nome, vem
dois nomes, três nomes, quatro nomes, esse aqui indicado pelo partido tal,
Ministério é tal, o líder é tal. "Esse cara aqui é mais qualificado. -
"É qualificado? Vamos indicar."
Delegado
da Polícia Federal:- A
palavra final do presidente?
Declarante:-
Hein?
Delegado
da Polícia Federal:- Enquanto
o senhor era o presidente a palavra final
era sua?
Declarante:-
Não, a palavra
final era do conselho da Petrobras.
Delegado
da Polícia Federal:- O
conselho então era político?
Declarante:-
Não, o conselho é
o conselho da Petrobras, é o conselho que nomeia, isso é como embaixador, é
como Ministro da Suprema Corte. Ou seja, o Presidente indica e é referendado
pelo Senado ou não. Passa ou não.
Delegado
da Polícia Federal:- Era
o senhor que indicava os presidentes da Petrobras?
Declarante:-
Os presidentes
da...
Delegado
da Polícia Federal:- Os
diretores da Petrobras e o presidente?
Declarante:-
O presidente da
Petrobras foi escolha pessoal minha, o Gabrielli, e primeiro foi o José Eduardo
Dutra, escolha pessoal minha.Não teve interferência política, era minha.
Delegado
da Polícia Federal:- Certo.
E os diretores?
Declarante:-
Os diretores, eu
acabei de dizer pra você.
Delegado
da Polícia Federal:- Sim,
por isso que eu perguntei ao senhor se a palavra final era sua.
Declarante:-
A palavra de
mandar para o conselho é minha.
Delegado
da Polícia Federal:- Ok.
Era uma espécie de filtro, então?
Declarante:-
Sabe?
Delegado
da Polícia Federal:- Ok.
Houve troca de diretorias da Petrobras no início do seu mandato?
Declarante:-
Houve, era tudo
tucano, porra. Só tinha tucano, eu fui obrigado a tirar. Tinha um que era tido
como um deus, tinha um que era tido como um deus da Petrobras, aí eu tirei, foi
trabalhar com o Eike Batista, é o que o afundou o Eike.
Delegado
da Polícia Federal:- O
senhor tinha conhecimento da divisão das diretorias da Petrobras por partidos
políticos, para que indicassem nesse sistema que o senhor...
Declarante:-
Não é divisão por
partido político, gente, principalmente um leigo, um burocrata que não entende
de política é que trata a questão da política como se fosse uma coisa
secundária. Política é uma coisa muito séria e muito responsável, fora da política
não existe saída pra nenhum país do mundo. Então quando um presidente no
Brasil, nos Estados Unidos, na Suécia ou na Finlândia, ganha uma eleição no
sistema de coalizão, ele é obrigado a governar num sistema de coalizão. Não é
de partido político não, é fazer com que as pessoas que ajudaram a ganhar as
eleições participem do governo. É assim que funciona. É assim que o Janot
montou a equipe dele, assim é todo mundo da equipe. Quando você é eleito para
um cargo, você monta em função das pessoas que você conhece. Você não vai
colocar o inimigo, que trabalha contra os interesses do teu programa de
governo, para dirigir uma empresa.
Bem, essa verdadeira aula de política de coalizão sepulta a
sequência de
posts que eu havia
iniciado sobre coalizão e
traição e torna o meu trabalho de colunista inútil em relação a
esse tema.
Fico obrigado a fazer uma guinada nas colunas (praticamente um cavalo-de-pau) e gostaria de
iniciar essa guinada na rabeira de uma outra guinada que está sendo colocada no forno
da vida real, da política real, ou da
real
politik.
Trata-se do conceito de
golpe
de estado.
O
golpe de estado
ou
coup d’état é simples de ser
explicado. Vou fazê-lo para esclarecer o tema para a minha avó, que é a única
que lê a minha coluna, apesar de analfabeta: um estado, seja ele democrático ou
autoritário, funciona segundo regras, que podem ser escritas ou não. Essas
regras criam um padrão de comportamento, um certo
political pattern. Exemplo: há democracias que dizem que a cada
quatro anos você elege um presidente. Portanto, você tem a expectativa de troca
a cada quatro anos. Em alguns lugares é possível que a mesma pessoa continue
mandando, mas isso depende da aceitação popular. Em alguns lugares há limites
para essa continuidade, em outros não há. Mas a expectativa está lá e é
cumprida a cada quatro anos. Em todos esses lugares há regras que impedem que
alguns sigam até o fim do quarto ano se aprontarem demais. Nesses casos há uma
exceção à regra da expectativa e, como toda exceção, não deve ser usual. Em alguns lugares se dá por
recall, em outros por
impeachment ou em outros, como já defendeu nosso Diretor de Redação, por pura
incapacidade civil. Se
começar a ser usada na mesma proporção da regra, podem crer, há algo de errado com
as pessoas (mas não com as regras). Nas ditaduras, a expectativa depende da
vontade exclusiva de quem está no poder, seja o titular desse poder a própria pessoa ou Deus. Se o ditador cansar, ele
sai e entrega o poder para outro ou se Deus quiser, ele sai e vai tocar Harpa na portaria do céu com São Pedro sem deixar sucessor
e os sobreviventes dão um jeito de arrumar a casa. Mas lá está a regra, escrita ou não - tem que esperar ele sair um dia.
