quarta-feira, 19 de julho de 2017

Editorial

por Dom Fernandes III

Estava longe de nossas pretensões falar sobre a tal reforma trabalhista, mas como somos um hebdo que trata bem o cliente, vamos a ela.

Pedimos vênia e escusas para não precisar comentar sobre a violação da Lei de Segurança Nacional perpetrada por senadoras e senadores de oposição ao impedirem o funcionamento de uma casa legislativa bem como o processo democrático de votação de uma matéria legitimamente pautada.

Também pedimos licença para não precisar comentar que o ato se deu em flagrante delito e que o uso da força física constitui violência, ainda que o agente alegue "vitimismo", "sexo frágil" ou "resistência do bem".

Dito isso que pedimos para não dizer, vamos aos dizeres do que precisa ser dito, qual seja, o mérito da proposta legislativa, agora transformada em Lei nr. 13.467, de 13 de julho de 2017.

Confesso que ter acompanhado os debates e o texto, suas alterações e redigitações, linha a linha, foi de um tédio que se aproxima da emoção haurida em um jogo de beisebol entre pandas.

Mas valeu a pena: o resultado, ao fim, é nos economizar na coprofalação que permeia o assunto.

A reforma tem poucos pontos polêmicos e de fato moderniza as relações de trabalho, sem retirar uma vírgula sequer do que se tem garantido constitucionalmente no art. 7: aquela lista imensa de proteções se mantém absolutamente intacta.

A lei entretanto dá cabo ao imposto sindical e cria o regime de trabalho intermitente. Eis os pontos de maior polêmica.

No mais, nada se fala, nem à esquerda, nem à direita, nem ao centro, porque simplesmente não se leu e quem o fez não entendeu nem 10% do que lá está.

Há uma minoria muito exígua que leu e entendeu - parte dela está aqui conosco no jornal e outros estão por ai em outros jornais de menor expressão.

Passando para a polêmica número 1, o trabalho intermitente, antes de entrarmos na argumentação de proa (a tal da "precarização"), falemos do que é e o que não é, o que dá e o que não para fazer.

Esse é um modelo de contratação que não se ajusta àqueles cargos com demanda fixa e volume de trabalho regular. Cargos inseridos na produção e sobretudo em linha não se prestam para contratação intermitente. Por que? Muito simples: porque contratar alguém nessa situação em regime intermitente sairá muito mais caro para o contratante do que manter o regime comum.

Outros tipos de cargos ou funções deverão cair nesse regime e bem nos parece que os intermitentes serão aqueles que vem trabalhando de forma precária e... intermitente.

O setor de serviços será o mais beneficiado com esse regime e as famosas empreitadas, antes assunto de juízos cíveis, poderão começar a cair no juízo trabalhista pois muitos projetos entrarão em regime contratual intermitente.

Qual seja - o mercado de trabalho no Brasil já é precário. O que nos parece estar fazendo essa reforma é formalizar algo precário, enfim, tirar de um âmbito precário o famoso "bico" e inseri-lo dentro do regime jurídico sem camisa de força da "hierarquia", "horário fixo", "subordinação" e outras provas maléficas e diabólicas que prejudicam o trabalhador.

Bottom line, com segurança jurídica, os ganhos aumentam e não diminuem: o que achata ganhos é a incerteza; a segurança agrega valor e melhora de forma geral os níveis salariais. Isso é fato incontestável e de estatísticas robustas.

Pois então, disse que não ia falar da precarização e na verdade comecei por ela: justamente porque a precarização não será consequência da reforma, mas é sua causa. A precarização já existe e como sói acontecer no discurso marxista-hegeliano, invertem-se as relações de causa e consequência e se transforma uma projeção em realidade atual: ao dizer que a reforma precariza o trabalho sem dados e sem ter os contratos testados na prática, transformam um achismo em fato e "desconstroem" num ato de conservadorismo de uma CLT absolutamente esquizofrênica.

Não há argumento sério, portanto, contra a reforma.

A ideia da precarização esconde outra precarização, de fato, mais séria: a da Justiça do Trabalho.

Além da precarização do emprego (que já existe sem relação direta com a reforma mas sim com o que foi reformado), temos na Justiça do Trabalho a verdadeira Prova de Fogo da reforma da Lei 13.476.

A verdadeira precarização do trabalho está na sua justiça.

A Justiça do Trabalho no Brasil é um dos órgãos públicos mais vergonhosos, custosos e desnecessários da História dos Mamíferos.

A qualidade jurídica de suas decisões é absolutamente miserável. Seus partícipes tem nível de preparo jurídico muito inferior ao de seus pares em outros órgãos do Judiciário, mas o pior não está neste ponto: a pobreza intelectual é imensa até em relação a estudantes de direito mais bem preparados.

Há uma minoria bem qualificada, logicamente, mas a grande maioria da Magistratura Laboral tem conhecimentos nulos de direito empresarial, de teoria geral do direito, de economia básica, de contabilidade, de direito civil, de direito contratual, de direito penal, de processo civil e de processo penal.

