quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Reforma da Previdência e o Pleno Emprego no Brasil

Caderno de Economia
por Magnus Blackman

Tempos atrás, fomos brindados por uma análise interessante de nosso convidado especial, Torozaemon Sama, sobre um certo projeto da "Ponte para o Futuro" então codinomeado "limite de gastos".

Fato é que o tal limite virou projeto, que por sua vez virou PEC (proposta de emenda constitucional), que por sua vez já foi aprovado na Câmara, que por sua vez será facilmente aprovado no Senado.

Não que sejamos contra: somos até mais radicais, como bem lembrou Toro Sama, nem a inflação deveria entrar na conta (sobretudo ela, diga-se de passagem, como motor de aumento lícito desses gastos).

Deixemos de lado então o nosso desconforto a essa versão "light" de limites, juntamente com a curiosa forma de convencionar esse limite constitucionalmente, admitindo que, por ora, vamos ter, algum que seja, limite.

Limites são vitais.

Ainda que flácidos e flexíveis, limites continuam e continuarão a ser vitais - a flexibilidade apenas reduz a vitabilidade, mas é o limite em si que garante a vida e não o oposto. Talvez a vida imponha limites, mas não os garante.

Dito isso, nos parece que a PEC 241 nos dá, na verdade, uma certa sobrevida. Não renova a vida em novo ídolo esse modelo de limite, pois ele permite que o aumento do sucesso presente se dê com base no fracasso do passado. E isso, para nós, é sobrevida. Quando o sucesso presente é alimentado pelo fracasso passado, vivemos uma espécie de alcoolismo econômico. Essa PEC 241 ajustada pela inflação me parece bem isso.

Espertos, os econo-acólitos do governo já lançaram o discurso de que sozinha a PEC 241 não fará chover na lavoura por muito tempo. Será necessário mais e mais; precipuamente, ajustes em gastos que incomodam. O alvo da vez é a previdência.

Teríamos outras pautas para atacar: a atividade econômica, seja em regime de monopólio legal, seja em regime de monopólio de fato, desenvolvida pelo estado; a atividade econômica em regime de oligopólio em associação com os mecanismos de governo (exemplo disso são os setores de telecomunicações e energia); os tantos e quantos subsídios (que já receberam, alguns deles, vulgos interessantes como "bolsa-empresário"); o regime político eleitoral (com o agora salvador "fundo partidário") e por que não lembrar, a própria estrutura política e de distribuição da participação de poder no Brasil, a saber, os próprios legislativos, os partidos políticos em si, e, convenhamos, o próprio federalismo (estado pra que??? - "cala-te, boca, não é a hora!").

Deixando essas pautas de reivindicações de lado e dando a necessária sobrevida à nossa degenerescência burocrática com essa PEC 241 de limites "light" e com um pouco de gordura polissaturada (mesmo porque não discordamos que a Previdência careça lá de uns ajustes), vamos então a ela, ainda que não seja ela, a feiosa previ-bruxa, a "Top 1" de nossa lista de prioridades.

Ela estaria em nosso "Top 5". Em suma, não começaríamos por ela, se isso aqui fosse uma monarquia e eu fosse o rei: como não temos nem uma coisa nem outra, vamos seguir o efeito manada (vulgo para "democracia moderna") e vamos falar de previdência.

E no mérito desse tema, muitos querem atacá-la começando pelo regime da previdência comum. Começa-se com o tom científico de que a medicina, ao esticar as expectativas de vida, o vigor físico aos 40, o Viagra aos 60 e a menopausa aos 70, teríamos, então, o quadro "científico" ideal para adiar o tempo de ócio remunerado para 80 e poucos anos. Basta ver as maravilhas que o gH fez no UFC.

Outros ainda vão pelo que parece óbvio: quem se "aposenta" mas "continua trabalhando" não pode receber do estado a sua parcela de "ócio remunerado" - para tanto tem que parar de trabalhar de fato. Independentemente disso ser um dos mais energúmenos estímulos ao "não trabalho", algo bem típico do regime político de um sistema liderado pela ironia de um Partido que se diz "dos Trabalhadores", temos cá conosco que nem o problema e nem a solução estão ai nesse canto da sala.

A aposentadoria de quem efetivamente trabalha e de quem efetivamente trabalhou não precisa mudar tão drasticamente, exceto pelo detalhe em relação ao regime de aposentação por tempo de serviço: começar mais cedo não pode ser uma desculpa para ir para o "ócio remunerado" antes que outros; antes inclusive que a média mundial de aposentação por idade (nesse sentido deem uma olhada na tabelinha que o PINTO MARTINS fez em 2015:372). Nessa tabela, temos que trabalhar, ao menos em tese, tanto quanto se trabalha no Japão.