O golpe de estado é perpetrado quando
não há motivos para a aplicação da exceção (questão espinhosa) ou
quando, mesmo não havendo motivos, o mandato é abreviado no curso do exercício,
seja por mudança de regra aplicada imediatamente durante a jogação do jogo, seja por intervenção direta ou indireta de alguém
para que a regra seja mudada depois. Isso é golpe.
Alguns lugares, para amenizar os golpes, submetem a tomada
de poder por alguém que não foi escolhido diretamente para isso, a um referendo
popular; algo como um “ok”
a posteriori,
uma espécie de
eleição ad hoc. É
golpe também.
Vamos para alguns exemplos?
Quando Napoleão se proclamou Imperador e mudou o regime na
França, houve golpe de estado.
Quando o mesmo patético político tentou fazer uma retomada
por meio de um “governo de 100 dias”, houve ridícula tentativa de golpe de
estado.
Quando Lênin depôs o Czar na marra, houve golpe de estado.
Quando Hitler se tornou Chanceler, ele deu um golpe de
estado.
Quando Vargas tomou o poder em 1930, ele deu um golpe de
estado.
Quando Fidel tomou o poder escorraçando Batista do Palácio,
houve golpe de estado.
Quando Jango foi deposto para que Castello tomasse o poder,
houve golpe.
Quando Figueiredo abreviou o seu próprio mandato e impôs
regras de transição aplicáveis ao mandato seguinte,
não houve golpe de estado.
Quando Ianaiev tentou desperestroikar a Desunião Soviética,
tentou dar um golpinho de estado.
Quando Collor foi deposto, não houve golpe de estado.
Se o golpe gera uma revolução política depois, como foi o caso da "Revolução Russa", da "Revolução Cubana", do "Estado Novo" (para alguns) da "Gloriosa de 64" (para outros), isso já são também outros 500... Mas na matriz, tecnicamente, é golpe. Pois há revoluções sem golpe, como foi o caso de Mandella na África do Sul e da Reconstrução Americana, que contou com o quase
impeachment de Andrew Johnson (terminou o mandato por causa de um voto de minerva no Senado) e a condução de Rutherford Hayes para suceder Johnson. O mesmo em relação ao período Entre Guerras, a Great Depression e o
New Deal, já relatados
aqui pelo colunista Magnus Blackman. São exemplos de Revoluções sem golpe, pois este não é pressuposto técnico daquela.
Mas voltando ao conceito de golpe, o caso clássico de golpe de estado talvez esteja nesses flertes
revolucionários que seduzem os pré-adolescentes: o líder com uma bandeira e um
panfleto em mãos, invade, digamos, os equivalentes no mundo ao nosso Palácio do
Planalto, manda prender o mandatário de plantão por um "crime moral" qualquer, senta na cadeira, no lugar dele,
e começa a assinar decretos seguindo o panfleto que leva no bolso da algibeira.
Essa é a forma de um golpe para ser debatida no ensino
fundamental. E, professores, atentem: é muito importante explicar para os
alunos que fazer isso é muito, muito, muito feio, viu! Não importa a razão ou o intento justificativo da medida tomada a força (na maioria das vezes, justificativa
ad hoc, escrita pelos vencedores da história): é feio e ponto final.
Mas a forma para ser discutida no ensino fundamental e no
ensino superior é aquela que Hitler inventou.