São juízes extremamente mal preparados e com boa parte de juízes mal intencionados e influenciados por ideologias tanto à esquerda quanto à direta que tornam o cansativo exercício da magistratura laboral em um ato de patente e constante prejulgamento.

São essas pessoas que farão a reforma funcionar ou não.

E é essa precarização que assusta os jornalistas de nosso hebdo e a descrença de que essa reforma traga resultados no curto ou médio prazo.

A reforma começou hoje mas poderá demorar uma geração inteira para se sacramentar juridicamente.

Temos fé na estupidez da Magistratura Laboral e sabemos que de lá virão muitos e inúmeros retrocessos.

Essa é de fato a verdadeira precarização que os detratares da reforma escondem em uma "precarização especulativa".

Importante também lembrar que na prática, além da adaptação de regime ao modelo de produção, há no meio empresarial uma preocupação com contingências desnecessárias. Portanto, muito do que nascerá no regime intermitente deverá advir de novas contratações. Quem está no regime tradicional (isso já respondemos a "Cartas" no email do hebdo) não deverá mudar para o regime novo intermitente, pois mais que seja do interesse do funcionário, o risco trabalhista poderá ser muito grande se as incertezas da produtividade forem assumidas por trabalhador que estava em regime cujas incertezas estavam alocadas no custo do capital. Essa transformação certamente poderá gerar riscos sérios diante dessa justiça pobre que irá puni-lo de antemão. Empresários resistirão não apenas pelos riscos, mas pelos custos: em certos tipos de trabalho o regime intermitente tende a aumentar o salário nominal do contratado, o que pode não ser do interesse do contratante em alguns casos, que irá manter o contratado em regime tradicional.

O maior efeito que esperamos ver nessa reforma, qual seja, aumento geral da produtividade e ganhos concretos partilhados por toda a cadeia produtiva talvez demore mais a dar resultados, menos por crença na reforma e mais por medo das cretinices que possam advir da Justiça do Trabalho.

No mais e dentro do justo, se o empresário abusar das formas jurídicas ou simular, estará igualmente em risco: e não porque a Justiça do Trabalho tenha alguma profundidade em matéria de simulação (juridicamente falando) mas porque o resultado depreciativo será alocado da mesma forma com que os juízes hoje "desconsideram a personalidade jurídica" de pequenas empresas para punir sócios que muita vez são mais "duros de grana" que seus funcionários.

Ao comentarmos para leitor um texto de Alex Schwartsman, escrevemos no email:

O texto do Alex mostra que ha duas especulacoes (que nao sao fato, sao exercicios de adivinhacao): a reforma ira precarizar o trabalho ou a reforma ira formalizar e trazer para dentro da CLT o q ja eh precario. Fico com a ultima posicao. Explico: quem esta no regime normal e muda para o intermitente tem acao trabalhista ganha com ctz absoluta. Se comprovar perdas pq a empresa usou de abuso de formas ou simulacao, vai perder em qlqr corte.
Mudar do regime atual para intermitente eh ferro na certa. O intermitente so vai ser usado para novas contratacoes e em regime q nao represente risco adicional para o empresario.
Nao tenha a menor sombra de duvida de q o ativismo judicial na justica do trabalho esta na conta. Esse sera um divisor de aguas fundamental da real precarizacao: o distante magistrado do trabalho e o inexistente MPT serao os verdadeiros fiadores ou desfiadores dessa reforma. A precarizacao juridica q nos apresenta a Justica do Trabalho eh mto mais preocupante q essa dita "precarizacao projetada" poderia gerar. A precarizacao do debate na justica do trabalho é real; a da reforma é teorico-especulativa. Vamos Aguardar.
Sobre o constante vício da Justiça do Trabalho em passar a conta para sócios, ainda respondemos em outra mensagem:

o Brasil eh o unico pais q tem regra de responsabilizacao direta do socio por dividas trabalhistas. O socio é tao credor da sociedade qto o funcionario. Essa tecnica so é usada nas pequenas e medias empresas. Socio de EBX nao paga divida de trabalhador na fisica. Quem paga a conta do empregado é um igual a ele na pratica brasileira.

Resta então a questão do imposto sindical.

Ora ora: chegamos pois ao centro que interessa desta reforma - a precarização da "mamata".

A "teta" sindical ficará precária, precaríssima.

Fora a precarização intelectual na Justiça do Trabalho (que já é uma realidade) e a formalização de inúmeros status de trabalho precários (que já é e pode deixar de ser), a única precarização certa é a do regime de acordar as 10 da manhã, ir para o sindicato tomar café até meio dia, almoço de 3 horas e reunião de pauta até as 3 (isso se não tiver nenhuma manifestação acordada para queimar pneus em algum lugar no fim de tarde), sempre de 3a a 5a, pois as 2as e 6as ninguém é de ferro. Esse regime de trabalho, exclusivo, exclusivíssimo, vai precarizar e tende a acabar.

Todos desse regime exclusivíssimo precisarão procurar um trabalho intermitente (de acordo com as novas regras), já que não sabem trabalhar das 9 as 18 de 2a a 6a...

Deu pra entender ou precisa que eu desenhe?