E esse "em tese" é onde mora o problema, pois na prática o nosso regime é feito para uns trabalharem e outros não. E há regimes de "não trabalho" cujo "ócio remunerado programado" é sustentado pela ativa da expectativa de "ócio remunerado não programado" de outros; tenha começado mais cedo ou não, seja porque preferiu estudar mais, seja porque preferiu "aproveitar mais a vida" e esticar seu tempo de nem-nem-nem.

Vamos apontar o dedo logo: temos um regime de previdência para cargos eletivos no Brasil que é o nosso verdadeiro Mal de Lázaro.

Senado, Câmara, Assembleias de Estados (servem pra que, mesmo??? eu não sei pra que servem....) e as infinitas Câmaras Municipais espalhadas por este Brasilzão (ou seria Brasilsão?) consomem um portfolio de dinheiro de dar orgulho a qualquer horta de dólares no Mundo.

Pergunto: por que pagamos a aposentação de um Senador que conclui o seu mandato com um "ócio remunerado" equivalente à íntegra de seu último salário (se comprovar que antes do mandato contribuiu alguns anos, mas convenhamos, uma vez lá o parlamentar comprova até o ingresso antecipado no Reino dos Céus), profissão essa de "representante" do povo (que de fato ninguém representa a não ser a si mesmo) cuja escala de trabalho é... de presença opcional, de 3ª a 5ª com 2 meses de recesso mais um de férias, sem contar as licenças, viagens internacionais, ausências consentidas, faltas, moradia "oficial", Uber próprio e até, pasme, uma polícia pra si mesmo ? ? ? ? ? . . . Por que? Por que? Por que?

Novamente pergunto: recebe essa aposentação em troca do que, o distinto Senador, se a única coisa que fez foi de fato não trabalhar?

Presidente (e, agora, Presidenta também) afastado, item, recebe lá o seu naco garantido. E veja: impeachment é como uma "demissão por justa causa" - se Dom Fernandes III me mandar embora por "justa causa", além de não receber o "seguro desemprego", minha aposentação se bagunça no tempo dos condenados ao desemprego. Por que pagamos integralmente o salário de quem "demitimos por justa causa"? É por causa do regime de condução e contratação? Então se o regime de vinculação é eleitoral, o salvo conduto fica garantido até em caso de crime de responsabilidade?

Começando pela completa extinção de qualquer incentivo financeiro pós-mandato de cargos eletivos e comissionados, estaríamos falando de uma reforma previdenciária séria.

Deixemos o regime especial para quem prestou concurso, passou e tomou posse (algo que gera mi-mi-mi no Lula... por que será?). Quem foi eleito não deveria ter direito a um centavo sequer, pois mandato eletivo não é profissão e, em tese, tem tempo para acabar (se bem que a prática nos prova o contrário: basta olhar para o Congresso e chorar cada vez que nos perguntamos - quando isso acabará? quando esse cara vai pra casa e nunca mais vai voltar?? mas ele volta, não e Maluf?). Que tal começarmos essa discussão pelo completo fuzilamento da PSSC (Plano de Seguridade Social do Congressista) com a queima em praça pública da Lei 9.506/97? Lembremos - nenhuma revolução se começa abrindo mão de fuzilamentos e queimas em praça pública: PSSC e Lei 9.506/97 talvez seja um bom começo para fuzilar e queimar preservando pessoas.

Em segundo lugar, as aposentadorias de mandatos eletivos cassados, suspensos, interrompidos por impedimento, enfim, name it, de "demitidos por justa causa" (sobretudo quando a justa causa decorre de improbidade administrativa, rejeição de contas pelo Tribunal de Contas e outras razões que para eles são menores, mas para nós importam bastante): fazem algum sentido???. Por que pagamos a essa turma do "crime de responsabilidade" por algo que eles não deveriam fazer nem nunca jamais ter feito?

E por falar em político e crime..., bem, lembremos de outro regime, esse, em si, fantástico.

Falemos do regime de aposentação dos presidiários e dos condenados a penas superiores a 30 anos (sem prejuízo da lembrança de que o "crime de responsabilidade" é algo, digamos, peculiar em nós - isso é assunto de estagiário e não vamos mais perder tempo com isso).

Embora a nossa lei impeça que um condenado a pena superior a 30 anos de cadeia careça cumprir mais do que isso para que sua situação não se torne um "ergástulo de fato", o Estado vai lá, por ordem legal, e solta o condenado. Temos em nosso sistema um hedge criminal que nem o mais sofisticado derivativo consegue reproduzir sinteticamente. Faz-se a coisa mais absurda do mundo e meu limite de gasto em serviço prisional é imposto por lei: 30 anos. Isso quando não o faça aos 68 e venha com o papo furado de que aos 70 o homem vira um anjo... Enfim, isso são lá, também, outros 500... Voltemos ao número mágico do nosso hedge penal.