Ele fez assim: quando era adolescente, tentou dar um golpe do tipo adolescente –
ele e um bando de vagabundos, depois de voltarem da I Grande Guerra com estrelinhas de
libertador derrotado, de herói de guerra e com
uma
cartilha embaixo do braço, tentou tomar o poder na Baviera literalmente "na porrada". Essa tentativa
de golpe, conhecida como o
Bürgerbrau Putsch
(ou Golpe da Cervejaria) veio bem ao modo popular: tiros para o alto em um
bar e, todos bêbados, sairam pelas ruas para tomar o poder: ridículo. Não deu
certo e foi preso. Apesar da pena aplicada ter sido razoavelmente dura (5 anos), foi anistiado e
voltou para a vida política depois de 6 meses, com o seu panfleto tornado livro de caráter
autobiográfico, o
Mein Kempf. Por
razões óbvias, nunca li, mas todos sabemos qual era a cartilha nacionalista ou
nacional-socialista do moleque: atacava a imprensa, sobretudo a imprensa que
ele chamou de
propangandista
antigermânica; louva a “psicologia de massas” e formula um estuário de
pequenas regras e “macetes” de como fazer um bom discurso para as massas, como
hipnotizá-las – falar ao modo do povo, com palavras e metáforas que eles entendem e contar boas histórias, se possível com
raiva, com ódio, para que o povo se sinta inflamado pela causa, sensibilizado
com a injustiça que ele desenha de maneira simples em seu discurso. É o velho papinho furado do perseguido, usado por Catilina séculos antes. Pois bem,
com essa cartilha em mãos e esse papo furado na boca, dirigiu-se primeiramente à juventude alemã, desempregada e
inexperiente. Alistou milhares e milhões de desocupados para defender
fisicamente a sua causa nas ruas. Beneficiou-se também do sentimento
sebastianista da sua volta ao cenário
político, após um exílio injusto na prisão - o velho papo do ex-preso político, do perseguido, alvo de uma suposta injustiça, que se fora
justiça, teve um tratamento bem brando. Os estudantes e jovens se espalharam no
operariado, na classe média (ou, como prefere Chauí, “classe trabalhadora”) e
engrossaram as fileiras. Eram os "estudantes profissionais". Foi a vez dos agricultores e dos pequenos produtores
rurais sem emprego e sem terra para cultivar e logo os veteranos de guerra junto com as
classes baixas aderiram ao movimento, popularizando o gesto de louvação com a
mão direita aberta em 45º. Alguns lugares depois vieram a fazer o mesmo gesto,
mas com a mão fechada, mas isso são outros 500. Eis que um furdúncio na
presidência da república alemã gerada por uma polarização entre Brüning e Papen
e a incapacidade daquele em controlar a inflação precipitou a queda de Brüning
e a condução de Papen para a cadeira-mor. Carente de um apoio de coalizão com o
partido da maioria do Reichstag (o Congresso deles daquele época), foi negociar
com o chefe, um tal de Hitler. Da primeira vez, pediu demais e ficou sem nada. Jogo de perde-perde: novas eleições teriam expurgado Papen do poder e colocado um suposto
adversário de Hitler no poder, um tal de Hindenburg. Aquele propôs a este o
mesmo que havia proposto a Papen e um pouco mais: se da primeira vez pediu demais, da segunda pediu um pouco a mais que o demais – simplesmente um
superminstério.
Um ministério
pret-à-porter, não
previsto na Constituição, nem na regra do jogo, nem em nada nem em lugar
nenhum. E mais: esse superministério teria poderes excepcionais. Hindenburg não
ligaria de fazer o papel de “Rainha da Inglaterra na Alemanha” e concordou em
dar um cargo especial ao chefe do partido mais popular da Alemanha e que tinha
o apoio de toda a classe trabalhadora. Seria bom para os dois políticos de plantão. Fê-lo Chanceler. Nesse
cargo ditou novas regras que seriam aplicáveis a ele e quando Hindenberg morreu
antes de ter terminado o seu mandato, o Chanceler, que tinha poderes para isso,
fundiu as funções, meteu a coroa na cabeça e fez o que fez. Termina ai a
história de um
case clássico de golpe
de estado sofisticado, aquele
golpe pelas
beiradas, que começa com um pedido indecente, segue com um
superminstério,
e um Chanceler que faz pelos incompetentes o que eles foram gratos por não fazer. Um salvador da
pátria, que ajusta a economia e chega lá sozinho, sem que um único voto o tenha
conduzido ao posto. E, ao seu jeito, coloca milhões de coxinhas no forno.
Hoje, 15 de março de 2016, o Brasil está a caminho de um
golpe, idêntico ao que perpetrou Adolf Hitler em 1932-1933. Não sei ainda se coxinhas irão ao forno, mas não há motivos nos discursos para que fiquem na geladeira.