quarta-feira, 18 de maio de 2016

MinC: já vai tarde...

Caderno de... CULTURA!!!
por Dionísio Crátino

Eu trabalho com cultura há anos. A única coisa que recebi do estado foram as aulas na FFLCH, que me garantiram um diploma para trabalhar na área.

Desde então, estou na cultura sem botar a mão em um vintém sequer de dinheiro público: eu e mais de 80% dos colegas que se formaram comigo.

Mas a minha biografia não justifica uma opinião, cuja modinha dos debates trouxe à tona, como uma espécie de cortina de fumaça (a fim de que a discussão do que interessa fique para depois) essa notável extinção da Pasta da Propaganda, vulgo, MinC.

Há anos trabalhando com cultura, sei de coisas e causos envolvendo o órgão estatal responsável pela cultura de nosso país. Desses causos é que tirei minha convicção, lá pelos idos do primeiro governo de Da Silva ou mesmo antes, quando o aparato esteve em mãos do Prof. Weffort, que introduziu o petismo e o pragmatismo na pasta, extinta e enterrada há alguns dias.

A convicção toma o título desta notinha - MinC: já vai tarde...

E as razões, como dito, não se referem em minha ou em qualquer outra biografia. Fundam-se, de fato, nos fatos e, acima de tudo, no conceito criado para esse Ministério a partir do petismo light do Prof. Weffort, continuado pelo Ministro do violão, o grande Gilberto Gil e transformado em bunker de propaganda a partir do trabalho, na pasta, de Dona Marta PT (hoje, Marta do MDB).

A pasta que se consolidou com Celso Furtado como desdobramento Constitucional daqueles toscos e incompreensíveis artigos 215, e 216 chegou até a ter o seu charme e relevância nos tempos de Itamar Franco, quando esteve nas mãos de Houaiss, o novo Homem Dicionário dessa geração pos-aureliana. Houassi, antes de ser dicionário, foi, nada mais, nada menos, que o maior filólogo em língua portuguesa vivo naqueles dias.

Passado esse tempo e já em plena eficacização da mais energúmena emenda constitucional de todas até hoje, a EC 71 de 29/11/2012, passada em pleno governo Rousseff I, o termo cultura transformou-se abertamente em propaganda.

A inserção do art. 216-A na Constituição trouxe ao nosso país uma prática bolchevique, que se lá na URSS teve méritos de descobrir um Einsenstein, calou por décadas um Bulgakov. Foi uma prática pragmática de escolhas. Esse bolchevismo cultural tardio não apenas se presta para incluir a cultura em um funil da propaganda de governo, assentada hoje expressamente em nossa Constituição por meio do chamado Plano Nacional de Cultura, sob o qual um governo traça as bases do que, em termos culturais, merecerá a sua atenção e os seus recursos (leia-se, depósito à vista em conta corrente), mas também e sobretudo, sob a desculpa da inclusão pratica descarada exclusão.

Houve a partir da participação suplicante da Ministra Dona Marta uma submissão da cultura à propaganda, colocando-se abaixo da soberania das opiniões de um governo o próprio Estado. Assim ficamos: cultura batendo continência à propaganda, que era formulada unilateralmente pelo partido (por meio de suas Ongs, Fundações e intelectualóides), que assim se confundia com governo e que assim colocou o Estado abaixo de si. O Estado, então, na forma de MinC, fez-se instrumento da propaganda de um governo-partido, ou seja, de um partido, enfim, do dito de meia dúzia de "donos da verdade cultural". Muita gente "se facilitou" e chegou a ganhar Cadeiras em Academias de Letras, cargos em curadorias fundacionais e etc. Vendeu-se, ponto.

A partir de Rousseff I eu testemunhei no país uma censura às avessas: o Estado não apenas deixava de investir, mas reprimia e oprimia academicamente e também no âmbito da crítica à serviço da propaganda partidária, tudo aquilo que era cultura que não lhe fosse, de alguma forma, servil.

Enquanto Chico Buarque usou do barroco para driblar a censura da ditadura militar, a ditadura do MinC cooptou o mesmo Chico com...: dinheiro e crítica oficial. A isso nem um barroco resiste num país em que sátira vira crime e crime vira golpe. Assim se faz cultura com a farinha de trigo da propaganda.

E é assim que se censura um trabalhador da cultura: dá-se fundos infinitos aos seus contracultores, metralhando-o incansavelmente com críticas alinhadas à propaganda oficial. Nesse sentido Hitler e Himmler foram mais eficazes que os militares brasileiros e quase tão eficazes quanto a turma do MinC, que "exportou" Fernando Meirelles e José Padilha para ficar com Barretão, da mesma forma que a dupla HH "exportou" Fritz Lang para ficar com Thea von Harbou.

Um país que precisa de um Ministério para determinar culturas que o Estado deve proteger, com certeza sofre de alguma patologia. Já, um país que precisa de um Estado para exclusivamente intervir na liberdade de expressão e guiá-la ao modo de seus governantes, sofre de uma endemia gravíssima e de uma cegueira saramagueana.

Principalmente quando constitucionaliza a primazia da propaganda sobre a cultura e, agora que o Circo pegou fogo, os palhaços saem a praça para gritar: onde está o meu pão?

Com o fim da era da primazia da propaganda sobre a cultura que se avizinha, veremos então: do que poderão viver os clowns de Shakespeare senão do fruto das próprias piadas em um reino comandado pelo Mordomo que não ri?

Não ria escondido, leitor: Ao vencedor, as batatas...

PS - disse-me o Editor Dom Fernandes III que a Folha da Madrugada está aberta para receber cultura, já que não se sustenta com propagandas, oficiais ou oficiosas...