Trinta anos depois de serviços no regime prisional ele volta ao nosso convívio nos devolvendo tudo o que aprendeu no "sistema" e, pasme - se quiser, volta... aposentado!!!

Genial!!!

O Brasil é um país genial, estupendo, característico e autor das mais curiosas situações. Essas duas são bons exemplos: os políticos (com destaque para os impedidos) e os condenados (com destaque para aqueles que cometeram crimes gravíssimos).

Já que falamos acima dos políticos, passemos para os condenados a crimes graves, hediondos, feios, horríveis e de "longo termo de serviço".

A lei de execuções penais brasileira garante ao preso, dentro outras coisas, o DIREITO (potestativo, diga-se de passagem) AO TRABALHO (art. 39) e, consequentemente, o acesso ao regime público de PREVIDÊNCIA SOCIAL (art. 41).

São, ao contrário de quem está mandando curriculum por ai (que está sujeito a um regime de expectativa jurídica de trabalho regulada pelo mercado), um verdadeiro direito potestativo que o Estado lhes assegura plenamente. Direito potestativo é quase um poder, digamos assim, pois para exercê-lo basta querer. E a contraparte desse poder (o Estado, no caso) está numa situação de sujeição e tem de cumprir imediatamente com essa querência.

Um preso, se quiser, lança mão da Lei de Execução Penal (uma lei feita só para eles, presos) e exige, qual seja, impõe o seu "direito ao trabalho".

Só um preso pode fazer isso no Brasil. Mais ninguém. Basta ele manifestar verbalmente a sua "vontade de trabalhar". O sistema prisional tem que se virar para arrumar algo para ele fazer. E não poderá deixar de remunerá-lo pelo mínimo do salário em vigor no Brasil, além de dar-lhe o benefício de abater da pena final, 1 dia de condenação para cada 3 trabalhados. Basta ver Zé Dirceu. Foi só falar que deram a ele um passe-livre para circular por Brasília na qualidade de funcionário de alguém. Um preso consegue isso, um "solto" não.

Nesse regime ainda goza o preso da faculdade de ter o seu trabalho formalmente integrado em um regime de previdência e de aposentação certa. Caso o seu tempo de prisão seja asseguradamente 30 anos, qual seja, ao equivalente a uma condenação mínima de 120 anos ou mais, pode entrar desempregado a sair da "cana" aposentado.

Em termos econômicos significa dizer que a única classe "trabalhadora" que goza de pleno emprego absoluto, pois tem um direito potestativo ao trabalho, é a classe trabalhadora dos presidiários (não ria) estejam eles em regime provisório ou definitivo de cumprimento de pena. O provisório ainda mantém seus direitos de voto e pode eleger seus "representantes" para o Congresso, que por sua vez se aposentarão, item, sem trabalhar e representado os presos "provisórios" (mas isso são outros 500 de outros 200...).

Além disso, mantendo a sua empregabilidade (pois pode trocar de emprego na hora que quiser, basta se enfadar com a atividade e pedir para mudar, que o Estado tem obrigação objetiva de atender à troca), sai de seu período no cárcere aposentado, ainda que lhe faltem, em tese, outros 200 anos por crimes que possa ter cometido em menos de 1 semana.

Sim - no Brasil, a única forma de garantir pleno emprego absoluto e aposentaria certa é ser eleito ou ser preso.

Já sei, já sei.... vão dizer que o gasto com essas aposentadorias é marginal (desculpem pelo trocadilho com a terminologia econômica) e a extinção desse regime vai atingir meia dúzia de senadores, alguns deputados e ex-governadores (ou respectivas esposas, quando viúvas), uma quantidade mais razoável de prefeitos, deputados estudais, vereadores e outros tantos comissionados Brasil a fora, ao lado de uma porção mínima de presidiários (neste caso mínima, pois a opção de trabalhar, ainda que garantida na forma de um direito potestativo do preso, não é exercida nem por 5% da população carcerária, o que comprova que somos um país de vagabundos genéticos). Essa parcela pequena de atingidos não faria a economia necessária para as contas fecharem. Sim, fato. Verdadeira nota há.

Ok, ok... Vamos lá. Quem disse aqui que o resto da previdência não merece lá seus reparos? pelo contrário - demos o caminho aqui do sentido desse reparo - começar a trabalhar antes não pode significar passe livre para um "ócio remunerado ultrantecipado". O que disse é que se formos começar a mexer nisso, que tal deixarmos o regime do trabalhador comum por último?

Comecemos pelo ocaso das exceções para ver se a regra, ao final, faz algum sentido.

Fará na parte do trabalho, não da expectativa do ócio. Asseguro isso.

O resto é conversa pra acordar preso e político poder dormir em paz.